Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos 123 anos da Lei Áurea e destaque para a herança escravocrata que se mantém no país sob a forma de desigualdade social. (como Líder)

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Homenagem aos 123 anos da Lei Áurea e destaque para a herança escravocrata que se mantém no país sob a forma de desigualdade social. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2011 - Página 16128
Assunto
Outros > SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, LOBÃO FILHO, SENADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), VITIMA, ACIDENTE DE TRANSITO.
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, HISTORIA, EXPLORAÇÃO, NEGRO, BRASIL, NECESSIDADE, ESFORÇO, CONGRESSISTA, COMBATE, HERANÇA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, EFEITO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA ESPECIAL, PROMOÇÃO, IGUALDADE RACIAL, ANALISE, RELAÇÃO, COR, POBREZA, NECESSIDADE, CULTURA, RESISTENCIA, NEGRO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador) - Sr. Senador João Alberto, eu quero aqui externar a minha solidariedade ao povo do Maranhão por momentos de extrema ansiedade que todos vivemos em relação ao acidente com o nosso Senador Edinho Lobão, pedindo a Deus que ele prontamente se recupere e que não haja lesões.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. telespectadores da TV Senado, Srs. ouvintes da Rádio Senado, 13 de maio de 1888, nesse dia, há exatos 123 anos, Isabel, Princesa Imperial, sanciona a chamada Lei Áurea, que em seus próprios e singelos termos estabelece: “É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil”.

            O nosso País foi a última nação independente do continente americano a superar uma das mais indignas condições que se pode infligir a um ser humano: a escravidão, privação da liberdade conjugada com a mais abjeta violência.

            O ato de Isabel foi a culminância de um longo e triste processo que se iniciou ainda na primeira metade do século XVI - muitos historiadores apontam o ano de 1532 -, quando o tráfico negreiro, liderado pelos portugueses, começou a transladar para o nosso território africanos que seriam utilizados como mão de obra escrava na agricultura.

            Arrancados da sua terra, privados do convívio com seus iguais, apartados de sua cultura, mas, sobretudo, subtraídos do bem mais caro ao ser humano, a liberdade, milhões de homens e mulheres negros vieram para o Novo Mundo. Ironicamente, aqui foram condenados a cumprir a lógica de uma das mais velhas, desprezíveis e degradantes práticas: a escravidão.

            Nos longos séculos que testemunharam o escravagismo na Idade Moderna, o Velho e o Novo Mundo pouco ou nada fizeram para coibi-lo. Foi apenas o advento da Revolução Industrial, capitaneada pelos ingleses, na passagem do século XVIII ao XIX, que precipitou o “despertar” de uma consciência humanista, talvez ligeiramente contaminada pelos ideais de outra revolução, a francesa, de 1789.

            E, francamente, precisamos lembrar: não foram razões humanitárias que fizeram cessar a escravidão nos vários países do Ocidente. Foi, sim, uma pressão da Inglaterra, em que o sol nunca se punha por mera voracidade econômica, nascida com a industrialização, que não prosperaria sem a formação dos mercados.

            Assim caiu também, senhores brasileiros, o apartheid na África do Sul. Eu vivia lá no tempo em que talvez o maior líder político contemporâneo, o único que podemos dizer superou o grande Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nelson Rolihlahla Mandela. Ele sabe, e amargurava, que a queda do apartheid era por que a África do Sul tinha 40 milhões de habitantes, 36 milhões eram as tribos negras - Sutus, Corsas, Tsuanas, Xangani, Ipedi - e eles não eram consumidores.

            Portanto, as empresas multinacionais não podiam mais vender para os brancos, que estavam com o consumo saturado. Era necessário incluir esse contingente no mercado de consumo. Por isso as nações todas, as nações da Europa e o próprio Estados Unidos que, nos seus 50 Estados, 49 tinham leis para não comercializar com a África do Sul...

            Eu vivi lá. A Xerox foi embora, a Volks foi embora, a Mercedes foi embora para forçar a mudança. Então, a mudança veio, assim, para vergonha nossa. Não por questões de consciência, não por questões de fé, não por questões humanitárias, mas por questões econômicas.

            Assim também foi com a escravidão. A revolução industrial precisava incorporar o grande contingente de trabalhadores, que trabalhavam 16 horas por dia, sete dias por semana e 12 meses por ano, mas não podiam consumir. Então, assim também caiu a escravidão.

            A desoladora situação, desesperadora em muitos casos, que seguiu à Abolição da Escravatura por certo não persistiu intocada nos últimos 123 anos. Na República, que viria a ser proclamada 18 meses depois da Abolição, substantivos avanços se promoveram na sociedade brasileira, com a gradativa, porém ainda não suficiente assimilação e promoção social, econômica e cultural dos nossos irmãos de descendência africana.

            Mas ainda estamos longe daquilo que é essencial em qualquer sociedade na qual prevaleçam os princípios da dignidade, igualdade e liberdade de todos. São princípios inscritos na Constituição de 1988, curiosamente promulgada no centenário da Lei Áurea. Essa foi uma homenagem do destino aos nossos irmãos.

