Discurso durante a 67ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração ao centenário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.:
  • Comemoração ao centenário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2011 - Página 14516
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ), IMPORTANCIA, COMPROMISSO, ENSINO SUPERIOR, MELHORIA, EDUCAÇÃO, APOIO, SUGESTÃO, ORADOR, COMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, CARGO PUBLICO, PROFESSOR, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom-dia a cada uma e a cada um.

            Meus cumprimentos iniciais ao Senador Lindbergh Farias pela iniciativa; em segundo lugar, obviamente, ao meu chefe, José Geraldo de Sousa que, como reitor da UnB, a que eu sou, até hoje, ligado, é meu chefe.

            Quero cumprimentar, também, o Sr. Ricardo Motta Miranda, a Srª Ana Maria Dantas e quero fazer um cumprimento especial, dos que estão aqui, ao Jorge, companheiro por muito tempo nas lutas universitárias.

            Eu sinto, Lindbergh e reitor, uma certa inveja. Uma inveja boa. A inveja de que a nossa universidade, a UnB, agora é que vai fazer 50 anos, mas, se eu for por aí, sentirei inveja também dos países latino-americanos, que têm universidades com 400 anos, sem falar dos países europeus, que têm universidades com quase mil anos.

            Demoramos muito para construir universidades no Brasil e, hoje, temos até uma discussão sobre qual é a mais antiga. A Senadora Gleisi me perguntou se a mais antiga não é a Universidade do Paraná. De fato, alguns assim consideram, sobretudo os paranaenses, é verdade.

            Eu poderia dizer, também, que a escola onde estudei Engenharia foi criada em 1905, mas não era uma universidade. Dá para dizer, sim, que vocês, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, têm mais tempo que as outras, pela origem, como se iniciou no Rio de Janeiro, em 1922, quando - sobre isso é triste a gente pensar - o rei da Bélgica veio ao Brasil e uma das coisas que foram exigidas no protocolo era que ele recebesse um título de Doutor honoris causa. Aí, criaram a Universidade do Rio de Janeiro, juntando os cursos que já existiam.

            Por isso, essa inveja boa, mas, ao mesmo tempo, orgulho por ver uma instituição universitária - e sou uma pessoa da universidade, que estou no Congresso mas sou, na verdade, da universidade - que sobreviveu, cresceu e melhorou ao longo de 100 anos. Isso justifica, Senador Lindbergh, a homenagem que o senhor tomou a iniciativa de prestarmos aqui, no Senado.

            Eu gostei muito de ouvir o reitor dizer que, agora, é a luta pelos próximos 100 anos. É isso que temos de fazer numa instituição e, nesses próximos 100 anos, além de manter a memória do passado e o reconhecimento a todos que fizeram essa instituição centenária, creio que vamos ter de dar dois passos: um, que a gente pode dizer que é adiante, e outro que será para trás, no sentido do processo educacional.

            Para adiante é porque nossas universidades vão ter de ser muito mais, daqui para a frente, que formadoras de mão de obra de alta qualificação. Elas deverão ser, também, produtoras de conhecimento por meio da ciência e da tecnologia. Nós já estamos assim. Nossas universidades já conseguem dar esse passo, já deram esse passo, muitas delas, mas, daqui para a frente, cada vez mais, especialmente as universidades que trabalham com o problema da alimentação, como também aquelas que trabalham com energia, como aquelas que trabalha com a desigualdade social, que são os temas fundamentais que vão orientar o século XXI, buscando-se a sua solução.

            A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro tem essa característica. O seu lado é o da produção do conhecimento para um dos problemas centrais que vamos viver. Daqui para a frente, não vai ter como fazer a economia avançar se as universidades não participarem desse processo.

            Dois anos atrás, eu estava em uma cidadezinha de Alagoas chamada Maragogi, numa praia, e dois senhores foram apresentados a mim pelo dono do restaurante. Disseram-me que eram investidores, mas que tinham desistido de investir em Alagoas porque não encontraram mão de obra qualificada. Perguntei qual era a área em que eles investiam e, para minha surpresa total, eles investiam em criação de cavalos. Eu até perguntei qual era a qualificação de que precisavam os vaqueiros. Eu não tinha o direito de fazer a pergunta, mas ele me disse: “Nossos cavalos custam dois, três, quatro milhões de reais. Nós não os deixamos nas mãos de pessoas que não tenham formação veterinária e que não saibam ler a bula do remédio em inglês, porque nossos remédios são importados”.

            Isso mostra duas coisas: uma é que a gente ainda não está produzindo os remédios na quantidade e com a qualidade necessária para que a bula venha em português; a segunda é a exigência de mão de obra de alta qualificação, mesmo em um setor que, tradicionalmente, é de mão de obra sem qualificação.

            Ele disse mais: “Nossos cavalos são acompanhados em tempo real: quanto saltam, quanto comem, que remédio tomam. Precisamos de pessoas que tenham familiaridade com o computador e com os nossos softwares.” E disse mais: “Nós fazemos os investimentos, voltamos para a Europa e administramos de lá”.

