Discurso durante a 66ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do papel da CPI do Tráfico de Pessoas, instalada recentemente nesta Casa; e outro assunto.

Autor
Vanessa Grazziotin (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários acerca do papel da CPI do Tráfico de Pessoas, instalada recentemente nesta Casa; e outro assunto.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2011 - Página 14404
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MÃE, COMENTARIO, EVOLUÇÃO, DIREITOS, MULHER.
  • COMENTARIO, ESFORÇO, PODER PUBLICO, SENADO, REFERENCIA, COMBATE, TRAFICO, PESSOAS, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, PLANO NACIONAL, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), REGISTRO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DADOS, VITIMA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRABALHO ESCRAVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada Senador Acir, e V. Exª faz com que eu mude o meu pronunciamento. Como mãe, às vésperas da comemoração do Dia das mães, eu não poderia deixar de ocupar essa tribuna e também fazer homenagem às mulheres brasileiras, às mulheres amazonenses, às mulheres brasileiras que são mães e que têm tido, Senador Acir, a capacidade de continuar a função da maternidade, o cuidado com seus filhos e também ajudar no sustento da família, porque foi-se o período em que às mulheres eram reservadas apenas as atividades domésticas, como se dizia, as atividades do lar. As mulheres eram tratadas como rainhas, entretanto, Senador Mozarildo, rainhas do lar, aqueles que eram educadas para ser esposas, eram educadas para ser mães, eram educadas para cuidar da casa.

            O tempo passou e tudo mudou. Com a Revolução Industrial, ocorrida após a 2ª Guerra, o trabalho, a mão de obra feminina foi exigida e foi buscada em decorrência da necessidade do desenvolvimento da produção industrial. E a partir dali, a mulher percebeu que, entre algumas diferenças - e são muitas, biológicas - que existem entre homens e mulheres, entre elas está a capacidade que tem a mulher de agir, trabalhar, fazer inúmeras coisas ao mesmo tempo.

            E hoje, nós temos uma mãe que é diferente da mãe de 50 anos atrás, nós temos uma mãe que é diferente da mãe de um século atrás. A mãe de um século atrás era aquela pessoa, aquela mulher mais reprimida, que não votava e nem podia ser votada; que não podia frequentar o banco de uma universidade e que vivia somente para sua família, e o tratamento que recebia era como se ela fosse propriedade, primeiro, do pai e, depois, do marido.

            E repito, o tempo passou e a nova mulher surgiu e está surgindo ainda. A mulher trabalhadora, a mulher que é responsável, no Brasil, pela produção de quase 50% do nosso PIB. A produção nacional, quase que a metade sai de mãos femininas. A mulher que alcançou, num curto espaço de tempo, depois que superou a proibição de frequentar alguns cursos, em pouco tempo, alcançou a condição de um nível mais elevado de escolaridade, comparativamente aos homens. A mulher, apesar disso tudo, de estar na política, é certo que num percentual muito pequeno, muito aquém ainda do que deveria ser, mas apesar de estar na política, de estar no mercado de trabalho e ganhar menos no mercado de trabalho, em média 30% menos do que os homens, a mulher continua sendo a mesma mãe: dedicada, sensível, e dedicada não só ao filho, dedicada à família, ao núcleo familiar.

            Portanto, comemorar o Dia das Mães é importante. Temos um dia simbólico: segundo domingo do mês de maio, mas dia das mães são todos os dias, porque essa mulher tem que ser homenageada duplamente, tem que ser abraçada duplamente, porque consegue se dividir em tantas tarefas, tantas atribuições e jamais deixa para segundo plano o carinho ou o cuidado com o filho.

