Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro do transcurso do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Aparteantes
Ivo Cassol, João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2011 - Página 17283
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, DIA NACIONAL, COMBATE, ABUSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, REPUDIO, CRIME, APROVEITAMENTO, INSUFICIENCIA, DEFESA, CRIANÇA, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, ANALISE, GRAVIDADE, PROBLEMA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Srª Presidente.

            Srª Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, hoje é o dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Vários Senadores e Senadoras me antecederam nesta tribuna para falar exatamente desta data, uma data de importância ímpar para reflexão da sociedade brasileira. E eu não poderia, também, nesta data, furtar-me de falar de um problema que acomete nossa sociedade, envergonha-nos e dá-nos muita dor.

            Com certeza, não é um dia para celebrações, até porque o ideal seria não termos a existência desta data, que ela não fosse necessária. Mas se trata exatamente de um dia para exaltar a importância da denúncia, cobrar as autoridades competentes, promover a luta contra os agressores e, enfim, chamar a atenção de toda a sociedade do País para a necessidade de defesa permanente das nossas crianças e dos nossos adolescentes.

            Uma sociedade que não cuida de suas crianças, que é a parcela mais indefesa e mais vulnerável da população, demonstra não se preocupar com o futuro. E esse, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, não pode ser o caso do Brasil. Aliás, é não se preocupar também com o presente. Cabe a uma sociedade madura, avançada, uma sociedade ciosa de seus deveres proteger e cuidar daqueles que são mais vulneráveis.

            Todos aqui já conhecem o porquê da estipulação desta data como data de enfrentamento da violência e do abuso sexual contra crianças e adolescentes. Agora há pouco, a Senadora Ana Rita voltou a relatar o caso da menina Araceli Cabrera Sanches, morta em situação muito triste, em Vitória, no Espírito Santo, e até hoje esse crime não foi esclarecido. A família calou-se diante do crime, porque os acusados pertenciam a uma família tradicional e jamais foram punidos. E o corpo da menina só foi sepultado três anos depois.

            Também foi num dia 18 de maio, aí do ano 2000, que foi sancionada a Lei 9.970, que instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, baseado em um projeto da então Deputada Federal Rita Camata. Eu queria também fazer aqui uma homenagem à ex-Senadora Patrícia Saboya, que teve importante papel nesta Casa, no Senado da República, no Congresso Nacional, de levar à frente essa luta. Agora, também, fazer uma saudação a todas as Senadoras e Senadores que participam da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, em particular à Presidente da Frente, porque essa é uma luta que tem de unir todos e não podemos deixar que ela esmaeça aqui no Senado.

            Infelizmente, a tragédia vivida pela Araceli e seus familiares é muito mais comum do que nós podemos imaginar. Por isso a importância de aproveitar essa data tão simbólica para clamar à sociedade uma reflexão sobre o assunto, coisa que já fez a Senadora Lídice da Mata, que preside a Frente aqui, no Senado Federal.

            A agressão a crianças e a adolescentes, seja ela violência sexual, seja ela violência física ou psicológica, seja ela simplesmente negligência, é uma das piores e mais cruéis formas de desrespeito aos direitos humanos; é questão jurídica e também caso de saúde pública. Uma criança não consegue defender-se sozinha, não consegue denunciar, não consegue gritar, muitas vezes, numa altura que alguém possa ouvir para socorrê-la, não consegue ir à casa de um vizinho pedir apoio. Então, realmente, é algo para o qual temos de ter um foco e um combate muito grande.

            Desde a criação do Disque Denúncia Nacional, o Disque 100, em maio de 2003 - e esses dados também foram relatados pela Senadora Ana Rita -, até 26 de março deste ano, o serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República realizou mais de 2,5 milhões de atendimento, tendo recebido e encaminhado 156.664 denúncias de todo o País. Do total de denúncias recebidas, 34% correspondem a agressões físicas e psicológicas; outros 34% correspondem à negligência e os 32% restantes são os casos de violência sexual em todas as modalidades - exploração sexual, tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração, pornografia e abuso sexual.

