Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à ação do governo americano com relação ao Paquistão e à forma como assassinaram Osama Bin Laden; e outros assuntos.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Críticas à ação do governo americano com relação ao Paquistão e à forma como assassinaram Osama Bin Laden; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2011 - Página 15928
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, PLENARIO, SENADO, PREFEITO, MUNICIPIO, CAPANEMA (PR), ESTADO DO PARANA (PR).
  • MOBILIZAÇÃO, ORADOR, BANCADA, SENADOR, ESTADO DO PARANA (PR), DEFESA, MEDIAÇÃO, ITAMARATI (MRE), ELIMINAÇÃO, DIFICULDADE, BUROCRACIA, ALFANDEGA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, OBJETIVO, LIBERAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PONTE, ESTRADA, FACILITAÇÃO, TRANSITO, REGIÃO SUL.
  • SOLIDARIEDADE, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, OFENSA, FONTE, IMPRENSA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INVASÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PAQUISTÃO, HOMICIDIO, LIDER, TERRORISTA, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AUMENTO, AUTORIDADE, ENTIDADE INTERNACIONAL, INCLUSÃO, REPRESENTAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, CONSELHO DE SEGURANÇA, NECESSIDADE, LIMITAÇÃO, ABUSO, PODER, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, FAVORECIMENTO, DEMOCRACIA, PACIFICAÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querido amigo e companheiro Paulo Paim, primeiro quero fazer uma referência muito carinhosa. Está aqui no plenário, ali na Tribuna de Honra, o companheiro Milton Kafer, Prefeito de Capanema. Um grande Prefeito reeleito. Brilhante! Uma cidade significativa no oeste do Paraná. Uma cidade que luta com grande esforço para crescer e progredir. Ao lado de um grande aspecto de poder crescer, ela sofreu algumas injustiças.

            O Parque de Itaipu tem a Estrada do Colono, que fazia a ligação de toda aquela região. De repente, cortaram. De Capanema tem que dar uma volta enorme, porque aquela Estrada do Colono, o percurso que era feito em uma hora, agora tem de ir para a Argentina ou fazer um percurso muito maior.

            Tem uma alfândega ali com a Argentina. O grande Governador Requião fez uma ponte - o Governo do Estado; ele fez -, uma obra que deveria ser e é para ser do Governo Federal do Brasil e da Argentina. Como não faziam, ele, Requião, fez a ponte. A ponte está lá, o asfalto está lá, mas burocracias não criam, dentro da alfândega, o serviço necessário para que ela possa funcionar. Milhares de caminhões que vêm da Argentina, lá em Uruguaiana ou em São Borja, cujas pontes estão ultralotadas de gente que pede o favor até dessa ponte, que seria altamente positiva para que o tráfego de caminhões pudesse ser feito por ela.

            O Senador Requião, e creio que os demais Senadores do Paraná e nós, estão insistindo com o Itamaraty, para que ele, junto ao Governo da Argentina, consiga essa facilidade tão importante. Ele, Requião, que já fez a ponte, a estrada que já está ali, e que pode ser um grande significado. Já não falo na Estrada do Colono.

            É claro que a defesa do meio ambiente é fundamental. Mas nós tivemos um caso semelhante no Rio Grande do Sul: a Rota do Sol. V. Exª se lembra, Senador? A Rota do Sol percorre uma região enorme que é de reserva turística: a Zona do Caracol, a zona das grandes reservas existentes no Rio Grande do Sul. Mas, ao invés de impedir, de proibir o tráfego, foram feitas exigências e a estrada ficou muito mais cara com áreas enormes cercadas. A turma até mexe com a gente dizendo: mas tem lugares, pontilhões de tempo em tempo para que os bichos passem. As crianças não têm ponte - elas têm que correr e olhar para o lado para atravessar -, mas os animais têm.

