Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a equiparação das relações homoafetivas às heterossexuais, semana passada, em decisão histórica do Supremo Tribunal Federal.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários sobre a equiparação das relações homoafetivas às heterossexuais, semana passada, em decisão histórica do Supremo Tribunal Federal.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2011 - Página 14993
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RECONHECIMENTO, ESTABILIDADE, UNIÃO, HOMOSSEXUAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caros Senadores e Senadoras, você que está nos escutando em casa, este é o momento em que quero falar da semana que passou e da votação histórica, que todos presenciamos no Supremo Tribunal, equiparando as relações homoafetivas às relações heterossexuais.

            O julgamento e as palavras dos Ministros foram não só contundentes em relação à constitucionalidade, mas muito também com palavras que vão além do formal, além de um voto frio. Foram palavras muito carinhosas, que falaram de felicidade, falaram de cidadania, falaram de amor, falaram de respeito à vida. Isso tudo me remeteu há 16 anos, quando fizemos o primeiro projeto - aliás, foi o primeiro, depois vieram outros, mas até agora nenhum foi votado - no Congresso Nacional como Deputada Federal. Faz 16 anos; levamos 16 anos para regularizar uma situação em que hoje o Supremo se declarou absolutamente, tranquilamente favorável e constitucionalmente a favor.

            Lembrei-me, em uma das sessões, quando se discutia, na Comissão, a questão, pois foram muitas audiências públicas, de um depoimento que me veio à mente. O depoimento muito corajoso do hoje Presidente Nacional da ABGLT, Toni Reis.

            Há 16 anos poucos assumiam a sua homossexualidade, poucos tinham coragem de discutir a sua homossexualidade. E Toni Reis se fez presente e fez um depoimento muito duro e sofrido ao explicar que, quando criança, ele não sabia o que era aquilo, mas ele percebia que ele era diferente. Sendo de uma cidade do interior do Brasil, contou à sua mãe - de uma família muito grande de irmãos - o que estava acontecendo. Então, sua mãe foi à igreja que freqüentavam, e houve a indicação para que fizessem uma novena, às sextas-feiras, durante um ano. A novena foi feita para que ele mudasse; mas ele não mudou. A mãe, então, preocupada, e toda a família participando da questão, partiram para outras religiões: evangélicos, depois para as afro-brasileiras, foram para todas. Ele contava detalhes - eu não me lembro de todos os detalhes, lembro-me da contundência daquele depoimento. Os anos foram passando, e ele achando que era um doente, até que, em uma das conversas, um vizinho disse que, se ele tomasse colostro de égua, ele sararia definitivamente daquela doença. E lá se foi. E ele lembrou o gosto que tinha aquilo. Claro que nada aconteceu. Passados muitos anos, já no final da sua adolescência, foi para a cidade, onde percebeu que aquilo talvez não fosse doença, como a sua família sempre achou. Com o tempo, foi morar em Londres e, lá, percebeu que aquilo não era doença, aquilo era um comportamento diferente, e ele conhecia aquele comportamento desde a mais tenra idade, quatro, cinco, seis, sete, oito anos. Então, lá, ele conheceu um parceiro, Harry, que veio com ele para o Brasil. Lembro de que, naquele momento, como foi difícil a tentativa para o parceiro ficar no Brasil, porque não havia nenhuma possibilidade de união. Até cogitou-se de o parceiro casar-se com a mãe do próprio Toni, que era viúva. Depois, conseguiu-se, de outra forma, uma solução, com um emprego. Passaram-se 16 anos. E ontem, vi, com muita alegria, estampada na Folha de S.Paulo, uma foto, dizendo que os dois foram os primeiros a registrarem a sua união estável em cartório.

            Agora, quem não vive a situação olha e acha bom: registraram, estão felizes. Mas quem acompanhou dezesseis anos de uma luta e viu o que essas pessoas passaram...

            Aqui eu quero render um tributo a todos esses militantes, mas especialmente ao Toni Reis, porque foi preciso muita coragem naquele momento. Nós tínhamos um Deputado, Severino Cavalcanti, que fez perguntas absolutamente grosseiras, indelicadas, constrangedoras. Foi muito difícil passar por aquilo. Eu diria que foi uma verdadeira tortura naquela Câmara. E ele se expôs. Não só se expôs, mas cada vez mais se engajou no movimento. Milhares dessas pessoas, desses militantes foram atrás, conversaram, tentaram explicar a situação a suas famílias, aos juízes, aos magistrados. E fizeram a Parada Gay, que hoje tem 2 milhões de seguidores em São Paulo. Hoje há parada gay em todos os Estados brasileiros e é uma forma de se colocar a questão que até pouco tempo foi ignorada.