            Na verdade, ainda estamos muito distantes de uma situação em que possamos dizer que há, em nosso País, igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.

            É o IBGE com números de 2009, que nos revela tão triste realidade. A escolarização dos brancos alcança a média de 9,2 anos, enquanto dos negros chega a 7,4.

            Um cínico diria: são apenas dois anos de diferença. Sim, mas são dois anos que fazem toda a diferença por suas inesgotáveis implicações, especialmente em um mercado de trabalho competitivo que exige cada dia mais qualificação. Ressalte-se que um branco com 9,2 anos de escola recebe 3,8 salários mínimos, ao passo que um irmão seu de origem africana, com escolaridade média de 7,4 anos, estaciona em apenas 1,8 salário, portanto menos de dois salários.

            Ainda na questão educacional, porque ela faz a grande clivagem na vida e nos horizontes de todas as pessoas, observa-se que, enquanto 15% dos brancos de 15 anos ou mais de idade são analfabetos funcionais, esse percentual sobre para 25% e vergonhosos 26% em algumas regiões do Brasil de irmãos de origem africana.

            E mais: no topo da pirâmide de formação, a universidade, a distorção é ainda maior. Entre os brasileiros de 25 anos ou mais de idade, 15% dos brancos concluíram curso superior, enquanto que esse percentual despenca para vergonhosos 5% entre os nossos irmãos de origem africana.

            Coloquei em relevo apenas uma das muitas e fundas diferenças que ainda remanescem no Brasil, segundo a cor da pele. Há muitas outras a apontar e explicar as perdas e as desvantagens da população negra, mas a educação tem caráter decisivo no sucesso ou fracasso profissional de cada um de nós.

            Vêm-se, assim, Sr. Presidente, os imensos desafios que ainda haveremos de enfrentar. E este Senado altivo há de superar todos eles, de tantos outros descompassos, que fazem o Brasil operar como uma sociedade em distintas e abismais velocidades. Uma parcela no futuro e um enorme contingente ainda em um passado que todos querem ver definitivamente apagado.

            Neste 13 de maio de 2011, creio que devemos todos renovar nosso compromisso público, sagrado, inarredável, inegociável, com a promoção da igualdade entre todos os brasileiros. É o mínimo que se espera da consciência de cada Deputado e de cada Senador do Congresso Nacional.

            Gostaria de concluir, Sr. Presidente, parabenizando e pedindo para colocar nos Anais desta Casa artigo da nossa Ministra Luiza Bairros sobre a pobreza e a cor da pobreza, quiçá todos os brasileiros pudessem lê-lo. Nossa Ministra escreve hoje na Folha de S.Paulo. É Secretaria, com status de Ministra da Política de Promoção da Igualdade Racial da nossa Presidência da República.

            Sr. Presidente, concluo dizendo que, num dia 13 de maio como este, raiou no horizonte da esperança, dessa terra tão linda que todos amamos, o sol da justiça. Nabuco, Patrocínio e a Princesa Isabel nos redimiam da vergonha extrema da escravidão. E devemos todos celebrar, hoje, o sangue rubro-negro que corre na veia de cada brasileiro.

            Aliás, isso não é apenas um ufanismo meu, não. Isso foi registrado numa última pesquisa genética feita pela Universidade Federal de Belo Horizonte, em que mostra que um negro do Rio Grande do Sul tem, no seu código genético, 53% de genes de origem africana, 40% de origem europeia, e o restante, sangue índio, de origem de índios americanos, também chamados de peles vermelhas.

            E o branco brasileiro? Tem no seu código genético 50%, 55% de origem europeia, mas tem outros 35%, 40% de origem africana, e o restante, sangue índio.

            Portanto, nesse caldeirão racial, que há quinhentos anos se retempera a alma do povo brasileiro, devemos muito aos nossos antepassados, aos portugueses, aos índios e aos negros, que nos conferiram essa grandiosa característica de sermos um povo mestiço.

            Assim, como custou o sangue de Jesus a nossa salvação, custou muito, guardando as devidas proporções, aos nossos antepassados nos conferirem esse sangue que cada um de nós brasileiros carrega hoje na sua natureza, na sua idiossincrasia, na sua maneira de enxergar a vida, nas características e peculiaridades das raças que formaram nossa nacionalidade.

            E esta Casa que é, diria, o autoforno, a imensa forja onde se retempera as essências mais puras da nossa brasilidade deve expressar as características de cada um desses nossos antepassados, dos quais nos orgulhamos muito. Assim nos identificarmos com a nossa gênese.

            Portanto, repito, é questão de orgulho, de ufanismo, de extrema alegria a parcela de sangue rubro-negro que corre na veia de cada brasileiro.

            Sr. Presidente, muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. MARCELO CRIVELLA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- Matéria publicada na Folha de S.Paulo, em 13/5/2011, de autoria da Ministra Luiza Bairros.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2011 - Página 16128