Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 185 anos de instalação do Senado Federal.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SENADO.:
  • Comemoração dos 185 anos de instalação do Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/2011 - Página 14247
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SENADO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SENADO, ELOGIO, HISTORIA, IMPORTANCIA, REPRESENTAÇÃO, EQUIDADE, ESTADOS, GARANTIA, REPUBLICA FEDERATIVA, EXPERIENCIA, MEMBROS, QUALIDADE, EX PRESIDENTE, EX GOVERNADOR, EX MINISTRO DE ESTADO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, meus caros colegas Senadoras e Senadores e autoridades que honram o Senado Federal com suas presenças nesta sessão: eu quis falar, não como Presidente do Senado, mas como Senador e como um dos oradores desta sessão.

            O Senado completa 185 anos. E eu, que sou um estudioso da nossa história, da história do Brasil, destaco que considero que esta Casa foi, sem dúvida nenhuma, a que mais contribuiu para a formação das instituições brasileiras.

            A Nação brasileira é uma criação civil, pois ela não nasceu, como os países da América Espanhola, de batalhas; ela foi construída dentro de um Parlamento que desejava construir um Estado de Direito que tivesse instituições baseadas nos direitos civis, nos direitos humanos, numa organização absolutamente livre.

            O Senado brasileiro é, hoje, o segundo Senado em idade no mundo, porque mais velho que ele só o Senado dos Estados Unidos, que foi o exemplo para a criação do Senado da República.

            Portanto, tenho uma grande admiração pelo Senado. Sou um estudioso e, num pedaço da minha vida, logo que aqui cheguei, li muitos dos Anais desta Casa.

            O Senado é uma daquelas instituições que vêm da antiguidade, e se renova com a criação da democracia representativa. A idéia surgiu do momento em que o homem resolveu que deveria constituir-se num Estado, que o povo deveria se autogovernar, criar delegados que exercessem o poder em seu nome. Isso recomeçou, objetivamente, ainda nas cartas do rei João, no século XIII, quando ele foi levado a reconhecer que não podia ser rei absoluto, que seu poder não era aquele que vinha como uma coisa divina, mas que, na realidade, ele tinha que ter limitações.

            Isso vem se concretizar depois, já nos anos de 1688 e 1689, na chamada Revolução Gloriosa, na Inglaterra, no Bill of Rights, no início do Parlamentarismo moderno na Inglaterra, onde o rei reina mas não governa. Pouco tempo depois se criou, no mundo inteiro, o desejo de que existissem constituições, pactos nacionais que regulassem a vida das nações.

            E, realmente, quando o Brasil deixa de ser colônia, com a vinda de D. João VI , em 1808, para cá, foi num tempo em que havia uma efervescência mundial em busca da criação de constituições. A Revolução Francesa já tinha feito a sua constituição. Nos Estados Unidos, vigorava a constituição americana. Na Espanha eles começavam com a Constituição de Cádis, chamada La Pepa, porque justamente foi promulgada no Dia de São José, no ano de 1812. Ela foi um exemplo naquele tempo, porque ela era uma constituição absolutamente inovadora em matéria de direitos civis, de liberdade, quando havia uma consciência mundial de direito absoluto no qual os reis podiam tudo. E a Constituição de Cádis foi feita assim. Por isso mesmo, ela gerou uma confusão muito grande. Ela gerou uma abertura -- usando uma palavra recente -- de tal modo que foi, em 1814, revogada e renasceu brevemente em 1820.

            Foi nesse tempo que o Brasil, em meio a essa vontade constitucional, vem e deseja também ter a sua constituição. Em Portugal, já tinha sido convocada uma constituinte, as Cortes. Compareceram até muitos brasileiros. Antonio Carlos de Andrada, Diogo Antônio Feijó, José Martiniano de Alencar, Nicolau de Campos Vergueiros, futuros senadores, foram deputados às Cortes Portuguesa. Fizeram uma constituição que eles queriam que fosse chamada liberal.

            As bases dessa constituição portuguesa foram juradas por D. João VI, que vai de volta para Portugal e aqui deixa para o seu filho o trono. E a primeira coisa que este pensa é justamente em fazer uma nação. José Bonifácio, que é chamado com justiça o Patriarca da Independência, não veio com D. João VI. Ele chegou aqui em 1819. Era um homem extremamente esclarecido, era secretário perpétuo da Academia de Ciências de Lisboa, conhecia a Europa inteira, era um grande professor, e ele então trazia, com a sua inteligência estruturada, a ideia do que era uma nação que vivesse sobre a égide das leis e não dos homens.