            Os votos dos Ministros do Supremo, na semana que passou, realmente foram uma lição não só de cidadania, mas de humanidade. Quero ler alguns votos. Se der tempo, lerei de todos; se não, apenas dos primeiros que tenho aqui.

            Começo por um pedacinho do voto do Ministro Ayres Britto, que reconheceu a relação entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Foi o primeiro voto favorável. Pelo voto do Ministro, os casais homossexuais teriam direito a se casar, poderiam adotar filhos e registrá-los em seus nomes, deixar herança para o companheiro, incluí-lo como dependente nas declarações de Imposto de Renda e no plano de saúde. Dentre as razões para a decisão, Britto lembrou que a Constituição veda o preconceito em razão do sexo das pessoas: “Aqui o reino é da igualdade absoluta, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham. Essa dedução, essa conclusão não se coloca”.

            Voto do Ministro Luiz Fux, que acompanhou o voto do Relator: “Por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões que são abominadas pela Constituição: a intolerância e o preconceito.” “O conceito de família só tem validade quando comporta a dignidade das pessoas que a compõem.” “O tratamento hoje dado a gays e lésbicas é como se fossem seres menores e desprezíveis.” “É uma conquista emancipatória dos homoafetivos de algo que está explícito na Constituição.” “A união homoafetiva já é uma realidade, a ponto de permitir que parceiros do mesmo sexo recebam benefícios previdenciários, por exemplo.” “Se a sociedade evoluiu, o Direito evolui e a Suprema Corte evolui junto. Esse momento é uma ousadia judicial, uma travessia. É hora da travessia. Se não ousarmos fazê-la, ficaremos para a eternidade à margem de nós mesmos. Isso é mais do que um projeto de vida. É um projeto de felicidade. Acompanho integralmente [o voto do relator].”

            A Ministra Cármen Lúcia foi a terceira a votar. Para ela, a Constituição abomina qualquer tipo de preconceito. “A discriminação é repudiada no sistema constitucional vigente.” “Aqueles que fazem escolha pela união homoafetiva não podem ser desigualados em sua cidadania.”

            O Ministro Lewandowski: “O Estado precisa colocar sob seu amparo as famílias homoafetivas, conferindo-lhes os mesmos direitos da união estável heterossexual.”

            O Ministro Joaquim Barbosa: “Dignidade humana é a noção de que todos, sem exceção, têm direito a uma igual consideração.” De acordo com ele, “a Constituição estabelece, de forma cristalina, o objetivo de promover a justiça social e a igualdade de tratamento entre os cidadãos.” “Cumpre a esta Corte buscar impedir o sufocamento e o desprezo das minorias por conta das maiorias estabelecidas.”

            O Ministro Gilmar Mendes: “Sou um crítico muito ferrenho dessa coisa de se portar como legislador. Aqui não há nenhuma dúvida de que o tribunal está assumindo um papel [de legislar], ainda que provisoriamente. Essa matéria deveria ser regulada por normas do Congresso Nacional.”

            A Ministra Ellen Gracie: “O Supremo está reparando anos de intolerância e discriminação e a importância de uma sociedade entre iguais.”

            O Ministro Marco Aurélio: “A evolução social fez do ‘Direito de Família’ o ‘Direito das Famílias’, e este abrange as uniões homoafetivas." O Ministro também disse que o Estado existe para auxiliar indivíduos a realizar seus projetos de vida, incluindo os que têm atração pelo mesmo sexo.

            O Ministro Celso de Mello deu o 9º voto favorável. “Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero.”

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senadora?

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Meu tempo esgotou, Senador, a não ser que o Presidente Wilson Santiago permita.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PRESIDENTE (Wilson Santiago. Bloco/PMDB - PB) - Mais um minuto para V. Exª ouvir o Senador Suplicy.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-la porque V. Exª foi pioneira na apresentação de projeto, quando Deputada Federal, sobre aquilo que agora veio a ser reconhecido pela unanimidade de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme as palavras que V. Exª destaca. Uma a uma, as Ministras tão bem reconheceram o direito que V. Exª colocou em projeto de lei e que, por razões, às vezes, difíceis de compreender, não havia sido votado até hoje. Meus parabéns a V. Exª.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Para concluir, o voto do Ministro Celso de Mello: “Não existem razões de peso suficiente que justifiquem discriminação no que tange às uniões estáveis.”

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - “Pelo contrário, pela Constituição, há a valorização do afeto, do amor, da solidariedade. Não há razão algum para exclusão da união homoafetiva.”

            O Ministro Peluso: “O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar essa equiparação com a união estável heterossexual.”

            Obrigada pelo aparte, Senador Eduardo Suplicy.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2011 - Página 14993