            É importante destacar que, nas situações de negligência e violência física e psicológica, as vítimas apresentam praticamente o mesmo percentual de gênero. Ou seja, meninos e meninas sofrem tais crimes quase na mesma proporção.

            No entanto, nos registros de violência sexual, as vítimas do sexo feminino são a grande maioria, chegando a 82% o índice nas situações de exploração sexual. No ano de 2011, a média de registros nessa categoria é de 14 casos por dia.

            O problema, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores que nos ouvem pelos canais de transmissão do Senado Federal, é que a coleta e a consolidação de dados sobre a violência contra crianças e adolescentes ainda é um processo em construção, especialmente nas ocorrências domésticas, que, na verdade, representam a grande maioria dos casos de agressão e violência contra nossos jovens e crianças.

            Investigações realizadas no primeiro mandato do Presidente Lula, pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, mostravam, à época, que 3 entre 10 crianças entre 0 e 12 anos sofrem diariamente algum tipo de violência dentro da própria casa. E o pior é que, nessas ocorrências domésticas - e aqui não há nível de renda, família pobre ou família rica -, uma parcela expressiva dos casos não é notificada. Trata-se do que alguns especialistas chamam de pacto da violência, que envolve geralmente os membros da família, mas também, por vezes, os vizinhos e até profissionais.

            Nessas situações, aqueles que teriam o dever de proteger a criança ou o adolescente paralisam-se e agem como se estivessem aliados ao agressor, desconsiderando os sinais dados pela vítima, mesmo quando há queixas explícitas ou quando as marcas da agressão são visíveis e notórias.

            Sendo assim, lamentavelmente, os números que temos referentes aos registros de violência praticada contra as nossas crianças e adolescentes estão muito aquém da realidade. Isso é uma coisa de indignar, indignar a alma humana; é uma cosia de nos chocar, de nos deixar extremamente tristes, porque os números a que temos acesso já são grandiosos demais para uma sociedade que se considera estatuída sobre o direito, ou seja, uma sociedade de direito.

            Então, imaginem se acrescermos aí os dados que não estão visíveis, esses dados que não estão computados nos mecanismos que temos na sociedade.

            Diante desses fatos, parece-me absolutamente fundamental que o Estado brasileiro procure todos os meios possíveis e cabíveis para defender aqueles que, provavelmente, são seus cidadãos mais desamparados.

            Concedo-lhe um aparte, Senador.

            O Sr. Ivo Cassol (Bloco/PP - RO) - Obrigado, Senadora. Quero, mais uma vez, solidarizar-me com a senhora e dizer que são preocupantes os dados que temos hoje em nível nacional sobre abusos sexuais em adolescentes e crianças. Eu dizia agora há pouco, em aparte à Senadora, que temos que tomar providências urgentes nesta Casa. Nós já não podemos mais aceitar. Infelizmente, temos maníacos sexuais que são irrecuperáveis. A Constituição não permite que sejam eliminados, mas, pelo menos, temos que acabar com o mal pela raiz. Precisamos aqui, nesta Casa, urgentemente, aprovar um projeto de lei para que essas pessoas sejam castradas ou quimicamente ou de que maneira for, mas que vivam no meio da sociedade igual boi na invernada, sem dar trabalho para ninguém. Desculpe-me a expressão, mas é inaceitável. Como pai, como avô, o que já assisti e o que já vi! Muitas vezes, a gente está engessado, a gente está amordaçado, a gente está algemado e não consegue fazer nada. E, aí, vêm alguns e dizem o seguinte: “Vamos levar esse estuprador para recuperar, vamos levar para fazer isso ou fazer aquilo.” Mas, infelizmente, voltam depois e praticam novamente o mesmo crime. Infelizmente, vejo isso com tristeza. Esta Casa precisa, urgentemente, de tomar providências. A senhora tem acompanhado não só o Estado do Paraná, mas os dados nacionais, os dados de Rondônia, os dados em nível de Brasil. Precisamos, urgentemente, irmanar-nos com esse propósito. Ao mesmo tempo, com certeza, se aprovarmos essa lei aqui, essas pessoas não vão mais dar trabalho, não vão mais dar despesas.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Ivo Cassol (Bloco/PP - RO) - Obrigado. Só vou terminar o aparte. Nós precisamos. É uma decisão dura, mas é uma decisão íntegra, honesta, séria e responsável, para podermos proteger as crianças daqui para frente. Com certeza, muitos animais que estão por aí, praticando esses abusos sexuais, a partir do momento em que houver a aprovação neste Senado, nesta Casa, do projeto de lei, com certeza, não vão mais cometer esses crimes bárbaros que têm cometido até hoje.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR) - Entendo a sua indignação, Senado Ivo Cassol. Sei que, quando acontecem esses crimes bárbaros que a gente acompanha, a gente tem a vontade de, primeiro, ter exatamente essa postura. Como um ser humano, um ser adulto, que deveria proteger suas crianças, comete uma barbaridade? Só não podemos nos esquecer de que isso é um ciclo vicioso. Possivelmente, muitas das pessoas que cometem essas barbaridades foram pessoas acometidas por barbaridades semelhantes. Um ser humano não dá ao outro aquilo que ele não tem. Por isso, é muito importante combater a violência doméstica e a violência familiar. Se tivermos famílias saudáveis, se tivermos famílias sustentadas, com certeza, não vamos ter violência nas ruas. Mas entendo a sua indignação, e a situação é, de fato, para nos indignarmos mesmo, porque isso entristece a alma humana.