            Então, José Bonifácio, já antes da Independência -- a Independência veio a ser em 7 de setembro --, já em junho de 1822 convocava uma assembléia constituinte, e em agosto comunicava às nações a independência do Brasil. Essa assembléia constituinte veio a se reunir em 1823, e ela examina um anteprojeto de autoria do próprio Antonio Carlos -- que tinha vindo da representação na constituinte portuguesa --, e seria uma constituição extremamente importante para o Brasil. Quem lê os anais da Constituinte de 1823, fica vendo como este país pôde ser construído com a vontade de ser um país de liberdades.

            Se discutia, nessa constituinte… -- vou fazer um parênteses -- ninguém sabia o que era aqui o constituinte, a constituição. Lembremos do Brasil de 1823. Os convocados, deputados constituintes, vinham a cavalo, amarravam seus cavalos ali na porta de onde se reuniam, na Cadeia Velha, e eram homens que não tinham instrução. E, a partir daí, eles se reúnem e discutem universidades num país que não tinha escolas. Onde fazer uma universidade? Eles falavam em liberdade, habeas corpus, num país que tinha um rei que mandava enforcar todo mundo, falando que fazia assim por ser benigno. Então, essa gente discute uma constituição, também sob o ponto de vista econômico, liberal, porque o Cairú, que tinha lido Adam Smith, também era muito liberal e estava na Constituição de 23.

            Diante disso, o Imperador, que se dizia liberal, mas que no fundo era absolutista, fechou a Constituinte e fechou dizendo que ia fazer uma constituição “duplicadamente mais liberal” da que tinham os constituintes examinado. Mas há dois episódios do fechamento da Constituinte. Acaiaba de Montezuma pede uma retificação nos anais: “Eu disse que o Sr. Ministro do Império, por estar ao lado de Sua Majestade, melhor conhecerá o ‘espírito da tropa’, e um dos senhores secretários escreveu ‘o espírito de Sua Majestade’, quando não disse tal, porque deste não duvido eu.” E, quando a Constituinte é fechada, Antônio Carlos chega na porta e vai saindo, tira o chapéu em saudação e diz: “Sua Majestade, o canhão”: eram os canhões que fechavam a Constituinte.

            Vem a Constituição de 24, que é feita por homens que tinham, alguns deles, participado da constituinte, mas sobretudo por Carneiro de Campos, Vilela Barbosa e Maciel da Costa. Eles foram os autores da Constituição que mais tempo durou no Brasil. Realmente, ela foi uma Constituição que organizou o País. E, quando ela organiza o País, convocam-se eleições para a Câmara e para o Senado. Em 1826, instala-se o Senado. O Imperador comparece, pela primeira vez, à abertura do Senado. E o Senado, desde essa data, funciona -- embora fechado algumas vezes durante a República -- como uma Casa extremamente importante para a construção do Brasil. Basta dizer que todos os 32 Gabinetes do Império foram presididos por Senadores, por 23 Senadores, pois alguns chefiaram mais de um gabinete. Prudente de Morais, Campos Sales, Nilo Peçanha, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes, Washington Luís, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e eu, Presidentes da República, estivemos neste Senado. E se falarmos hoje nesta Casa, temos três Ex-Presidentes da República, temos mais de 20 Ex-Governadores, Ministros de Estado, e esta Casa continua a ter o prestígio que ela tem nacionalmente.

            O Senado passou por dificuldades. Foi dissolvido, fechado, várias vezes. Por Deodoro da Fonseca. Pela Revolução de 30 e Getúlio Vargas. Pelo regime militar. Mas a tudo resistiu e resiste.

            Num único momento não tivemos o Senado entre as instituições nacionais: foi o interregno da Constituição de 37, a Polaca, período mais negro da história do Brasil, em que vivemos sob o governo de um homem, e não das leis. Esse exemplo devemos ter sempre em mente quando se fala no fim do Senado Federal. O Senado é a garantia da democracia.

            Identifico muito essa campanha contra o Senado ao fato de ele ser uma Casa forte, a quem o Brasil deve muito com relação à sua construção.

            Em um momento em que se procura fragilizar as instituições no Brasil, ataca-se muito o Senado, porque aqui continuamos a ser uma fonte permanente de ajuda ao Brasil. Os homens desaparecem, mas a nossa Instituição tem sido uma parte da construção do Brasil e continua atualizando-se a cada dia.

