Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a situação do endividamento dos pequenos agricultores familiares e assentados da reforma agrária em todo o Brasil; e outro assunto.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Considerações sobre a situação do endividamento dos pequenos agricultores familiares e assentados da reforma agrária em todo o Brasil; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2011 - Página 14160
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • APREENSÃO, ANALISE, CRESCIMENTO, DIVIDA, PEQUENO AGRICULTOR, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, DIFICULDADE, PAGAMENTO.
  • REGISTRO, INICIATIVA, ENTIDADE, REPRESENTAÇÃO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELABORAÇÃO, PROPOSTA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DIVIDA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª ANA AMELIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidente Jayme Campos.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, nossos telespectadores que nos acompanham pela TV Senado, os pequenos agricultores familiares e assentados da reforma agrária estão muito apreensivos não só com as preocupações relacionadas ao seu endividamento, mas também com as decisões que este Congresso Nacional deve tomar relativamente ao Código Florestal, cuja votação, que estava marcada para hoje à noite na Câmara dos Deputados, foi adiada para o dia 10 deste mês.

            A dificuldade vivida pelos pequenos agricultores que possuem dívidas foi o motivo da união das três entidades que representam a agricultura familiar e os assentados do meu Estado, o Rio Grande do Sul, a saber: a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetag), a Via Campesina e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) do Sul, que produziram um documento, Sr. Presidente, mostrando as causas do endividamento da agricultura familiar no Rio Grande do Sul.

            Mas esse não é um problema exclusivo do meu Estado. Aqui, nesta tribuna, o Senador Vital do Rêgo, da Paraíba, Paraíba também do nosso colega Cícero Lucena e Wilson Santiago, revelou que o BNB concedeu a um pequeno agricultor paraibano empréstimo de apenas R$6 mil - vou dizer novamente: R$6 mil - a um pequeno agricultor. Essa dívida, Presidente, hoje, está em torno de R$60 mil. É pagável essa dívida para quem tomou R$6 mil? Talvez entregando toda a sua propriedade ao banco, ainda assim fica com dívidas a instituição financeira.

            Essa é a realidade que estamos vivendo hoje, em pleno século XXI, Sr. Presidente.

            Além de demonstrar a união das três entidades em torno de uma causa em busca de uma solução para o endividamento, a questão novamente ressalta a visibilidade da importância que a agricultura familiar tem para o desenvolvimento econômico de nosso País.

            O documento elaborado pelas três entidades que, aliás, propus que estivesse registrado nos Anais deste Senado, mostra que o valor global das dificuldades no Brasil, hoje, dessas dívidas vencidas e vincendas está estimado em R$30 bilhões. Um valor pequeno, se comparado com o impacto que a atividade desses produtores assentados ou agricultores familiares representa para a produção na economia brasileira e dos alimentos. De acordo com o diagnóstico, desses R$30 bilhões, para as dívidas mais urgentes, dívida que os trabalhadores rurais, os produtores da agricultura familiar têm que pagar agora, estima-se que esse valor chegue a R$8 bilhões.

            As causas desse endividamento, Sr. Presidente, e do descompasso entre dívidas e capacidade de pagamento não são de agora. Elas vêm de muito tempo. E o senhor, que conhece bem a agricultura, representante do Mato Grosso, sabe dessas dificuldades, pois ela atinge não só o pequeno, o médio, o grande, mas atinge mais duramente o agricultor familiar.

            Nos últimos anos, os custos de produção aumentaram muito. Enquanto isso, os preços dos produtos tiveram uma queda comparativa nos preços. Além disso, muitos dos pequenos agricultores ou médios agricultores foram prejudicados por uma série de fenômenos climáticos, como, no caso do Sul, várias secas sucessivas, que acabaram agravando o problema da descapitalização e desse endividamento. Aliás, o preço, hoje, dos alimentos é baixo para o consumidor, o que é uma posição confortável para o Governo, mas quem está pagando essa conta do preço baixo no supermercado é o agricultor familiar, é o agricultor do assentamento, é o pequeno e médio agricultor. E ele está pagando o preço da estabilidade, inclusive colaborando com a inflação. Porque com estabilidade, com oferta de alimentos em abundância, sem precisar importar, está colaborando para isso. Mas, em contrapartida, os preços e os custos para produzir uma lavoura estão cada vez maiores. Aliás, em relação a isso, no mês de março, a FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, juntamente com a Cepal, organismo econômico da América Latina, com sede no Chile, e o Iica, um Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, chegaram à conclusão de que existe um viés equivocado dos países latino-americanos em relação ao atendimento e às políticas para tratar do setor da produção de comida. Contrariamente aos países desenvolvidos, como a Europa e a América do Norte, onde os governos tratam essa questão como questão de estado. E os tesouros, tanto da Europa, quanto da América do Norte, despendem enormes quantias em subsídios para proteger os seus agricultores, Isto é a diferença de que trata aqui, no caso da América Latina, em que os governos ficam muito mais preocupados com o eleitor e o consumidor e não atendem para dar o suporte necessário a quem está produzindo alimentos em nosso País.