            Então, uma parte considerável da mão de obra é de alta qualificação. Apenas alguns, obviamente, trabalham com baixa qualificação.

            É aí que entra o papel da universidade, e de uma universidade que trabalha com o setor rural, daí esse exemplo que venho citando muitas vezes, desses investidores que desistiram de Alagoas. Não sei se desistiram do Brasil, porque é provável que, em outras áreas, ainda encontrem mão de obra qualificada para isso, até não é por que ela não exista, mas ela é em número pequeno, e aí ele não conseguiria trabalhar no seu haras, como ele disse.

            Então, o primeiro salto é adiante. Tem que ir ao conhecimento e não só à formação pela transmissão do conhecimento já consolidado.

            Nossos centros de ensino têm que ser cada vez mais centros também de pesquisas, de produção do conhecimento. E o outro, como eu disse, em vez de ser para frente, é para trás. Não vamos ter as universidades com a maior qualidade que a gente quer enquanto não tivermos todas as crianças concluindo o ensino médio e todo ensino médio de alta qualidade. Isso que - confesso -, às vezes, tenho dificuldade de convencer o meio universitário. Cada estudante universitário que passou por um curso médio de má qualidade gera um peso na instituição universitária e ele puxa para baixo a qualidade. Aqui mesmo, Reitor José Geraldo, no nosso curso de Engenharia, está-se ensinando matemática para rever o que os alunos não aprenderam no ensino médio. Isso puxa a universidade para baixo. Tem que ser de alta qualidade o ensino médio. Agora, não basta isso, é preciso que seja para todos. Porque cada pessoa, Senadora Gleisi, que não teve a chance de estudar pode ter sido um gênio perdido. A gente esquece que um curso médio de alta qualidade para poucos perdeu a qualidade dos que ficaram de fora.

            Somos campeões mundiais de futebol e temos os melhores craques porque todos jogam bola desde os quatro anos, e a bola é redonda para todos. Felizmente a elite brasileira não teve a ideia de fazer bola quadrada para os pobres, mas teve a ideia de fazer escola quadrada para os pobres e escolas redondas só para eles. Isso leva a um desperdício de dois terços de nossos cérebros que não concluem o ensino médio. E eu diria que, mais a metade dos trinta e quatro que terminam o ensino médio, desperdiçados, porque foi um ensino médio sem boa qualidade.

            A universidade, nesses próximos 100 anos, Reitor - o senhor estava preocupado -, a meu ver, tem que lutar dentro dela para dar esse salto adiante no que se refere à alta qualidade na ciência e na tecnologia. Deve também, no ponto de vista político, ser um instrumento de luta para que, neste País, não haja um analfabeto, porque os 14 milhões de analfabetos que temos hoje poderiam ter sido gênios. Muito dificilmente o serão sem alfabetização. E a luta para que a escola pública de qualidade seja para todos e, se possível, tão iguais como são as bolas de futebol. Considero que isso não vai ser possível, sei que é polêmico, se não fizermos a federalização da educação de base. Não vejo como ter escolas iguais em Axixá, no Maranhão, com uma renda per capita de R$2 mil, e aqui em Brasília, onde a renda per capita chega a mais de R$30 mil. Não há como! E não nos esqueçamos de que, aqui em Brasília, com a renda per capita alta, todas as escolas são financiadas quase integralmente pelo Governo Federal. Por que, aqui em Brasília, nossas crianças têm direito a ter escola federal, com tudo pago pelo Governo Federal - era tudo pago; depois que fui Governador, começamos a ter de colocar dinheiro do Governo Distrito Federal também - e as de outras cidades não têm? Por que temos quase 300 escolas federais de ensino médio, incluindo aí as técnicas, os colégios de aplicação, o Colégio Pedro II e as escolas militares, que têm a melhor média do Ideb? As pessoas acham que a melhor média do Ideb é das particulares. Não o foi no ano passado, que foi das federais. Se você escolher uma escola isolada, é possível que uma particular seja melhor do que todas, mas a média das particulares está abaixo da média das federais, e essas duas estão muito acima das municipais, que estão acima das estaduais, por incrível que pareça.

            Não vejo outra saída a não ser caminharmos para um processo de criarmos uma carreira nacional do magistério. Na verdade, seria pegar a carreira do Pedro II, ou dos colégios de aplicação, ou dos colégios militares - quando falo em colégios militares, não falo colégio da carreira de militar; falo desses colégios dirigidos por militares que recebem todos os alunos - e a transformarmos em uma carreira que se espalhe pelo Brasil.

            Também não defendo aqui que, amanhã, se faça um ato dizendo que todo professor municipal e estadual passa a ser federal. Isso não resolveria nenhum problema.

            A minha proposta é de que a gente passe a implantar essas escolas federais em um ritmo que, em 20 anos - vejam que sou modesto - chegaria a todo o Brasil. Cem mil novos professores federais por ano, concentrados todos eles, Senadora Gleisi, nas mesmas cidades, porque, se espalhá-los pelo Brasil, eles se perdem, com um salário que, comparado com os de outras entidades, não seria tão alto:R$ 5 mil. Mesmo assim, comparado com a média, é muito alto para o Brasil.