            Foram feitas várias exigências, entre elas a de dois túneis enormes. Mas a estrada foi permitida. E era fundamental porque é a primeira estrada que une a serra ao mar, saindo lá de cima, de Canela, Gramado e Bom Jesus, e terminando em Torres, ligando o norte do Rio Grande do Sul a Santa Catarina e ao resto do Brasil.

            Por isso, meu bravo Prefeito Milton, eu acho que a tua administração, que é excepcional, uma grande administração, haverá de conseguir mais esse êxito, conseguindo o que é tão importante para a cidade de Capanema e para aquela região.

            Capanema, Senador Paim, é daquelas cidades do oeste do Paraná que teve como imigrantes pessoas vindas do Rio Grande do Sul. Os imigrantes são os gaúchos que saíram do Rio Grande, de Três Passos e de Tenente Portela, e praticamente colonizaram o oeste do Paraná. Inclusive, a minha esposa, Ivete, nasceu em Capanema, mas seu pai, sua mãe e seus dois irmãos mais velhos nasceram lá no Rio Grande do Sul, em Três Passos.

            Capanema é uma amostra dessa história, desses milhões de rio-grandenses que saíram rumo a Santa Catarina e ao Paraná e desses milhares e milhares de catarinenses e paranaenses descendentes do Rio Grande do Sul que foram para todo o Centro-Oeste e o Norte do Brasil.

            Por isso, meu abraço ao Milton Kafer, que tem, entre suas várias qualidades, um defeito: ser meu cunhado. Ele é casado com uma irmã da minha mulher.

            Trago aqui, Sr. Presidente, minha solidariedade ao Presidente Itamar Franco. Eu não estava aqui. V. Exª viu que eu subi correndo, vindo do meu gabinete, mas, quando cheguei aqui, já havia outro Senador ocupando a tribuna.

            O que a imprensa do Paraguai fala com relação ao Senador Itamar não o atinge. É uma grosseria vulgar, ridícula. Dá pena.

            Olha, dizer que o Senador Itamar, como Presidente, defendeu o imperialismo é uma piada que não tem nenhum significado; dizer que o Senador Itamar teve alguma ligação com o regime militar é algo que beira o absurdo; dizer que o Itamar não foi um Presidente dos mais dignos, dos mais corretos, eu não tenho dúvida de que é um absurdo.

            O Senador Itamar ontem podia ter pedido verificação de quórum. V. Exª sabe disso.

            Houve já um entendimento, um grande entendimento no Senado Federal, em que governo e oposição concordaram em votar sem verificação de quórum, sem votação nominal. Foi uma votação aberta, não despertando absolutamente personalismo nem coisa que o valha, em que cada um votou como bem entendeu. E ninguém pediu verificação, àquela altura, oito horas da noite, um dia muito cheio. A Câmara dos Deputados, até meia-noite, teve uma votação enorme, que terminou não saindo, sobre a reforma do Código Florestal. Quando se votou, nem eu estava aqui, mas o Itamar estava, e podia ter pedido verificação. Ele não pediu, porque, no fundo, todos nós, mesmo os que votaram contrariamente, entendemos a importância e o significado dessa votação feita com relação ao Paraguai.

            Não sei, acho difícil, mas ficaria bem para o Presidente do Paraguai, ficaria bem, porque aqui a nota atribui praticamente, oficialmente, ao governo a notícia. Ficaria bem ao governo do Paraguai se desautorizasse ou se enviasse uma nota mostrando o carinho e o seu respeito pelo cidadão Presidente Itamar Franco, que, durante todo o seu governo, não teve nenhuma questão com o Paraguai; pelo contrário, o maior entendimento e o maior respeito para com aquele país.

            Está muito difícil falar neste Congresso, porque nós temos brilhantes oradores que chegaram ontem, e a mudança foi de dois terços. Então, confesso que me delicio, lá no meu gabinete, assistindo pela TV Senado às sessões nesta Casa. Não sobra tempo para mim, um Senador de 80 anos, com 30 anos de Senado e mais 30 de vida parlamentar. Falar às 19h38min é negócio para um Senador que está começando, mais jovem. Mas a questão é que faz um tempão que eu queria falar, e foi passando, não houve jeito, e fiquei aqui, até esta hora.