            Desde 1994, quando foi criado o Plano Real, a inflação medida pela Fundação Getúlio Vargas, através do Índice Geral de Preços, foi de 318%, Sr. Presidente. Enquanto isso, a variação dos preços dos alimentos foi muito inferior. Veja o caso do arroz, que subiu no mesmo período apenas 170%; o milho, 110%; a soja, 188%; o trigo, 159% e o leite 204%, no mesmo período em que a inflação chegou a 318%. Portanto, por aí, começamos perceber as dificuldades, as razões e as raízes deste crônico endividamento do setor agropecuário e de quem produz alimentos, especialmente a agricultura familiar.

            Enquanto os preços dos alimentos eram reduzidos, Sr. Presidente, em comparação com os índices da inflação oficial, o custo dos insumos agrícolas aumentou em índices muito superiores ao IGP-DI, dos 318%.

            Uma colheitadeira, por exemplo, no mesmo período, teve o seu preço elevado em 390%; um trator médio aumentou, no período, 380% e o óleo diesel 421%. Aliás, em relação ao diesel, gasolina, estamos, agora, encalacrados com esse aumento abusivo. Todo dia recebo no meu e-mail indagações dos consumidores apavorados com o impacto que o aumento no preço dos combustíveis vai representar, sobre a inflação e sobre o bolso dos consumidores.

            Foi exatamente por isso, Sr. Presidente, que propus, na Comissão de Assuntos Econômicos, uma audiência pública para debater a questão das razões do aumento dos combustíveis. E até sugeri ao Presidente Delcídio Amaral que faça essa audiência pública junto com a Comissão do Meio Ambiente, presidida pelo Senador Rodrigo Rollerberg, que fez uma sugestão semelhante na Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor, com o mesmo objetivo de avaliar as razões e a causa desse aumento abusivo no preço dos combustíveis. Sugeri, para economia de tempo, que as duas comissões façam esse debate, Senador Rodrigo Rollemberg. Penso que dessa forma vamos dar uma resposta do Senado aos consumidores para essa questão tão aguda que vai certamente ter impacto sobre os índices de inflação.

            É nessa medida que vemos aí exatamente os problemas que o pequeno agricultor está sofrendo em relação a preço baixo para os seus produtos e a preço alto para produzi-los. Significa que o preço dos principais alimentos produzidos pela agricultura familiar estão muito defasados, quando comparados a 1994 , enquanto o custo dos insumos aumentou demasiadamente. Aliás, de acordo com o senso agropecuário do IBGE, a agricultura familiar, Sr. Presidente, responde por 40% da produção agropecuária global do País e 70% do abastecimento interno.

            Se não bastassem as dificuldades comerciais enfrentadas pelos pequenos agricultores da agricultura familiar brasileira, este setor ainda é fortemente afetado por catástrofes naturais e fenômenos climáticos, como disse no início do meu pronunciamento, que teve impacto negativo sobre a produção, com frequentes estiagens no sul do País.

            Somente no meu Estado, o Rio Grande do Sul, no ano passado, Sr. Presidente, 491 portarias de decreto de situação de emergência foram publicadas, em virtude da ocorrência de estiagens, enxurradas, granizo, vendavais e enchentes. Em que pese essa situação seja frequente todos os anos, com o advento dos fenômenos “El Niño” ou “La Niña”, os bons índices de produtividade da agropecuária têm dado forte contribuição para o crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro, ou seja, da nossa riqueza, e especialmente para o superávit da nossa balança comercial.

            Esses números traduzem a importância da agricultura familiar no abastecimento interno, contribuindo para a soberania alimentar do País, para a geração de emprego e para a oferta abundante de alimentos baratos, contendo a inflação e mantendo a atividade econômica dos pequenos e médios Municípios.

            Portanto, Srªs e Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, nossos ouvintes da Rádio Senado, o apoio ao setor agrícola brasileiro, em especial à agricultura familiar, através da busca de soluções para o endividamento dos pequenos agricultores representa um custo baixo, do ponto de vista do impacto financeiro, se considerarmos a importância da agricultura familiar para a economia e o abastecimento do nosso País.

            O problema do endividamento agrícola tem impactado a agricultura familiar, impedindo o acesso a novos financiamentos e gerando um ciclo de empobrecimento, incapacidade de atualização tecnológica, êxodo rural e concentração de renda, Sr. Presidente. Aliás, neste momento, os produtores de arroz do meu Estado estão, com toda a razão, preocupadíssimos porque não está sendo cumprida a política de preços mínimos que determinou R$25,00 por saco. Os produtores não conseguem vender a esse preço, e o Governo ainda não conseguiu encontrar medidas que resolvam esse gravíssimo problema, que vai ainda representar o agravamento dos problemas da descapitalização e do endividamento no setor.

