Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de carta escrita pelo Sr. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, endereçada ao Presidente norteamericano Barack Obama.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Leitura de carta escrita pelo Sr. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, endereçada ao Presidente norteamericano Barack Obama.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2011 - Página 15481
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, GANHADOR, PREMIO, PAZ, DESTINAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MATERIA, CRITICA, HOMICIDIO, OSAMA BIN LADEN, LIDER, TERRORISMO, REPUDIO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Marta Suplicy, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, primeiramente quero prestar a minha solidariedade à Senadora Marinor, por conta dessa claque desqualificada que tentou intimidá-la pela decisão de encaminhamento e da pauta de discussão da Comissão de Direitos Humanos na manhã de hoje. Minha solidariedade também a V. Exª.

            E quero dizer do meu apoio a esse projeto que está tramitando há alguns anos aqui, na nossa Casa, o qual, tenho certeza, com tranquilidade, com um bom debate, vamos aprovar tanto na comissão quanto no plenário do Senado da República.

            Srª Presidenta, quero, neste meu pronunciamento, pedir a inserção da carta escrita pelo Sr. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, que escreveu ao Presidente dos Estados Unidos, Sr. Barack Obama, agora, no dia 5 de maio de 2011.

            Passo a ler a carta desse grande sul-americano, argentino, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz.

            Diz a carta, Srª Presidenta:

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.

Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.

Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.

No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Ghraib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAN e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.

A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós, os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.

Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Gethsemani, em Kentucky, Thomas Merton, que diz: “A maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica, não podemos começar a ver. E, se não vemos, não podemos pensar”.

Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norte-americano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.

Thomas Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.

Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.

A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, restabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.

Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe [Barack] que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.

Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.

E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, você se encontra em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterra cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acredita ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.

A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.

Você sabe que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “autogolpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévio de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”,com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são ‘danos colaterais’. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses ‘danos colaterais’.

A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de ‘morte’ e que, por fim, os EUA ‘mataram’ Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de ‘eixo do mal’? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Srª Presidenta, em um minuto, termino.

A paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.

            Srª Presidenta, tem mais um pouco da carta de Adolfo Pérez Esquivel. Solicito à Mesa que considere na totalidade esta carta, que chama a atenção do Presidente dos Estados Unidos, chama a atenção do mundo, chama a atenção do Congresso. Precisamos refletir sobre a práxis dos Estados Unidos. Não podemos concordar com a transgressão, com desrespeitos a regras internacionais. Não podemos abrir mão de construir políticas internacionais que respeitem o ser humano.

            Somos contra e temos que condenar o terrorismo, mas precisamos ter procedimentos democráticos e humanos para atacar males, que é do dia a dia, que é da conjuntura internacional dos países que compõem a Organização das Nações Unidas.

            Muito obrigado, Srª Presidenta.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO PEDRO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- Carta de Adolfo Pérez Esquivel.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2011 - Página 15481