            Ontem, colocamos no Brasil algo pioneiro, que foi a televisão digital do Senado Federal em quatro canais, com televisão aberta para o Brasil inteiro no momento em que colocamos o Senado velho, mas muito novo, tentando renovar-se, porque é o momento que ele vai para a internet, ele vai para a criação de call center, que temos aqui. Temos mais de um milhão de acessos na nossa agência de notícias. Temos televisão, rádio, jornal -- e, a cada dia, procuramos modernizar esta Casa para estar com o seu tempo.

            Tenho uma profunda admiração por esta Casa. Todos nós devemos ter. Se o povo brasileiro, cada um dos brasileiros, estudasse a história do Senado ao longo dos tempos, iria verificar o que ele já fez pelo Brasil.

            Quando se fala da Lei Áurea, da libertação dos escravos, foi no Senado que ela teve a sua solução final. À uma hora da tarde do dia 13 de maio de 1888, ela foi votada. Já às três horas a Princesa Isabel assinava a lei aqui votada.

            Aqui dentro do Senado discutimos sobre os erros e os acertos das questões platinas, da Guerra do Paraguai. Aqui dentro do Senado discutimos também a toda a política exterior brasileira. Aqui dentro do Senado nós discutimos e resolvemos os maiores problemas do Brasil.

            A esta Casa -- dizia Capistrano de Abreu -- nós devemos a unidade nacional, porque o Senado é a Casa da duração. Assim dizia Benjamin Constant. Esta é a Casa do equilíbrio, porque aqui há um sinal da vitaliciedade, que vem daquele tempo do velho Senado, e o Brasil tinha uma noção de permanência, de que não era uma Casa transitória. Talvez por isso ela se completasse entre o Senado e o Conselho de Estado, disse Capistrano, e através deles se fizesse a unidade nacional.

            Veio a República, quando se cria o Senado moderno. A nossa imagem era o Senado americano. Como nasceu o Senado americano? Ele nasceu quando os constituintes de Filadélfia estavam reunidos e, como eram descendentes de ingleses, e tinham a concepção das instituições inglesas, ficaram com um problema: como nós vamos ter, numa federação, uma casa dos lordes? Porque, na Inglaterra, havia a câmara dos comuns e a casa dos lordes. Foi uma discussão tão candente que o Madison, se não me engano, disse: “Nós não estamos entrando em acordo, vamos rezar -- porque eles eram muito religiosos --, nós passaremos a noite rezando e, de manhã, vamos resolver essa questão.” Eles voltam no dia seguinte e propõem que se estabeleça um compromisso: o Senado teria representação igualitária, a Câmara representação censitária. O que eles chamavam de Senado, que era uma palavra antiga? Nos moldes modernos, era um organismo que mantivesse a federação. Quer dizer, os Estados Unidos, que eram muitos países independentes, se uniam todos, cada um tendo um representante, dentro de um órgão no qual todos os estados, sendo diferentes, passariam a ser iguais. Então, eles participariam da nação. O Afonso Arinos, até brincando sobre isso, dizia: “O Senado foi uma criação de Deus, porque rezaram e, no dia seguinte, os constituintes voltaram com a ideia do Senado.” Realmente, esta é a função do Senado: de integridade, do conceito de federação, do conceito de unidade nacional.

            E hoje, quando o Brasil cresceu, desenvolveu-se, tornou-se o País que é, nós só temos o Senado como a expressão da unidade nacional, porque aqui, em todos os Estados, nós somos todos iguais: três representantes de cada Estado. Não há diferenças. O centro-sul, por exemplo, tem a hegemonia política, tem a hegemonia econômica, tem a hegemonia de recursos humanos. O único ponto de coesão é o Senado Federal, no qual todos somos representantes iguais de cada um dos Estados. Aqui nós defendemos o menor Estado que seja. Aqui o senador defende uma lei na qual seu estado não pode ser prejudicado; isto assegura a unidade nacional. E é isso que nós somos. É isso que nós devemos saber. É isso que nós devemos compreender.

            Nessa função hoje só resta no País o Senado como representante da Federação, como instituição da Federação e da unidade nacional, porque, no resto, o país é absolutamente dividido, ele é absolutamente polarizado. Alguns Estados são mais ricos, tem maior papel na parte da educação, na parte da tecnologia, na parte do crescimento, na parte das decisões nacionais, mas aqui dentro do Senado não; aqui, nós temos a unidade nacional, em que todos somos iguais.

            Por isso, a nossa Constituição diz que quatro coisas são imutáveis: a Federação, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Portanto, é nesse sentido que quero saudar os 185 anos do Senado Federal, tendo a felicidade de ser seu Presidente, para dizer que ele é uma Instituição em que todos nós, somados, somos menores do que a Instituição Senado.

            Muito obrigado. (Palmas)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/2011 - Página 14247