Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a expectativa de aumento da inflação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Preocupação com a expectativa de aumento da inflação.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2011 - Página 12180
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, RETORNO, INFLAÇÃO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu fico feliz, Senador Paim, que o senhor esteja na Presidência da Mesa, porque se tem alguém identificado com os interesses das camadas mais baixas da população, dos trabalhadores de baixa renda, dos trabalhadores de salário mínimo; se tem alguém que se preocupa com isso, e eu sei que tem mais de um, o senhor seria o escolhido por todos nós.

            Mas o que eu quero falar é que há uma nuvem pairando sobre os interesses das camadas mais pobres deste País. E o nome desta nuvem é inflação. O senhor é o grande lutador pelo aumento do salário mínimo. Senador Paim, não adianta aumentar o salário mínimo se tivermos continuada a inflação em um nível que está hoje. A inflação para as camadas mais baixas da população, prevista para este ano - e tudo indica que haverá um furo com o aumento dos preços de commodities, dos preços dos combustíveis, dos preços de alimentos -, é de 6,41% ao ano. Para se ter uma ideia do que isso significa, se fosse 7,4%, a cada dez anos, dobraria o preço das mercadorias; isso significa que as pessoas empobrecerão na metade do que elas têm, em dez anos.

            Não podemos deixar que este País volte a ter este inimigo terrível do bem-estar, do bom funcionamento da economia, que é a inflação. Mas, ainda mais grave é deixar que a inflação fique diferenciada como é hoje: a inflação das camadas mais altas está em 4,5%; das camadas mais baixas está - aliás 4,5% era a meta - em 6,5%.

            Nós não podemos deixar que continue essa tragédia. O Brasil já viveu a situação que nós vivemos com a inflação. Já vivemos algo que eu dizia na época, Senador Paim, que era pior o Brasil do que a África do Sul num aspecto: a África do Sul tinha uma moeda única para brancos e negros; o Brasil tinha uma moeda para rico e uma moeda para pobre. Porque o rico usava o open marketing, que felizmente ninguém fala mais nisso, e outros mecanismos de investimentos que mantinham a sua riqueza reajustada conforme a inflação. Os grupos de trabalhadores de renda mais alta dispunham de força, graças aos sindicatos, que conseguiram o reajuste inclusive de salários indexados. A moeda era fixa quase para as camadas organizadas. Mas, nas camadas pobres da população, a moeda se desvalorizava a cada dia. Nós tínhamos um país com duas moedas: a moeda dos ricos e a moeda dos pobres.

            Hoje, a desigualdade não é tão grande, mas nós já estamos com duas moedas. O real que está nas mãos da população de renda acima de um certo nível, os preços que elas compram aumentam menos do que os preços comprados pela população mais pobre. Essa é uma realidade.

            E o Banco Central deve estar reunido, se não terminou a reunião, para definir a taxa de juros que vamos ter proximamente, a partir destes dias, tem que levar em conta isso.

            A Presidenta Dilma tem deixado claro que a meta principal do seu governo é a luta pela erradicação da pobreza e colocou um slogan tão bonito que diz: “país rico é país sem pobreza”. Ela tem que ter em conta que, neste País, não pode voltar a inflação, muito menos deixar que nós tenhamos inflação diferenciada entre os produtos das camadas ricas e os produtos das camadas mais pobres.

            É isso, Sr. Presidente, que eu quero colocar aqui, dizendo que nós esperamos que um grande senso de responsabilidade chegue ao Governo e ao Banco Central. E eu não confundo os dois, porque eu defendo um Banco Central com autonomia, para zelar pela estabilidade monetária, mesmo quando políticas de governo pressionem no sentido contrário, como é muito comum em muitos lugares, especialmente em momentos de inflação.

            Nós precisamos entender, com toda a convicção, que, se a questão inflacionária não for bem cuidada, será uma volta no tempo em que nós cometemos o grande pecado nacional de, sem austeridade, com excesso de gastos públicos, com desorganização das contas públicas, perdermos o controle da inflação durante décadas.

            A retomada da estabilidade monetária neste País é um gesto, Senador Paim, eu digo diante de V. Exª e sei da responsabilidade; a retomada do equilíbrio da moeda no Brasil, da estabilidade monetária é um gesto quase tão importante quanto foi o gesto da abolição da escravatura, porque a inflação é um instrumento de escravidão da população, que não tem ideia daquilo que recebe, porque não tem ideia do valor daquilo que vai comprar.