            Aliás, por incrível que possa parecer, visto que o País possui um arcabouço legal de vanguarda nesta área, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), efetivamente, não conseguiu tirar ainda o desabrigo legal das nossas crianças e jovens. Isso ainda é um fato que assusta tanto pela discussão em torno do direito pátrio que não distingue firmeza...

(Interrupção do som.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Eu estava marcando dez minutos, mas, após a Ordem do Dia, são 20 minutos. A senhora tem direito a mais oito minutos, Senadora.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR) - Agradeço, Presidenta.

            Então, tanto pela discussão em torno do direito pátrio, que não distingue firmeza na educação da violência e agressão computados à educação familiar, quanto pelas dificuldades de caracterizar lesões corporais e, pior ainda, danos psicológicos, o fato concreto é que há dificuldades e imprecisões no nosso ordenamento jurídico para prevenção e punição de crimes praticados contra as nossas crianças e adolescentes.

            Compartilha dessas preocupações uma organização - aproveito para exaltar desta tribuna o extraordinário trabalho que ela vem desenvolvendo - conhecida por Grupo de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Dedica), ligada ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.

            O Dedica realiza, em meu Estado, um serviço importantíssimo de atendimento e acompanhamento de vítimas infanto-juvenis no Hospital de Clínicas. Coordenado pela pediatra Luci Pfeiffer, o grupo fez importante estudo, que aponta para a necessidade de projetos de lei que insiram regras nos Códigos Penal e Processual, voltadas à prevenção e repressão da violência praticada contra crianças e adolescentes.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - V. Exª permite um aparte?

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR) - Concedo, com prazer, um aparte ao nosso Senador João Pedro.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Gleise, parabéns pelo pronunciamento que V. Exª faz, chamando a atenção do Estado brasileiro, mas chamando a atenção da sociedade. No aparte, quero lembrar a importância dos governadores, dos prefeitos, do poder mobilizador que têm as autoridades, no sentido de melhorarmos nosso compromisso e nossa consciência com relação às crianças, aos adolescentes e às adolescentes do Brasil. V. Exª chama a atenção para o fato de que não são só as crianças do sexo feminino. Isso é grave, isso é sério. No pronunciamento importante de V. Exª, chamando a atenção da Casa e chamando a atenção do Brasil - porque o Brasil está assistindo à sessão -, quero dizer que, no dia de hoje, em Manaus, houve uma grande mobilização, inclusive com a presença da atriz Suzana Vieira, uma grande marcha, com mais de 50 mil pessoas, no centro de Manaus, com o lema “Esquecer é permitir, lembrar é combater!”. Percorreram as ruas, chamando a atenção da sociedade. Houve a participação do Governo, de entidades e de pessoas que militam nessa luta dura contra algo que envergonha nossa sociedade, a sociedade do século XXI. Nós passamos por essa evolução da sociedade, mas, lamentavelmente, esse comportamento contra as crianças e os adolescentes do Brasil é uma mazela, e isso nos envergonha muito. Parabéns pelo pronunciamento. Quero lembrar, também, a violência do trabalho escravo. Não só a violência sexual, mas a do trabalho escravo. São mazelas sociais que não podemos permitir, com que não podemos ser coniventes. Não podemos, também, deixar de encarar essa gravidade, no sentido de buscarmos forças, articulações, políticas públicas e leis. Já temos leis para punir e coibir, mas precisamos, acima de tudo, da consciência e da vigilância da sociedade brasileira a fim de superarmos essas mazelas contra uma população significativa do nosso País, e uma população especial, que são as crianças. Parabéns pelo pronunciamento de V Exª.