            Eu também, como fez o Senador Acir, quero aqui homenagear minha mãe. Cumprimento a mãe de V. Exª, Dona Nair, e a minha mãe, Dona Nadir, que deve estar nos assistindo, e teve essa capacidade, como têm todas as mães, de tratar os filhos de igual forma, com muito carinho, com muita dedicação. Abraço todas as mães brasileiras, principalmente as mães amazonenses abraçando a minha própria mãe, que, repito, nos criou com tanta dedicação e com tanto carinho.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou falar a partir de agora sobre um tema também muito caro à sociedade brasileira. Refiro-me ao fato de este Senado Federal ter instalado, há duas semanas aproximadamente, uma Comissão Parlamentar de Inquérito que vai tratar do tráfico de pessoas, vai analisar esse problema grave. Nós sabemos que o tráfico de pessoas acontece no mundo inteiro, e vem sendo muito evidente no Brasil. O alvo tem sido exatamente os mais novos, os jovens, meninos e meninas vindos de famílias carentes. No geral, suas famílias são enganadas para que esse crime possa ocorrer.

            A Casa teve a sensibilidade de aprovar um requerimento apresentado pela Marinor, do Estado do Pará. Na instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito, fui eleita Presidente e vou me dedicar ao máximo para prestar um bom serviço à Nação brasileira.

            Como Deputada e Vereadora que fui da minha cidade de Manaus, Deputada por doze anos, já tive a oportunidade de participar inúmeras vezes de várias comissões parlamentares de inquérito.

            Eu tenho uma compreensão firme, muito clara de que uma CPI tem como objetivo não apenas levantar, sistematizar uma situação. Não tem apenas como função trabalhar um diagnóstico de determinada questão, de determinado problema.

            Sim, precisamos levantar, trabalhar o diagnóstico, atualizar as informações, concatenar todos os dados coletados, mas esse diagnóstico levantado pelas comissões parlamentares de inquérito devem servir para embasar proposituras, ações, indicações ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário e, principalmente, mudanças na legislação brasileira para que a gente possa ajudar a superar os problemas que acometem a nossa população.

            Então, o nosso espírito, o espírito de todos integrantes da CPI e, principalmente, o meu espírito, o espírito da Senadora Marinor, que é a Relatora dessa Comissão Parlamentar de Inquérito é exatamente este: levantar a problemática onde ela acontece e incide com maior violência, com maior densidade e, a partir desse diagnóstico elaborado, propor ações para o enfrentamento concreto desse problema do tráfico nacional e internacional de pessoas.

            O tráfico de pessoas, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é um crime que movimenta em torno de US$30 bilhões por ano no mundo inteiro. Agora, pior do que o volume de recursos que ele movimenta é que é um crime extremamente bárbaro, porque foi-se a época em que pessoas tinham outras pessoas como sua propriedade.

            Esses recursos são movimentados à custa da comercialização de seres humanos, seres humanos frágeis, seres humanos vulneráveis e seres humanos, no geral, muito jovens. No Brasil, como todos nós sabemos, ele tem sido um dos principais alvos dessa rota e dessa prática criminosa.

            Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que, no ano de 2005, quase dois milhões e meio de pessoas foram traficadas em todo o mundo, sendo 43% destinadas à exploração sexual e 32% destinadas a outros tipos de exploração econômica. E que tipos de exploração econômica seriam esses?

            Um deles é o trabalho escravo. No Brasil, há muita gente de países como Peru, Colômbia, Bolívia, mas principalmente Peru e Bolívia, que são trazidos para o Brasil para serem utilizados como mão de obra escrava, e isso é trafico de pessoas, porque são pessoas enganadas, ludibriadas e que, quando chegam ao local para onde foram levadas, o primeiro ato contra essas pessoas que foram traficadas é o cerceamento de sua liberdade. São pessoas que não têm qualquer possibilidade de liberdade e, portanto, vivem numa situação de extrema degradação humana.

            Por ano, Sr. Presidente, estima-se que 500 mil pessoas sejam levadas por traficantes somente para o continente europeu. É o que afirma o Instituto Europeu das Nações Unidas para a Prevenção e Controle do Crime. Hoje sabemos que há rotas também para países da América do Sul e para a Ásia.

            Outro dado, e esse já tem quase dez anos, está na pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, dados esses levantados por uma pesquisa realizada em 2002 pela Universidade de Brasília, UnB. Foram mapeadas naquele ano 240 rotas de tráfico provenientes de todos os Estados da Federação.