            Veja que esquecemos, pois já há mais de 15 anos, mas não ter o controle do valor daquilo que você vai comprar porque não sabe, de um dia para o outro, o quanto aumentou é uma forma de escravidão, que precisamos impedir que continue voltando ao Brasil.

            Veja que eu não disse impedir que volte, porque já voltou. O que não podemos é deixar que continue voltando, como está voltando e, para isso, temos que tomar algumas medidas importantes.

            Uma delas, não podemos esquecer, a mais importante de todas, é quebrar a expectativa de que a inflação venha. O instrumento fundamental que empurra a inflação é achar que a inflação vem. Quando você acha que ela vem, ela vem. Por isso, é preciso que paremos essa expectativa inflacionária que está tomando conta hoje da sociedade brasileira. E daí temos que tomar em conta as ações do Governo e as ações do Banco Central.

            Gestos do Banco Central no sentido de tolerância com a inflação, não usando com rigor os instrumentos monetários, os instrumentos da política de juros, não levar com seriedade esses instrumentos é passar um recado de que Governo e autoridades monetárias estão fechando os olhos para o risco da inflação. Temos que quebrar a expectativa inflacionária fazendo gestos claros de que o Governo quer parar essa nuvem que pode desabar sobre o Brasil.

            O segundo ponto são os recados que o Governo dá no sentido dos gastos públicos que vai ter adiante. Governo que diz que vai gastar muito é governo que sopra na fogueira da inflação, daí eu me assusto. Eu me assusto quando vejo trem bala, Copa do Mundo, Olimpíadas, Belo Monte, reajustes salariais, como nós próprios demos nesta Casa no final do ano passado. Isso é assustador, não porque pressiona a inflação apenas, mas porque passa a expectativa de que a inflação terá de vir. E, passando essa expectativa, o que vai acontecer é tirarem dos armários aqueles famosos remarcadores de preço que este País tinha e que usava com tanta naturalidade e tolerância por todos. Então, o rigor na política monetária é um ponto fundamental, incluindo aí a política de juros.

            Segundo, o recado do Governo, dado pela Presidente Dilma com eficiência, quando falou em reduzir 50 bilhões no Orçamento. Mas não explicou que essa redução de 50 bilhões era no planejado, não era no executado, e aí sim que talvez tenhamos que fazer. Trazer austeridade não é dizer que vai gastar menos do que pensava gastar; é começar a gastar menos do que já se vem gastando e que já está sendo um vetor que empurra a inflação para cima. Temos que ter muita clareza de gestos como esse para barrar a expectativa inflacionária.

            Terceiro, é perceber que, nas relações internacionais, podemos receber deles pressões inflacionárias também, pressões inflacionárias que virão dos produtos que importarmos cujos preços estarão subindo nos próximos anos.

            E o grave é que se sabe que um dos setores em que provavelmente teremos aumentos de preços é o de alimento, mais uma vez pesando sobre as camadas mais pobres, que reservam uma parcela muito maior de suas rendas para a compra de alimentos do que as camadas mais altas, que gastam com alimentos uma parcela menor da sua renda.

            O terceiro ponto na geração da expectativa, no sopro ao fogo da inflação, é a política liberal de crédito.

            Quando nós acenamos para a possibilidade de que os bens podem ser financiados em 100 meses, as pessoas começam a comprar mais do que a capacidade produtiva é capaz de atender. Imediatamente, o que acontece? O setor produtivo aumenta os preços diante da demanda maior que tem para os seus produtos.

            Gerar e permitir uma política de crédito liberal ao ponto de insuflar o consumo mais do que a capacidade de produção permite é incentivar a inflação.

            E aproveito esta tarde, véspera de uma Semana Santa, que é um momento de reflexão, de pensar não apenas em generosidade com as camadas mais pobres, que estão pagando esse preço maior, mas também é tempo de pensar de uma maneira com menos ostentação, com mais modéstia nos gastos, com frugalidade na vida da sociedade. Isso está faltando.

            Estamos soprando na fogueira da inflação ao cometermos o desatino de dizer que este País pode crescer a 7%, anos e anos seguidos. É impossível crescer a taxas elevadas sem um crédito fácil. É impossível crescer sem políticas salariais muito favoráveis, que terminam, em vez de beneficiar, prejudicando.