            Eu tinha obrigação. Sinceramente, eu tinha obrigação de vir a esta tribuna e de manifestar o meu pensamento sobre a triste ação do governo americano com relação ao Paquistão e à forma como assassinaram o Sr. Bin Laden.

            Vim a esta tribuna e proclamei minha admiração, meu carinho, meu respeito pela figura de Obama, muito antes de ele ser presidente. Vim aqui - lembro a V. Exª, porque fiz a relação dele com V. Exª, achando, inclusive, que V. Exª um dia pode desempenhar o mesmo papel aqui, no Brasil -, quando ele iniciou as primárias com a então primeira-dama. E, naquela época, naquele momento, parecia até ridículo, porque a força do presidente e da sua esposa era tão grande... O Sr. Obama, Senador por dois anos, em Chicago, sem nenhuma tradição, sem nenhuma história, não tinha nenhuma perspectiva. Ele se lançou presidente, para fazer nome nas primárias, para debater, discutir. Isso toda a imprensa noticiava. Era uma fórmula para um homem como ele, de grandes qualidades, mas zero de história política, lançar-se.

            Mas sua capacidade foi tão intensa, seus discursos foram tão emocionantes, e toda a imprensa comentava que fazia muito tempo - muito, muito, muito tempo - que não havia um orador que falasse ao povo, que entusiasmasse o povo como Obama... Ele desistiu, não quis as verbas oficiais de financiamento de campanha, para poder usar, como usou, por meio da Internet, verbas, não grandes verbas de grandes empresas, mas verbas de US$5.00, US$10.00, US$15.00, de jovens que, pela primeira vez, passaram a interessar-se.

            Sua atuação foi espetacular. Já voltei a esta tribuna várias vezes dizendo que o respeito. A vitória que ele teve na saúde? Nota 10. Aquele povo americano não conseguia entender saúde como um direito universal. O povo americano, na saúde, é: cada um que se vire, e quem não tem seguro-saúde que se dane. Obama conseguiu, conseguiu mudar essa mentalidade e, finalmente, os Estados Unidos hoje têm saúde para os pobres.

            Quando houve a grande crise financeira, dura, dizem que a maior depois de 30, ele atuou, mas o que é importante na atuação dele com relação às crises anteriores é que ele atuou atingindo os banqueiros. Muitos banqueiros que agiram, que roubaram, estão na cadeia, inclusive o maior de todos. Na hora de fazer a fiscalização, ele fez a fiscalização fazendo um levantamento, e muitos banqueiros estão devolvendo, pois mantinham fracassos fictícios, não verdadeiros nas suas contas e contas milionárias de dinheiro que eles ganhavam em proveito próprio. Foi a primeira vez em que se falou isto: uma crise não foi paga pelo povo, foi paga pelos banqueiros. E eu vim a esta tribuna felicitá-lo.

            Quando ele fez o esforço, e até agora está fazendo, com relação à penitenciária em Cuba, eu o respeitei, porque realmente é um escândalo, só que agora ainda é pior. Aquele escândalo daquela penitenciária continua. É verdade que Obama não consegue que o Congresso aprove, não consegue nem que penitenciárias americanas recebam os presos que estão lá, e muito menos países, mas o triste é o que a imprensa está publicando agora: a pessoa que fez as grandes denúncias para localizar o Sr. Bin Laden o fez sob tortura, no governo do Sr. Obama, lá, naquela penitenciária. Ele que, ao contrário de Bush que disse que torturava para buscar terrorista, disse que não admitia quando candidato. Agora estão reconhecendo que, durante o ano, mais de 150 simulações de morte com a cabeça debaixo d’água, por afogamento, foram o que determinou a confissão do esquema que existia.

