Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a correlação direta entre a posse de armas de fogo e os índices de violência.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão sobre a correlação direta entre a posse de armas de fogo e os índices de violência.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2011 - Página 16125
Assunto
Outros > SENADO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, FAMILIA, LOBÃO FILHO, SENADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), VITIMA, ACIDENTE DE TRANSITO.
  • ANALISE, DIVERSIDADE, ESTUDO, COMPROVAÇÃO, CORRELAÇÃO, AUMENTO, CONTROLE, COMERCIALIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, REDUÇÃO, INDICE, VIOLENCIA, DEFESA, REVISÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, AMPLIAÇÃO, DIFICULDADE, OBTENÇÃO, ARMA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (Bloco/PMDB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje vou discorrer sobre um tema polêmico: o desarmamento. Antes, porém, gostaria de me solidarizar com a família do Senador Edison Lobão Filho.

            O Senador Edison Lobão Filho foi vítima de um desastre em São Luís do Maranhão quando se dirigia ao Município de Raposa. Sofreu fratura nas pernas e perfuração no pulmão, mas se encontra em estado estável. Quero solidarizar-me com sua mãe, a Deputada Nice Lobão, com o Ministro Edison Lobão e com sua esposa, Paulinha Lobão.

            Hoje, às 9 horas, o hospital em que ele está internado, em São Luís do Maranhão, emitiu uma nota que diz: “O Senador Edison Lobão Filho foi submetido a uma cirurgia para colocação de um dreno no pulmão. Está sedado e respirando com a ajuda de aparelhos, mas o quadro clínico é estável. Sem previsão de data de alta.”

            Todos nós lamentamos. Eu conheço muito bem o Senador Edison Lobão Filho, o trabalho que realiza. Em conversa com seu pai hoje pela manhã, ele pedia que todos orássemos por seu filho. Lamentamos, mas essa é a vida.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Alberto, permita que eu faça este aparte para somar-me a V. Exª na solidariedade ao Senador Edison Lobão Filho, a seu pai, o Ministro Edison Lobão, e a toda a família, e desejar que realmente ele suplante essa fase crítica de saúde que atravessa. Tenho certeza de que ele vai recuperar-se rápido e, brevemente, estará entre nós. Portanto, a minha solidariedade.

            O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (Bloco/PMDB - MA) - Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a recente tragédia do Realengo, em que jovens no alvorecer dos sonhos foram atacados de maneira tão dolorosa, tão vil, tão desumana, torna praticamente inevitável a volta ao debate político do tema do desarmamento.

            Ainda mais, Sr. Presidente, porque a matança na Escola Tasso da Silveira não pode ser caracterizada como um fato isolado. Foi, é verdade, evento dos mais chocantes e, seguramente, o que mais tocou o sentimento de nossa população ao longo das últimas décadas. Não obstante, é inegável, também, que quase todos o dias recebemos relatos de atrocidades terríveis, nas quais a utilização de armas de fogo é fator sempre presente.

            Custo a acreditar, Srªs e Srs. Senadores, que ainda pairem dúvidas sobre a correlação direta entre a posse de armas de fogo e os índices de violência.

            Pesquisas realizadas no mundo inteiro - na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil - mostram que essa correlação existe. Mostram, particularmente, que o uso de arma de fogo por parte de vítima de algum delito aumenta consideravelmente a possibilidade de ela resultar morta ou ferida. Uma constatação que, por si só, já seria suficiente para refutar o argumento, sempre levantado pelos defensores das armas, de que elas são fundamentais para a proteção das pessoas de bem contra a ameaça de ação dos criminosos.

            De qualquer forma, Sr. Presidente, como estamos no Brasil - e até para que não sejamos acusados de basear nossas posições em realidades que nada têm a ver com a nossa - , eu gostaria de fazer algumas considerações sobre dois estudos feitos aqui, em nosso País, e que cuidam de demonstrar o quanto o desarmamento da população pode contribuir para a redução dos índices de criminalidade.

            Um dos estudos tem por base o Estado do Rio de Janeiro, o mesmo Rio de Janeiro onde ocorreu a tragédia da Escola Tasso da Silveira; o outro diz respeito a São Paulo, o Estado mais populoso da Federação.

            O estudo do Rio, Srªs e Srs. Senadores, cujo título é “Desarmamento e índices de criminalidade envolvendo armas de fogo: um exame sistemático dos dados oficiais”, foi realizado alguns anos atrás pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob coordenação do professor Michel Misse.

            Seu objetivo era “fornecer subsídios para que se avalie se as leis estaduais e federais promulgadas desde 2001 visando controlar rigorosamente a comercialização de armas de fogo produziram impacto significativo nos registros oficiais de criminalidade”.

            Pois bem. Em quase todos os gráficos e tabelas apresentados - e são muitos -, fica evidente a correlação direta entre a posse de armas de fogo e os níveis de violência. Especialmente impactante, Sr. Presidente, é um gráfico que confronta a evolução da apreensão de armas com o número de vítimas de homicídio doloso. De 1991 a 2005, enquanto os números referentes à evolução da apreensão de armas configuram uma reta ascendente, aqueles que indicam as vítimas de homicídio formam uma reta de tendência absolutamente contrária: uma reta descendente. Conclusão: quanto mais armas apreendidas, menos homicídios; quanto menos armas em poder da população, menos mortes a lamentar.