            Portanto, precisamos de políticas urgentes de prevenção e de combate a essa prática criminosa. Não podemos mais permitir que nossos pares sejam uma mercadoria na mão de aliciadores, acreditando que não são vítimas, quando, de fato, os são.

            Nesta semana, recebemos a notícia, vinda do meu Estado do Amazonas, de que a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Amazonas recebeu diretamente, Senador Acir, em torno de 500 denúncias de crimes relacionados ao tráfico humano, somente no ano passado, 2010. As estatísticas mostram que nem um décimo das ocorrências chegam oficialmente ao conhecimento público dos segmentos responsabilizados pela segurança pública. 

            Então, chega a ser assustadora, alarmante essa prática criminosa. Pior ainda se levarmos em consideração que hoje o interior do Estado tem sido um foco e o alvo mais importante para esses criminosos, muito mais do que a própria cidade, do que a região metropolitana, porque é no interior que famílias ribeirinhas vivem com 10, 12, 15 filhos, de forma paupérrima. Muitas vezes, pessoas que vivem à margem da informação, numa ignorância imposta pela sociedade, acabam se deixando levar e sendo alvos fáceis, aliciadas para que seus filhos sejam retirados do convívio familiar e levados para serem comercializados, geralmente, para atividades sexuais.

            Ou seja, é algo que assusta todos, e nós, o Parlamento brasileiro, precisamos contribuir com o Governo Federal no enfrentamento desse problema.

            Em 2006 foi publicado um decreto do governo federal que trata da criação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Essa política envolve vários ministérios, mas, sobretudo, o Ministério da Justiça, que tem, em sua Secretaria Nacional de Justiça, um departamento específico para cuidar do enfrentamento a esse crime bárbaro contra pessoas, principalmente contra meninas e meninos.

            A partir da aprovação dessa política de enfrentamento ao tráfico de pessoas, o governo brasileiro também definiu, com uma participação significativa da sociedade, um Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que vigorou de 2006 a 2010. Então, a CPI aqui no Senado Federal vem em boa hora, porque nós queremos, irmanados com o Governo Federal, com os governos dos Estados e dos Municípios e com as organizações não governamentais, levantar concretamente a situação, Senador Rodrigo Rollemberg, para sugerir aprimoramentos no plano que sejam necessários e ver como funcionou esse plano nesses primeiros quatro anos de sua aplicação - refiro-me, repito, ao plano de enfrentamento a um problema extremamente grave e que acomete todas as cidades e todas as regiões brasileiras.

            Portanto, fico feliz. Sei que teremos muito trabalho e sei que, em vários momentos, será um trabalho muito doloroso, mas será uma grande contribuição, mais uma grande contribuição, que o Senado Federal poderá dar à sociedade brasileira, principalmente, ajudando o Governo Federal e os governos dos Estados a enfrentarem esse problema tão grave, para o qual não podemos fechar os olhos.