            Em primeiro lugar, tinha razão o Presidente Lula, tem razão aqueles que reconhecem que está na hora de fazer uma reforma para valer na ONU, porque a ONU hoje é uma ficção, é uma figura de mentirinha, não tem poder, não tem força, não tem autoridade. Ela existe porque todo mundo concorda que é melhor ter do que não ter nada. Mas não resolve nada, não resolve nada.

            Aquela figura da fotografia do Obama, da Ministra de Estado, Srª Clinton, e mais todo o comando americano na televisão - quer dizer, televisão própria -, vendo ao vivo o ataque, o assassinato do Sr. Bin Laden é uma coisa fantástica. É algo inconcebível, em primeiro lugar, quanto à tecnologia, quanto à modernidade. Aonde nós vamos chegar com a capacidade de o homem, realmente, para o bem ou para o mal, fazer o que deve ser feito? Estavam eles ali, olhando num aparelho ao vivo e em cores tudo o que estava acontecendo lá no Paquistão.

            A imprensa mundial faz uma pergunta: “Mas o que queriam que os americanos fizessem? Prendessem Bin Laden? Levariam-no para onde? Para qual cadeia, para qual a penitenciária? Como é que o executariam? Teriam um trabalho muito grande”.

            Aliás, é assim que pensam, Sr. Presidente, todos os países que não praticam a democracia, os países que não respeitam os direitos individuais. Para eles é muito mais fácil usar a força, é mais normal.

            Roosevelt - e é verdade que havia Churchill junto, Stalin, também -, na hora em que pegaram os nazistas, o natural, o normal seria mandar que os executassem imediatamente. Mas eles foram presos, e o mundo inteiro assistiu ao julgamento de Nuremberg. Houve uma defesa. Havia grandes figuras, inclusive o Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos estava presidindo o julgamento. Foram julgados e tiveram amplo direito de defesa.

            Quando Israel, anos depois, descobriu o maior dos nazistas, o maior assassino de todos, lá no interior da Argentina, prendeu e ele foi julgado numa corte internacional. Foi condenado e morreu.

            Por que com o Sr. Bin Laden não aconteceu isso? Ele é um monstro? É. O que se diz que o Sr. Bin Laden fez é horrível? O ataque às torres gêmeas foi um dos atos mais terríveis, quando três, quatro mil inocentes morreram.

            Eu não estou aqui dizendo uma palavra que possa levar alguém que me assiste a crer que estou pensando nos direitos do Sr. Bin Laden, no Bin Laden. Estou pensando no que é um Estado democrático, o que são os direitos humanos, o que é uma democracia.

            O governo americano invadiu, não pediu licença ao Paquistão. Os Estados Unidos não pediram licença ao Paquistão porque alguém poderia contar para alguém, não sei mais o quê. E invadiram!

            Contam os analistas que além dos dois helicópteros havia, inclusive, três ou quatro preparados para guerrear com as tropas do próprio Paquistão se ele se metessem.

            Eu não sei, sinceramente, eu não sei. Foi uma atitude para debochar da ONU, para debochar da sociedade internacional?

            O Sr. Obama disse que dormiu muito tranquilo, feliz, porque ninguém mais vai enxergar o Sr. Bin Laden vivo na Terra.

            Eu lamento; lamento profundamente. Acho que os Estados Unidos estão nessa posição, realmente porque o Brasil e o mundo não querem chegar a uma conclusão. Houve um período, na época do Império Romano, que o que existia na Terra era o Império Romano. O resto era colônia ou não existia, porque o Governo romano não tinha nem interesse de chegar lá.

