Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do Pacto Federativo por ocasião da realização da XIV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Considerações acerca do Pacto Federativo por ocasião da realização da XIV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. (como Líder)
Aparteantes
Ana Amélia, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2011 - Página 17504
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, RELAÇÃO, NECESSIDADE, SENADO, DEBATE, DISCUSSÃO, MODELO, FEDERAÇÃO, ATUAÇÃO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, mais uma vez quero conversar sobre o Pacto Federativo.

            A propósito, relacionado a esse tema, nos últimos dias 10,11 e 12 de maio, recente, próximo, nós recebemos aqui em Brasília, tivemos uma ampla mobilização, inclusive aqui no Congresso Nacional, Senadora Ana Amélia, prefeitos e prefeitas de todo o País, acompanhados de vereadores e vereadoras, que realizaram a XIV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. Bem particular e de fundamental interesse para a Federação o tema dessa XIV Marcha: Brasil, uma federação incompleta. Mais uma vez é necessário e indispensável nós travarmos aqui um debate sobre a Federação brasileira.

            Na ocasião dessa marcha dos prefeitos, autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário manifestaram uma vez mais o seu compromisso com as causas do municipalismo, como acontece todos os anos quando da realização da marcha.

            A Confederação Nacional dos Municípios, em parceria com outras entidades, mobilizou esses prefeitos para debatermos mais uma vez o nosso modelo de Federação. E, mais uma vez, nós necessitamos... E a casa e o espaço para essa reflexão é, sem dúvida, Senador Mozarildo, a Casa da Federação brasileira, que é o Senado da República.

            Nós somos de uma Federação constituída em 1889, com o advento da República, que ainda é uma Federação de um vir a ser. É uma Federação que está a se concretizar. É uma Federação que não conseguiu encontrar concretamente a sua vocação. Tentamos um modelo, de 1891 até 1930, copiando o modelo americano de federação. Mudamos para a centralização absurda após a Revolução de 30 e chegamos ao ápice, ao fim da Federação durante a ditadura do Estado Novo, quando, na prática, passamos a existir como Estado unitário. O período de exceção de 64 a 85, mais uma vez, concentrou e centralizou os Poderes em torno da União. A Constituição de 1988 tentou, buscou descentralizar a Federação, elevando o Município à condição de um ente federativo. Lamentavelmente, a marcha recente dos prefeitos dá conta de que nós continuamos a viver em uma Federação incompleta.

            Senadora Ana Amélia, com muito prazer e honra, ouço V. Exª em aparte.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - É uma alegria, Senador Randolfe Rodrigues, que o senhor, como eu, estreando nesta Casa, se ocupe de um tema crucial das instituições nacionais. A Federação é mesmo incompleta e, de certo modo, injusta, porque as pessoas vivem na sua comunidade, vivem no seu Município, cobram do administrador municipal a iluminação, o transporte escolar, o buraco na rua, enfim, aquelas coisas do cotidiano do cidadão brasileiro, e têm que compartilhar responsabilidades com os Estados e com a União das quais financeiramente não têm a receita correspondente. Até a Constituição de 1988, a receita dos Municípios correspondia a 23% do que é arrecadado em todo o País sob a forma de impostos. Hoje está em menos de 15%. No entanto, de lá para cá, as responsabilidades e as competências das prefeituras municipais ou dos Municípios foi aumentada substancialmente em áreas vitais como saúde, educação e, em algum modo, segurança pública. Então, fico muito feliz, Senador Randolfe, pela abordagem desse tema. V. Exª, com conhecimento jurídico, institucional e histórico, também, como Professor de História, traz a esta Casa a necessidade urgente de discutirmos aqui o Pacto Federativo. Fico muito feliz com isso e parabenizo V. Exª por essa questão, trazendo à luz, como gancho, diz o jornalista, a questão relacionada ao tema da XIV Marcha, liderada por um dos maiores líderes municipalistas, o Prefeito de Mariana Pimentel, do meu Estado do Rio Grande do Sul, Paulo Ziulkoski. Parabéns, Senador Randolfe Rodrigues.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Senadora Ana Amélia, é uma honra ser aparteado por V. Exª. Sabemos que a causa da Federação tem encontrado eco nesta Casa e o aguerrimento de V. Exª em sua defesa. Veja, Senadora, que a Alemanha e os Estados Unidos... Em especial na Alemanha, que é uma república federativa e uma federação, pelo menos no texto da lei, com menor grau de autonomia que a nossa, na prática, os entes federados alemães acabam tendo um grau de autonomia muito maior que o nosso.