            A proposta das Entidades Representativas da Agricultura Familiar, como falei - Fetag, Via Campesina e Fetraf Sul -, está consubstanciada nessas propostas, Sr. Presidente:

            a) consolidação do conjunto das dívidas vencidas e vincendas da agricultura familiar em contrato único, inclusive as dívidas dos pequenos agricultores integrados e Proger Rural Familiar para agricultores portadores de Declaração de Aptidão do Pronaf - DAP, contratados até a safra 2010/2011;

            b) repactuação do saldo devedor e alongamento do prazo em até 15 anos para a quitação dessas dívidas, com carência de dois anos;

            c) bônus de adimplência de 30% em todas as parcelas repactuadas;

            d) juro zero;

            e) remissão de valores até R$12 mil por família, incluindo o crédito emergencial;

            f) individualização das dívidas contraídas em grupo ou com aval solidário;

            g) acesso a novos financiamentos.

            Sr. Presidente, essas medidas são importantes para a manutenção das famílias no campo, evitando o êxodo rural, principalmente juvenil, para as grandes cidades, onde as dificuldades de infraestrutura urbana e habitacional já são muito conhecidas. Essas medidas são necessárias, também, para que a agricultura familiar continue a movimentar a economia nos pequenos Municípios - especialmente falo pelo meu Estado -, gerando um ciclo virtuoso de desenvolvimento no interior do nosso País.

            Sr. Presidente, já propusemos, aliás, uma audiência pública, para examinar esse assunto no âmbito da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. E imagino que esse debate, com a presença de autoridades, possa ajudar-nos a encontrar uma saída e uma solução para esse grave problema.

            Ele acontece no momento em que esta Casa deverá brevemente receber da Câmara dos Deputados o Código Florestal, para que o analisemos. E terá um impacto muito importante, especialmente para os pequenos agricultores.

            Faço questão de registrar, para surpresa e avaliação dos senhores, o alerta do cientista José Galizia Tundisi, especialista em recursos hídricos do Instituto Internacional de Ecologia e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, instituição contrária à aprovação agora do Código Florestal, sob o argumento de que essa matéria não está madura, apesar das intensas negociações.

            E observem o argumento usado pelo cientista, Sr. Presidente. Para ele, é preciso melhorar a produtividade, em vez de simplesmente aumentar as áreas de plantio. Palavras textuais do cientista citado: “Não se pode aumentar as áreas agrícolas à custa do desmatamento, porque isso vai prejudicar a biodiversidade e inviabilizar a produção de alimentos”.

            Pois a esse cientista vou lembrar os dados fornecidos por outros cientistas - cientistas dedicados, em tempo integral e de corpo e alma, à pesquisa na área da produção agropecuária -, que são os nossos pesquisadores da Embrapa.

            A Embrapa fez um levantamento geral sobre a situação da produção agropecuária brasileira, Sr. Presidente, e chegou à seguinte conclusão, que corresponde às preocupações do cientista citado: nos últimos 35 anos, enquanto a área plantada no País aumentou 48%, a produção de alimentos aumentou 268%. O que significa isso, senão o uso de tecnologias modernas, de preservação ambiental - o plantio direto, por exemplo -, da agricultura de alta precisão? Caso contrário, não teríamos condições, numa área aumentada num percentual muito inferior ao da produção, de chegar a esse resultado.

            Portanto, os agricultores estão, sim, comprometidos - estou falando da maior parte dos nossos agricultores - com a preservação ambiental, porque sabem que é da terra que sai o sustento de suas famílias; é da terra que sai a sua riqueza e é da terra que vai sair a riqueza do nosso País, já que o Governo - e faz muito bem - mostra sempre os números da nossa produção agropecuária.

            Sr. Presidente, o Brasil é o segundo maior produtor e exportador de soja e do complexo carne do seu Estado, Mato Grosso; de etanol, de açúcar, de café, de tabaco, de suco de laranja. Tudo sai de onde, Sr. Presidente? Tudo sai do campo. E é esse produtor que tem compromisso com a preservação desse ambiente que está agora correndo risco de não ter a segurança jurídica necessária caso esse Código Florestal não seja votado.

            Esperamos dos Srs. Deputados e do Governo que haja um consenso em torno dessa matéria, e esta Casa estará aqui preparada para receber o Código Florestal. Como Casa revisora, poderá tratar desse assunto com toda responsabilidade que temos diante do País, sobretudo, e das gerações que espera ver e acompanhar um futuro de grandeza, de desenvolvimento e também de emprego.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2011 - Página 14160