            Nós vivemos, ao longo do tempo, histórias de guerras mundiais, de lutas, quando o mundo esteve dividido: Alemanha, Itália e Japão, de um lado; Estados Unidos, Inglaterra e Rússia, do outro. Durante toda a Guerra Fria, Estados Unidos, de um lado; Rússia, do outro. Estados Unidos representando o capitalismo; Rússia, o comunismo. E essa bipolaridade trouxe uma guerra fria que durou anos e mais anos e mais anos. Guerra fria que, na verdade, na Coréia foi guerra quente, no Vietnã foi guerra quente e em vários lugares aconteceram guerras quentes. E aquela bipolaridade? Ou tu eras americano, ou tu eras russo. Ou tu eras comunista, ou tu eras capitalista. E valeu tudo naquela época.

            Mataram o Bin Laden, mas não vamos esquecer que aqui no Chile eles mataram um presidente também, bombardearam o palácio presidencial no Chile, mataram o Presidente da República e instituíram uma ditadura de longo tempo.

            Como mostra a história, inclusive o livro do então Embaixador Lincoln Gordon, dos Estados Unidos aqui no Brasil, em 1964, relata que a Quarta Frota estava aqui ancorada, na certeza de que Jango iria lutar. E, se houvesse uma luta, eles estavam prontos para interferir.

            Mas, agora, agora não há mais bipolaridade. A Rússia tem arma atômica, mas Israel também tem; o Paquistão também tem; a Índia também tem; a China também tem. Fora isso, não há mais nenhum tipo de ligação entre a Rússia e qualquer prestígio no domínio mundial, tanto que, quando se fala quem vai discutir, contestar com os Estados Unidos no futuro, fala-se em China e não Rússia.

            Então, hoje o mundo, a rigor, tem um dono: os Estados Unidos. Na época do Império Romano, o mundo tinha um dono, os romanos. Dominavam. As tropas romanas eram donas do mundo até então conhecido. Naquela época, a gente vê até na Bíblia, os romanos estavam lá em Israel, na Palestina, mas os gregos falavam o grego, os palestinos falavam árabe, os egípcios... Cada um tinha a sua língua, tinha a sua organização, a sua estrutura, a sua cultura, a sua comida e tudo mais. Não havia rádio, não havia televisão.

            Hoje é um mundo global, porque o que acontece nos Estados Unidos praticamente no mesmo momento se espalha pelo mundo inteiro. E a recíproca é verdadeira.

            Hoje, a França copia leis que o Brasil fez há vinte anos. Eu me lembro, quando nós fizemos uma lei, obrigando, vamos dizer assim, que para cada vinte filmes americanos, o cinema tinha que exibir um filme brasileiro, para tantas músicas europeias, a rádio tinha que tocar uma música brasileira... E agora temos essa discussão enorme, exigindo até que se corte um pouco o exagero das palavras americanas em vários setores, como o da economia, por exemplo.

            Na verdade, o domínio americano no mundo é absoluto. É na língua, é na música, é na roupa, é no vestuário. A Coca-Cola está no mundo inteiro. Tudo que o americano produz está no mundo inteiro.

            Por isso, votei ontem a questão do Paraguai; por isso, vejo com amor e carinho o Mercosul; por isso, vejo que realmente nós, da América do Sul, temos que nos integrar para ser uma grande comunidade; por isso, vejo com respeito a África, explorada ao longo de séculos e mais séculos pela humanidade inteira. Como disse alguém, nem Cristo quando veio à Terra se lembrou dos negros. Por isso, acho que é muito importante essa integração de todos nós. E por isso, procuro entender o Sr. Obama.

            Na verdade, aquela estrutura interna dos Estados Unidos, que se consideram os reis do universo... Quando converso com alguns americanos com os quais tenho intimidade, até com brasileiros, até com parentes meus que foram morar lá e, hoje, são cidadãos americanos, eles acham que o mundo deve uma imensidão para os Estados Unidos. Os Estados Unidos se matam e descobrem remédios contra tudo que é doença que está aí. Os Estados Unidos é que descobrem, se não fossem eles, as pessoas estariam até hoje morrendo de tifo e tudo o mais. Os Estados Unidos buscam tecnologia, aperfeiçoam e distribuem para o mundo inteiro. Por isso, o que eles acham é que o mundo inteiro deve o que tem a eles. Não há um sentimento de humanidade, de integração com relação aos que mais precisam, aos que mais necessitam.