            Veja que um exemplo de mais um acinte à nossa Federação é o Decreto nº 7.468, de 2011, sobre os famosos restos a pagar, Senadora. Esse decreto estabelece condições de validade dos restos a pagar não processados dos exercícios financeiros de 2007/2008, estabelecendo prazo limite de execução até o dia 30 de abril de 2011. Veja, então, que esquece de obras vitais para Estados e Municípios em todo o País.

            No Estado do Amapá, por exemplo, quase o conjunto das emendas parlamentares de Deputados e Senadores, fundamentais para obras de desenvolvimento do Amapá, em virtude do Decreto nº 7.468, acaba ficando comprometido. Veja ainda, Senadora, que esse decreto tem relação direta com outro publicado em dezembro de 2010. Esse outro decreto de dezembro de 2010 estabelece um outro prazo que limita o pagamento dos restos a pagar.

            O Deputado Sebastião Rocha, do Partido Democrático Trabalhista do Amapá, que honra a bancada amapaense, recentemente fez uma justificação sobre um requerimento seu, que considero central, questionando esse decreto da Presidente da República. Esse decreto seria digno, Senadoras e Senadores, de ser um ato legislativo para que fossem sustados seus efeitos, prerrogativas que temos no Congresso Nacional, no Senado da República e na Câmara dos Deputados. Esse decreto que fixa uma data limite para o empenho dos restos a pagar inscritos nos exercícios financeiros de 2007, 2008 e 2009, que impõe que esses restos passem a ser cancelados, impinge também um grave prejuízo ao conjunto dos Estados e Municípios brasileiros.

            Só para ilustrar esse dano, vamos diretamente aos números. Os restos a pagar ainda pendentes inscritos em 2007 somam R$20,4 bilhões. Veja, Senador Mozarildo, retirar R$20,4 bilhões de Estados e Municípios brasileiros. Em 2008, R$31,7 bilhões; em 2009, R$38,2 bilhões. Veja que esses valores são relativos a obras, bens e serviços, que, por meio de convênios, iriam beneficiar a população dessas unidades federadas.

            Então, a suspensão desses investimentos, a não concretização desses investimentos não foi por culpa concreta do ente federativo, mas sim foi culpa direta da União, que em tempo oportuno não repassou os recursos necessários à realização do objeto conveniado. Então, não pode, em virtude disso, mais uma vez, a União utilizar do seu poder de arbítrio e mais uma vez penalizar Estados e Municípios brasileiros.