           A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco/PT - PR) - Obrigada pelo aparte, Senador João Pedro. Quero parabenizar o Estado do Amazonas por essa iniciativa e dizer que também em meu Estado do Paraná tivemos, hoje, uma mobilização grande de várias entidades, muito conscientes do papel que têm.

            Eu tive a oportunidade de participar de um programa, quando fui Diretora Financeira de Itaipu, em Foz do Iguaçu, exatamente de combate à exploração sexual na fronteira, que também é um caso que V. Exª tem na região amazônica: fronteiras muito abertas, muito amplas, que, muitas vezes, facilitam crimes como esses. Nós tivemos uma atuação com a Itaipu muito forte nesse sentido e as entidades lá da fronteira, às quais também quero parabenizar deste plenário, têm feito um trabalho de conscientização e de acompanhamento.

            Eu queria dizer, Srª e Srs. Senadores, continuando com o meu pronunciamento, que, com a participação do Dedica, realizamos no Senado Federal, há cerca de dez dias, uma reunião com o representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal do Paraná e dos Ministérios e órgãos ligados à prevenção dos direitos das crianças e dos adolescentes, para discutir assuntos que resultem em projetos de lei com vista a melhorar e a aprimorar a nossa legislação.

            Mesmo reconhecendo que o ECA já possui uma legislação bastante avançada e ousada, é preciso recepcionar esses avanços no Código Penal e Processual brasileiro, de maneira a tornar efetivo o cumprimento dos princípios protetivos constantes na Constituição Federal, bem como no ECA e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

            Temos de ter, na legislação geral do nosso País, a recepção desses outros institutos, que tantos avanços trouxeram à nossa legislação.

            A violência é um problema complexo, com muitas causas e com consequências devastadoras para crianças e adolescentes vítimas de tais agressões. E nenhuma agressão é excludente. Uma criança que sofre violência física também é agredida psicologicamente e, certamente, tem muito mais probabilidade de se tornar um adulto violento. Especialistas apontam, inclusive, que uma criança ou um adolescente que sofre abuso sexual tem grandes chances de, quando adulto, repetir essa atitude.

            Portanto, como pais, avós, tios, irmãos, como cidadãos que somos, precisamos atuar e fiscalizar a sociedade para evitar que tantas crianças como Araceli tenham os seus direitos violados todos os dias País afora.

            Como pais e como mães, precisamos, sim, estar atentos à educação dos nossos filhos. Não é fácil educar filho, não é mesmo Senadora Ana Rita? Não é fácil! A gente sabe da pressão que uma mãe tem e, muitas vezes, do descontrole que ela tem para com uma criança. Precisamos de sociedades que amparem nossas famílias, que amparem nossas mães, que ajudem na educação. Por isso o Estado brasileiro é muito importante, para ajudar as famílias e as mães a educarem os seus filhos.

            Que, neste 18 de maio, possamos refletir sobre esse cenário e mudar nossas atitudes, sendo menos omissos e mais engajados, para que nossas crianças e adolescentes possam crescer sob as garantias da Carta Magna brasileira, com proteção, saúde, educação e amor, muito amor.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2011 - Página 17283