            Concedo aparte a V. Exª, Senador Mozarildo.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senadora Vanessa, quero dizer a V. Exª que o tema realmente justifica completamente uma CPI. O meu temor é que, normalmente, quando se instala uma CPI, há por parte do Governo um pé atrás, para não dizer os dois pés atrás, porque há aquela frase que já se cristalizou de que se sabe como começa uma CPI, e não se sabe como termina. Eu acho que essa CPI tem que ser do maior interesse do Governo Federal, dos governos estaduais, dos governos municipais, de todas as autoridades sérias deste País, porque esse é um problema que realmente, como disse V. Exª, permeia e ataca principalmente aquelas camadas mais pobres, aquelas mais desprotegidas. Temos visto reportagens as mais diversas nas redes de televisão, mostrando jovens brasileiros ou jovens brasileiras no exterior escravas, que foram para lá atraídas por promessas mirabolantes, com o consentimento muitas vezes dos pais, porque realmente esses pais estão em uma miséria extrema e se sujeitam a essa questão, pensando até que o filho ou a filha vai encontrar uma excelente oportunidade no exterior ou mesmo aqui nos grandes centros do País. Não tenho dúvida de que todo o Senado vai colaborar, e muito. Eu só espero que todas as autoridades brasileiras sérias contribuam muito para essa CPI, porque sei que órgãos específicos do Governo estão atentos e procuram coibir essa questão, mas existem certas limitações para a atuação desses órgãos. Então, com a CPI, que tem instrumentos mais ágeis, mais capazes, inclusive, de atingir certos ninhos poderosos de mal feitores, podemos ter excelente êxito. Tive uma experiência não muito satisfatória, embora tenha conseguido êxito, com a primeira CPI das ONGs que instalei aqui no Senado e que presidi durante dois anos. Ali havia realmente a preocupação de que, se ONG A tivesse algum tipo de relacionamento com a estrutura de poder governamental B, pudesse dar algum problema, mas felizmente concluímos e mostramos, pela primeira vez, que, ao contrário do que se apregoava, as ONGs não são instituições sacrossantas, em que só há anjinhos e gente que só pensa em fazer solidariedade. Então, espero também que essa CPI que V. Exª está muito bem explicando alcance os êxitos. Quero-me colocar à disposição, como membro ou não, de forma que a gente possa combater realmente essa chaga social que é uma das maiores e, talvez, a mais aviltante que possa existir.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM) - Perfeitamente, Senador. Seria importante que V. Exª pudesse integrar a CPI porque estamos organizando os nossos trabalhos, planejando. Na última reunião, aprovamos um roteiro de trabalho. Vamos ter que focar bastante as fronteiras. Em relação às nossas regiões, V. Exª fala, com muita propriedade e conhecimento, do que acontece, principalmente na Amazônia e no Nordeste brasileiro. As notícias que informam esses fatos dão conta de que mães e pais venderam seus filhos. Não é assim que as coisas acontecem. Mães e pais, extremamente pobres, que vivem na marginalidade de tudo, inclusive da informação, recebem visitas de pessoas muito bem aparentadas, muito bem educadas que propõem trabalho, porque ninguém leva uma criança, ninguém leva um menino, uma menina para fora do Brasil, para a Europa, por exemplo, prometendo ou dizendo que lá eles serão utilizados como objetos sexuais. Ninguém propõe isso a uma família. Eles chegam às famílias, Senador Acir, e dizem o seguinte: “Nós queremos propor ao senhor, a senhora, pai, mãe, que permita que levemos sua filha, seu filho para trabalhar como babá, para trabalhar em determinado segmento”.

            É assim que as coisas acontecem, mas, quando chegam lá, não é essa a realidade vivida. E as meninas, os meninos não têm a quem recorrer, vivem como se fossem escravos, com sua liberdade cerceada. Então, esse é um trabalho importante.

            Eu repito: o Governo Federal, ao criar a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o Plano, em 2006, mostra o seu interesse em trabalhar esse assunto. E nós precisamos fazer com que as coisas todas caminhem junto.

            A Presidente Dilma, daqui a alguns dias, vai anunciar aquilo que a imprensa vem noticiando: o programa Brasil sem Miséria, em que as pessoas-alvo são exatamente as que vivem na extrema pobreza, as mesmas pessoas que são alvo do tráfico de pessoas. Então, é importante o funcionamento dessa CPI.

            A nossa ideia é fazer, num primeiro momento, um levantamento e, quem sabe, propor a formação, a criação de relatorias setoriais. Teríamos uma relatoria-geral e relatorias setoriais para trabalhar os diferentes aspectos dos problemas que - tenho certeza - vão aparecer. Nós já estamos recebendo inúmeras denúncias. Estamos criando um link na página da Internet do Senado para que as pessoas possam denunciar, para que as pessoas possam nos ajudar a desenvolver esse trabalho, inclusive sugerir ações que visem uma maior segurança à nossa sociedade, principalmente aos nossos jovens.

            Agradeço a V. Exª, Senador Acir, pelo tempo que me concede e concluo o meu pronunciamento, desejando, mais uma vez, um feliz Dia das Mães a todas as mães brasileiras.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2011 - Página 14404