            Por isso, Sr. Presidente, lamento o que aconteceu. Foi um episódio realmente duro, e o interessante é que o Sr. Obama, depois disso, aumentou seu prestígio, que vinha caindo desde a eleição, vinha caindo, vinha caindo e, agora, está lá em cima, setenta e tantos por cento. Ele fez o que o povo americano queria, mas não foi o ideal. Basta ver, Sr. Presidente, que a reação do mundo inteiro foi negativa, inclusive de países, não digo Alemanha, nem China, nem Rússia, nem Brasil, que já na hora da votação se abstiveram de votar,

            Mas mesmo a França, mesmo a própria Inglaterra, que é uma aliada para todo o sempre dos Estados Unidos, reconhecem que foi um exagero.

            Vamos ver como termina, Sr. Presidente. Vamos ver como termina.

            Ali do outro lado, ali na Líbia, também a pretexto de derrubar o ditador, ditador esse, que, diga-se de passagem, está lá há trinta e tantos anos, sempre com o apoio dos Estados Unidos... Aliás, o Sr. Bin Laden apareceu no mundo e destacou-se sob a proteção dos Estados Unidos.

            Quando os Estados Unidos entraram na intervenção da Rússia, que invadiu o Afeganistão, ali o americano deu força a todos os “terroristas” que eram contra a invasão da Rússia. O Sr. Bin Laden aprendeu. Tudo que ele aprendeu foi lá nos Estados Unidos, para usar a favor do Estados Unidos no Afeganistão e contra a Rússia.

            A Líbia, nesse tempo todo, ficou com o apoio dos americanos; a Síria, nesse tempo todo, ficou com o apoio dos americanos; o Egito, nesse tempo todo, ficou com o apoio dos americanos. Agora, eles mudaram.

            Como disse a Ministra brasileira Maria do Rosário na reunião dos Direitos Humanos na Europa, nós, do Brasil, somos a favor dos direitos humanos sempre. Os americanos e os europeus são a favor conforme for o caso. Por exemplo, no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai, durante muito tempo, alguns defenderam todas as ditaduras e ajudaram a instalar a ditadura, violentando os direitos humanos. Lá houve a mesma coisa: África, Egito, Líbia.

            Agora, mandaram um avião, foram lá e, assim como bombardearam o palácio no Chile e mataram o presidente chileno, bombardearam o palácio na Líbia e mataram o filho e a mulher do atual presidente.

            Quando é que se pode e quando é que não se pode fazer isso? Quando é que pode o governo dos Estados Unidos dizer: “Não, a Líbia está bem. O Sr. Kadafi fica aí.”? E ficou trinta anos, negociando, tranquilo, o petróleo. Tudo bem. “Mas agora não nos serve mais. Vamos derrubá-lo.”

            O governo da Síria, durante trinta anos, o pai, depois o filho. Está tudo bem. Agora vão mudar. O que é isso? Que regras são essas? Aonde a gente vai chegar? E não dá mais para dizer agora: não, o negócio aqui não tem opção, até a Igreja Católica, ou é o americano ou é a Rússia; ou é o capitalismo ou é o comunismo. E o comunismo não queremos, porque mata, come criancinhas. Esse nós não aceitamos. Então, vale tudo para nos livrarmos do comunismo que a Rússia representava.