            Senador Mozarildo, com muita honra, tenho prazer de escutar o Senador representante do irmão Estado do Amapá, que é o querido Estado de Roraima.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Randolfe, V. Exª aborda um tema que eu diria que é recorrente. É impressionante como todo ano, e V. Exª colocou aí, existe essa marcha dos Prefeitos a Brasília. Isso não deveria haver. Deveria haver a marcha dos Ministros aos Municípios. Deveria haver a marcha dos órgãos federais aos Municípios, e não os Municípios se deslocarem para Brasília, os Prefeitos, para trazer as suas reivindicações. Disse muito bem V. Exª. Há um modelo de federação no Brasil totalmente torto. Na verdade, só dois impostos contribuem para os recursos que vão compor o fundo de participação dos Municípios: o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados. Todos os outros impostos federais que são recolhidos nos Municípios, as contribuições federais não vão para os Municípios, não vão sequer para os Estados. Então, já começa por aí a verdadeira extorsão que o Governo Federal - vamos falar bem claro, porque esse negócio de União fica muito vago, parece um ente sobrenatural - faz sobre Estados e Municípios. E também os Estados sobre os Municípios. Na verdade, a inversão da pirâmide é terrível. Como se diz sempre, o cidadão mora em uma rua de uma cidade ou de uma vila ou em uma vicinal de um interior X, ele não mora na União, ele não mora no Governo Federal. Lá é que estão as angústias dessas pessoas. E, no entanto, fica essa terrível rotina de pouco dinheiro para as prefeituras, pouca fiscalização no dinheiro que vai e, portanto, temos aí os Municípios mais pobres cada vez mais pobres e alguns poucos Municípios mais ricos cada vez mais ricos. E, o que é pior, o fato de existirem Municípios mais ricos faz com que pessoas migrem dos mais pobres para os mais ricos, agravando os problemas sociais. É uma questão de olhar com boa vontade e inverter essa lógica. Vamos fazer com que ministros, com que autoridades federais vão aos Municípios e dêem atenção. E que mais dinheiro vá para os Municípios. Vamos mudar essa questão, deixar aquela história de que todas as contribuições federais, como Cofins e outras, sejam uma coisa somente para o Governo Federal. Parabéns pelo enfoque que dá V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Senador Mozarildo, faço questão de incorporar o aparte de V. Exª.

            De fato, estamos aqui debatendo reforma política. O Presidente Sarney ainda há pouco comunicou as propostas de emenda à Constituição que vão dar cabo ao que foi resultado do debate na Comissão de Reforma Política aqui do Senado da República. Esse tema da Federação é um tema político, é um tema das instituições políticas brasileiras. E creio que é um dever nosso, como representantes dos entes federados e representantes da República, nos preocuparmos com o tema da Federação brasileira. Na prática, não pode ser aceita a infringência dos princípios constitucionais. Porque uma cláusula sensível da nossa Constituição é a nossa proclamação como federação. E veja que a Constituição de 1988 avançou nesse aspecto muito mais do que todas as constituições anteriores. Elevou, trouxe um ente novo à condição de ente federado, que é o Município brasileiro.

            Então, não pode ser aceito arbitrariamente que, em um decreto, a União retire de Estados e Municípios recursos que vão ser destinados concretamente a melhorar a qualidade de vida.

            Senador Mozarildo, nós do Amapá e de Roraima sabemos o quanto nossos Estados, que outrora foram autarquias da União, no status de Território Federal, dependem das transferências constitucionais do Fundo de Participação dos Estados, que é outro debate que vamos travar aqui, e dependem tanto das emendas parlamentares, da transferência de recursos da União.

            Aliás, nossos Estados tiveram origem na doutrina nacional de que era necessário ocupar para não perder as fronteiras nacionais. Não se pode agora admitir, aceitar que a União passe a ser tão arbitrária e autoritária na utilização dos recursos. Em uma tacada, em um decreto, retirar R$20,4 bilhões, em 2007, R$31,7 bilhões, em 2008, e R$38,2 bilhões, em 2009, de Estados brasileiros que precisam.

            De fato, temos que aqui debater o tema da Federação. E tal qual debater esse tema, debater, por exemplo, uma ação inclusive imposta para nós, que é o Fundo de Participação dos Estados. Reitero aqui: o Supremo Tribunal Federal já proclamou que a atual repartição do FPE é inconstitucional. Temos até dezembro 2012 para fazer esse debate aqui e apresentar uma nova repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados.

            Não tenho dúvida, Senador Mozarildo, Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, de que o tema da Federação é um tema que deverá ser ocupado por nós nesta legislatura. Nós temos de nos levantar contra as arbitrariedades.

            Lembremos que em outros estados federados inclusive houve conflitos em virtude do tema da Federação. É essa a experiência da Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Não precisamos chegar a tanto, mas precisamos nos consolidar como Federação e ter o respeito da União por parte dos entes federados.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2011 - Página 17504