            Quanto ao outro estudo, Senador Mozarildo, intitulado “O papel das armas de fogo na queda dos homicídios em São Paulo”, foi desenvolvido pelos pesquisadores Gabriel Hartung e Samuel Pessoa. E nele, vejam só, Srªs e Srs. Senadores, também fica evidenciada a forte correlação entre a posse de armas e os números da violência.

            Utilizando dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, referentes ao período compreendido entre 1997 e 2007, os autores chegam à conclusão de que a redução de aproximadamente 60% do estoque de armas em poder da população, entre 2001 e 2007, contribuiu decisivamente para uma queda de 9 a 12% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Isso quer dizer que a cada mil armas retiradas de circulação, 150 a 200 vidas são poupadas.

            O estudo conseguiu detectar, inclusive, uma queda acelerada na taxa de homicídios por 100 mil habitantes exatamente entre os anos de 2003 e 2004, ou seja, imediatamente após sancionada a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o Estatuto do Desarmamento.

            Todos sabemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a disposição mais incisiva do Estatuto do Desarmamento - o basilar art. 35, que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para algumas entidades especificadas no artigo 6º da Lei - todos sabemos, repito, que essa disposição não foi aprovada no referendo popular realizado em outubro de 2005.

            Penso, porém, que é chegado o momento de rediscutirmos a questão. Afinal, se a simples entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, mesmo escoimado do art. 35, foi suficiente para provocar um impacto bastante significativo nos níveis de violência, parece incontestável que temos que acelerar o passo nessa direção.

            Hoje citei aqui, Sr. Presidente, dois estudos que mostram cabalmente as vantagens do desarmamento para a sociedade como um todo. Não citei esses estudos, é bom esclarecer, por algum motivo especial. Citei-os tão somente porque nos últimos dias foram os que chegaram às minhas mãos.

            Na verdade, muitos outros trabalhos - acadêmicos e não acadêmicos - apontam o mesmo resultado: a fortíssima correlação entre a posse de armas de fogo e os índices de criminalidade.

            De modo, Srªs e Srs. Senadores, que embora a radicalização quase nunca se mostre boa conselheira, estou plenamente convencido de que temos, aqui, uma situação em que precisamos ser radicais.

            No Japão, o governo resolver endurecer contra o porte de arma de fogo e se propôs a adotar uma legislação mais rigorosa. A decisão foi tomada apesar de o Japão ser uma das nações desenvolvidas com menor índice de criminalidade. Mas as pequenas ocorrências foram suficientes para uma reação do poder público japonês contra os crime cometidos com arma de fogo.

            Naquele país, a legislação repressiva da portabilidade de armas já é muito rigorosa. Alguém flagrado portando arma de fogo pode ser condenado a quinze anos de cadeia ou mesmo à prisão perpétua. Isso mesmo! Enquanto no Brasil se impediu a aprovação, em referendo, da proibição da comercialização de armas e munição, no Japão, um pessoa flagrada portando uma arma pode ser condenada à prisão caso realize um disparo.

            E, ainda, a simples posse de arma de fogo pode resultar na imputação de uma pena de quinze anos de prisão. Quando será que chegará ao Brasil o entendimento de que se precisa efetivamente reduzir a criminalidade atacada com revólver, com pistola, com fuzil, com espingarda, etc.?

            Na Austrália, existe uma das leis mais rígidas do mundo. Somente guardas e outros responsáveis pela segurança pública estão autorizados a utilizar e portar armas. As restrições são claras: a posse de armas automáticas, como fuzis e pistolas, não é legal. Dois anos depois de implantada a lei, o número de mortes por armas de fogo no país caiu mais de 50%. Entre as mulheres, a redução foi de 57%.

            Um estudo da Unesco, publicado em 2005, mostra que Austrália, Inglaterra e Japão, onde as armas são proibidas, estão entre os países do mundo onde menos se mata com arma de fogo, enquanto os Estados Unidos, um dos países mais liberais no assunto, aparecem em 8º lugar entre os países mais violentos do mundo.

            Precisamos propugnar, urgentemente, pela tolerância zero em relação às armas. Há que se rever o Estatuto do Desarmamento, para inserir, na legislação, requisitos ainda mais rigorosos - e ainda mais excludentes - para a comercialização e a posse de armas de fogo.

            Se for necessário um novo referendo, que se faça um novo referendo. Teremos, seguramente, condições de esclarecer melhor a população sobre tudo aquilo que está em jogo.

            O que não podemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é esperar que novas tragédias venham a se abater sobre a sociedade brasileira para só então tomarmos providências. Isso, afinal, seria uma grande irresponsabilidade e não temos o direito de sermos irresponsáveis.

            Sr. Presidente, o meu muito obrigado.

            Era o que eu tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2011 - Página 16125