            Mas agora a luta é contra quem? A luta é contra quem? Acho que nunca o mundo teve uma ocasião tão grande de fazer uma identidade mundial, como agora nesta hora que estamos vivendo. Os Estados Unidos têm toda a força, têm toda a força, mas não podem tudo. Não podem tudo. Veja aí que, na economia, todo o poderio americano está em véspera de ser passado pela China. Quem diria? Há vinte anos morriam não sei quantos milhões de chineses por ano de fome. A Índia está ali, no mesmo caminho. Quer dizer, estamos vendo realmente um novo mundo, onde não é mais a Espanha, nem Portugal, nem a Itália, nem a Alemanha, nem a França, mas é a China, é a Índia, é o Brasil. São as nações que até então eram consideradas emergentes eternamente, mas que agora se apresentam com número e condições. Então, esta é a hora realmente de fazer o grande debate.

            Por isso, Presidente, apoio a Presidente Dilma e apoiei o Presidente Lula. Quando ele andou pelo mundo e muita gente até ria, acho que ele fez muito bem. E fez e o mundo entendeu. E o que ele fez outros estão continuando a fazer. E isso é positivo. O que queremos? Lutar contra os Estados Unidos? Claro que não. Somos irmãos dos Estados Unidos. Queremos que os Estados Unidos vão adiante, cresçam, progridam, desenvolvam mil por cento. Mas queremos ter o direito de respirar, queremos ter o direito de ser gente.

            Como é que a gente vê, depois de se aplaudir como se aplaudiu, espetacularmente, depois de dezenas de anos, a queda do muro de Berlim, que separava o comunismo do capitalismo, a violência, o sacrifício da liberdade e do amor? Caiu o muro de Berlim, agora estão construindo um muro pior entre os Estados Unidos e o México, um muro enorme, muito mais perigoso. O muro de Berlim estava ali. Olhando as construções, na tecnologia de quase um século depois, dá dó ver esse muro do México.

            Vamos mudar o Conselho de Segurança, para não ficar ali apenas a Inglaterra e a França, praticamente sem vontade pessoal, sem um voto pessoal. Mas vamos botar nações. A América do Sul tem que estar representada, a África tem que estar representada. Eu acho que se deve aproveitar isso que aconteceu para um grande debate mundial.

            É estranho o que está acontecendo lá nos países árabes. O que é que aconteceu na Síria? O que é que aconteceu na Líbia? O que é que aconteceu no Egito? O que é que aconteceu nesses países onde não teve luta, não teve revolução, não teve partido, não teve guerra, não teve nada? O povo na Internet, o povo na rua, sem líder, sem chefe, sem religião e sem nada derrubou os governos. É que a ideia desse movimento cresce a cada dia e a cada hora. Isso é um exemplo para o mundo.

            Realmente, os meios de comunicação vão começar a ser usados. O mundo inteiro vai usá-los e creio que esse será o grande diferencial. Acho que aparecerá muita gente como Obama, no início da sua campanha; como Martin Luther King, quando parecia que era uma campanha impossível no início da sua caminhada; como Mandela, na África do Sul, quando parecia uma caminhada impossível; como lá na Índia aquele excepcional herói que, sem armas, pacificamente construiu a independência da Índia.

            Eu acho que este momento é importante e é agora. Que a nossa querida Presidente entenda a posição do Brasil e que, nós brasileiros, entendamos a nossa responsabilidade e que possamos dar um passo adiante no sentido da construção desse novo mundo, que tenho convicção de que chegaremos lá.

            O mundo dividido, preparado para uma guerra a cada momento, terminou. Hoje só tem os Estados Unidos. Mas os Estados Unidos, patrão do mundo, como era o Império Romano, não têm condições. O que eles podem ser é o grande favorecido, o grande chefe, mas num mundo onde haja democracia e onde haja respeito, onde todos nós nos demos as mãos.

            Era isso que eu queria dizer, Sr. Presidente, pedindo perdão ao meu amigo Paim por abusar da sua paciência. Mas eu tinha que dizer essas coisas que, para mim, são muito importantes porque, embora muitos não se deem conta, no meio de todo esse fragor estamos vendo, ali adiante, um raio anunciando uma madrugada de uma nova aurora.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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