            Senador Paulo Paim, dar um aumento de salário e roubá-lo, no outro dia, pela inflação não é justiça social, é injustiça social camuflada, o que é mais grave ainda, de um gesto positivo.

            Por isso, Senador Paulo Paim, deixo um recado para que esta Casa pense que é hora de fazermos um grande pacto neste País, para que a nuvem que pesa sobre nós, da volta da inflação, não tombe sobre nós. Que nós, em vez de soprarmos no fogo da inflação, sopremos para expulsar essa nuvem para longe de nós, com mais austeridade nos nossos gastos, com uma compressão, inclusive, do nível de consumo das camadas mais altas da população, para que, neste País, os nossos governos não precisem gastar mais do que é possível, não precisem aumentar dívida que pressiona juros, não precisem fazer com que passemos de uma sensação de que tudo está bem à sensação de que a inflação virá cada vez maior.

            Quem remarca os preços não somos nós, os consumidores. São grupos dos chamados agentes econômicos que tomam as decisões, e eles tomam as decisões baseados no que esperam que vai acontecer. Eles pensam no que vai acontecer com os preços para saber se remarcam ou se não remarcam, para não perder na concorrência, porque os outros não remarcarão.

            Se vier a perspectiva de que todos vão aumentar, acontecerá a tragédia de todos aumentarem. E, aí, voltar a controlar a inflação será muito grave, muito difícil. Nós já sabemos como foi raro, como foram as tentativas e tentativas fracassadas, até termos uma que deu certo com o Plano Real, que virou um grande pacto nacional. Saiu o Presidente Itamar, que o fez, entrou o Presidente Fernando Henrique, entrou o Presidente Lula, entra a Presidente Dilma, e a ideia de manter a estabilidade monetária permanece como objetivo central da sociedade brasileira, mas não está valendo sob o ponto de vista concreto das ações que nós, os políticos, estamos tomando.

            Faço um apelo para que conduzamos um verdadeiro pacto nacional contra a inflação; que aceitemos o sacrifício que for preciso, neste momento, para não termos de pagar um preço muito mais alto depois; que aceitemos consumir até menos, para não sermos forçados a consumir menos porque o salário não chega a pagar aquilo que o aumento de preços nos obriga.

            Falo isso na sua Presidência, porque é o grande defensor dos salários, mas dos salários reais, porque o que vale mesmo não é quanto você tem no bolso: é quanto você leva para casa quando sai do mercado. Se aumentamos o que você leva no bolso, mas aumentarmos mais os preços daquilo que você vai querer levar para casa, você pensa que está ganhando e você está perdendo.

            Sugiro que a Presidenta Dilma tenha, com clareza, que o inimigo principal do futuro do Brasil, a longo prazo, é a falta de educação - e eu nunca vou fazer um discurso, aqui, sem falar na palavra educação.

            O inimigo principal, no imediato, a curto prazo, da sociedade brasileira, da economia brasileira, da vida brasileira, é o risco da volta da inflação, sobretudo o que está acontecendo: uma inflação maior para os produtos comprados pelos mais pobres e uma inflação que devemos combater, mas menor, nos preços dos produtos das camadas mais favorecidas da sociedade.

            Fica, aqui, o meu recado, Senador Paulo Paim, o meu apelo para que tenhamos consciência de que isso merece uma reflexão profunda, permanente e, mais que isso, ações concretas; que o Banco Central, nesta tarde, nesta noite, tome a decisão correta para frear a expectativa de aumento de inflação; e que as ações do Governo, daqui para a frente, cada uma delas, sejam tomadas pensando-se: “Isso vai dar uma expectativa de que a inflação continua, ou isso vai dar a expectativa de que a inflação acaba?”

            Esta deve ser a opção que a Presidenta deve tomar: passar a expectativa de que a inflação vai diminuir. A toda decisão, ela deve pensar: “Isso vai passar o recado de aumento da inflação ou de redução de inflação?”

            Espero que ela tome a decisão certa, porque o Brasil não pode voltar a viver num mundo em que sua moeda não é confiável e, ainda menos, ser um País onde existem a moeda dos ricos e a moeda dos pobres, como já tivemos durante algumas décadas.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para dizer, agradecendo o seu tempo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2011 - Página 12180