            Estes 100 mil concentrados em 250 cidades de porte médio, atendendo três milhões de crianças em 10 mil escolas. Depois, mais 100 mil professores, mais três milhões de crianças, mais 10 mil escolas, mais 250 cidades. Levaríamos 20 anos para chegar às 5,5 mil cidades, 60 milhões de crianças, 200 mil escolas, dois milhões de professores. É claro que os professores atuais fariam concurso para virarem professores federais. Os que passassem seriam absorvidos; os outros ficariam numa carreira paralela durante algum tempo.

            Não vejo outra saída para dar um salto educacional a não ser esse.

            Estamos melhorando em educação. É falso dizer que o Brasil está piorando. Mas estamos melhorando numa tendência linear, enquanto que as exigências estão crescendo numa tendência exponencial. Por isso, apesar de melhorar, todos sabem que faltam oito milhões de profissionais de nível técnico na economia brasileira.

            A Presidenta Dilma vai fazer um grande esforço nesse sentido, continuando o que o Presidente Lula começou, que foi a implantação de mais escolas técnicas. Mas temo que elas não darão certo suficientemente, porque os alunos que entrarão nelas no ensino médio não tiveram um ensino fundamental de qualidade. Sem um bom ensino fundamental, é difícil virar um bom profissional no mundo de hoje.

            Essa é a luta que, acho, a universidade poderia ingressar: política, Como fizemos a campanha das Diretas, como fizemos a campanha da anistia, como fizemos a campanha da liberdade de Imprensa, temos de fazer a grande campanha da revolução pela educação. Revolução, não evolução apenas.

            Claro que, se a gente faz uma revolução nessas cidades que citei, transformando todas as escolas em federais, em horário integral, com equipamentos mais modernos, professores bem-remunerados, bem dedicados, às outras, a gente iria fazendo um esforço para melhorar também, como já vimos fazendo e até um pouco melhor. Não abandonaríamos as outras, até por que, para fazer no Brasil inteiro, não há recursos. E os recursos não seriam apenas financeiros, os R$7 bilhões de que precisaríamos a cada ano, R$7 bilhões, depois R$14 bilhões, R$21 bilhões, é por que não temos jovens querendo ser professores com competência para sê-lo. Não temos. Se amanhã, passarmos o salário para R$10 mil por mês, não teremos o número de candidatos necessários. Pior: entre os candidatos, uma boa parte não tem vocação.

            Saibam que hoje um problema da Polícia Federal é que, graças aos altos salários, contrataram pessoas de alta qualificação, mas sem vocação. Então, entram na carreira e começam a fazer outros concursos para mudar de ramo, para mudar de atividade. Não vale a pena também aumentar os salários e trazer gente sem vocação. Ainda menos sem qualificação. Mas isso é possível. Mas falta uma grande luta. Falta uma grande luta de um partido que eu diria que é o partido educacionista, que não é um partido organizado. Aliás, as grandes mudanças no Brasil vieram de partidos que não existiam. O partido abolicionista não existia. Era um partido transversal aos três daquela época. Quando eu falo em partido educacionista, eu falo transversalmente, entre as siglas que temos hoje. Eu considero que, aqui, a Senadora Gleisi, o Senador Lindbergh e eu somos do partido educacionista, independente de estamos em siglas diferentes. Mas as universidades têm obrigação, todas elas, de estarem envolvidas nessa luta.

            É isso, Sr. Reitor, que eu queria aqui falar: felicitar toda a comunidade da Universidade pela luta que fez em manter e crescer nesses 100 anos, pelo pioneirismo no passado e, ao mesmo tempo, o desafio de que sejamos pioneiros do futuro, por meio do avanço da universidade, dentro dela, para, cada vez mais, ser de ponta na ciência e tecnologia, e o pioneirismo de lutarmos agora por aquilo que a gente precisa: escola igual para todos.

            Houve um tempo em que, para mim, o socialismo era tirar o capital do capitalista e dar para o trabalhador. Socialismo, para mim, hoje, é pegar o filho do trabalhador e botar na escola do filho do patrão. Só que para isso a gente precisa ter 200 mil escolas, não bastam apenas as escolas onde estudam hoje os filhos dos ricos.

            Mas isso é possível. Desde que a gente não imagine que faz de um dia para o outro. Mas precisa saber qual a estratégia para chegar lá. A estratégia existe, aliás as estratégias existem, falta é uma luta política firme para conseguir levar isso adiante. Eu gostaria de ver a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ser vanguarda também nessa luta política.

            Um grande abraço para todos da comunidade, parabéns ao Senador Lindbergh, e muito obrigado a vocês por estarem aqui, numa sessão que é muito mais gratificante para mim do que a maior parte das sessões que temos nesta Casa.

            Um grande abraço e muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2011 - Página 14516