Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) a respeito do desperdício de alimentos no mundo. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • Comentários sobre estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) a respeito do desperdício de alimentos no mundo. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2011 - Página 17521
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, AUTORIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), RELAÇÃO, PERDA, ALIMENTOS, MUNDO, AUSENCIA, ARMAZENAGEM, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, PROCESSAMENTO, PRODUTO ALIMENTICIO, OBJETIVO, ABASTECIMENTO, POPULAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu pronunciamento, gostaria de parabenizar, felicitar a Presidenta Dilma por essa iniciativa que corresponde a uma luta encetada por muitos e muitos anos de servidores de estatais que reivindicavam sua anistia. O assunto veio à tribuna por intermédio da palavra abalizada de um dos grandes baianos, um dos grandes Parlamentares deste Congresso Nacional, Walter Pinheiro, do Partido dos Trabalhadores. Tive a oportunidade de me engajar nessa luta ao lado de outros tantos Senadores, como Rodrigo Rollemberg e Paulo Paim, no sentido de que o Governo Federal reconhecesse os direitos, que finalmente foram reconhecidos, de forma cabal, pela Presidenta Dilma, ao assinar no dia de ontem esse decreto. Felicito a nossa Presidente, a nossa Presidenta, por esse ato histórico, que veio, sem dúvida alguma, trazer alegria e tranquilidade a centenas de lares no Brasil, de norte a sul do País, de servidores que deram tudo de si e que, por razões injustas, foram punidos, e agora voltam ao trabalho ou pelo menos terão o direito de receber aquilo que lhes foi subtraído durante esses anos todos.

            Sr. Presidente Rodrigo Rollemberg, tenho o prazer de vê-lo nesta Presidência do Senado Federal, V. Exª que é representante do Distrito Federal, um dos grandes representantes da capital do nosso País, que veio ainda tão jovem para ocupar um lugar de destaque no Senado Federal, agora como Presidente da Comissão de Fiscalização e Controle, do Consumidor e do Meio Ambiente. Já começa com o pé direito, fazendo ver a homens e mulheres do Distrito Federal que os votos que V. Exª recebeu corresponderam às expectativas, estão correspondendo às expectativas.

            E eu, como sergipano, já que V. Exª também é, quero felicitá-lo por esse brilho, que é reconhecido por todos aqueles que compõem o Senado Federal. Já fui vice-Presidente desta Casa e muitas vezes ocupei essa cadeira, o que é muito importante, já que ela preside os anseios e dirige a Casa Alta do nosso Congresso Nacional, que é ali presidida espiritualmente pelo inesquecível Rui Barbosa, o Patrono da nossa Instituição.

            Sr. Presidente, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO, divulgou, na última quarta-feira, um estudo que aponta que 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente no mundo. O número corresponde a aproximadamente um terço do que é produzido para o consumo humano. Esse valor, por si só, já nos provoca a reflexão. Afinal, ele nos indica que não faltam alimentos para acabar com a fome no mundo. Estará aí a saída para o problema da escassez mundial de alimentos e da alta dos preços internacionais?

            De acordo com a FAO, é possível estimar que, em 2010 - no ano passado -, havia 925 milhões de pessoas subnutridas no mundo; isto é, quase um bilhão. O estado de subnutrição, decorrente da fome crônica, é aquele em que a pessoa não ingere uma quantidade de alimentos suficiente para cobrir suas necessidades energéticas mínimas. A média é de aproximadamente 1.800 quilocalorias por pessoa, segundo os especialistas, dependendo da idade, do tamanho corporal, do nível de atividade e das condições fisiológicas de cada um, entre outros fatores.

            Apenas para termos uma pequena ideia do que significa a tragédia da fome e da subnutrição, basta ver que as crianças subnutridas não crescem de forma tão rápida como as crianças saudáveis e seu desenvolvimento mental pode ser mais lento.

            As mães que passam fome de forma contínua dão luz a bebês débeis e com falta de peso, e elas mesmas correm maior risco de morte durante o parto. A fome debilita o sistema imunológico e nos deixa mais vulneráveis a enfermidades e infecções.

            Os dados são estarrecedores: ao mesmo tempo em que 925 milhões de pessoas passam fome no mundo, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos, segundo a FAO, são desperdiçados por ano. A conta é simples: para cada pessoa que passa fome, o mundo joga fora 1 milhão e 400 mil quilos de alimentos. Isso mesmo, pelo desperdício, o mundo joga no lixo 1 milhão e 400 mil quilos de alimentos.

            O estudo da FAO, a que nos referimos, mostra que há perdas e desperdício de alimentos ao longo de toda a cadeia produtiva e de abastecimento, ou seja, da produção agrícola inicial ao consumo doméstico final. O desperdício ocorre de forma diferenciada nos países de renda média e elevada...

            O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Rollemberg. Bloco/PSB - DF) - Peço a autorização do orador para prorrogar a sessão por mais uma hora.

            V. Exª tem a palavra.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Em comparação com os países de baixa renda. Nos primeiros, o desperdício se concentra nas etapas finais da cadeia de abastecimento e na fase de consumo, quando boa parte dos alimentos vai para o lixo, mesmo que ainda estejam bons para o consumo. Nos países de baixa renda, os pobres e emergentes, o desperdício é muito menor na fase de consumo e concentra-se nas etapas de produção iniciais da cadeia de abastecimento. Os problemas estão relacionados principalmente ao uso de técnicas de colheita inadequadas, a uma gestão logística pós-colheita precária e à ausência de sistemas adequados de infraestrutura, como transporte, armazenamento e processamento. A isso se soma a falta de informações para a comercialização que permita uma melhor adaptação da produção à demanda.

            Há um dado, no entanto, no estudo da FAO, que nos permite concluir que a crise alimentar mundial não é um simples problema de escassez da oferta, mas principalmente de distribuição desigual e injusta da produção. Em outras palavras, não faltam alimentos no mundo, mas eles não chegam a quem mais precisa deles.

            O dado é o seguinte: ao considerar o desperdício de alimentos em termos per capita, o estudo da FAO aponta que os países da Europa e da América do Norte desperdiçam muito mais alimentos do que os países da África, da América do Sul e do sudeste asiático. São desperdiçados de 95 a 115 quilos de alimentos, por ano, por pessoa, nos países ricos, contra apenas 6 a 11 quilos nos países pobres e emergentes. O que os dados mostram é que o desperdício é maior onde há menos gente passando fome; logicamente, por outro lado, é menor onde há mais gente passando fome. Isso nos indica que não basta reduzir o desperdício: a questão crucial é como fazer chegar o alimento a quem mais precisa dele.

            Segundo Frederic Mousseau, Diretor de Políticas do Instituto Oakland, com sede em São Francisco, autor do livro O desafio dos altos preços dos alimentos: uma revisão das respostas para combater a fome, “não se pode usar a palavra escassez se consideramos que mais de um terço dos cereais produzidos no mundo são usados como alimento para animais, e que uma parte cada vez maior é utilizada para produzir agrocombustíveis.”

            Em 2008, foram produzidas 2,23 bilhões de toneladas de cereais no mundo, uma cifra sem precedentes. No mesmo ano, mesmo com o crescimento da produção mundial acontecendo, tivemos uma alta dos preços internacionais dos alimentos que fez surgirem manifestações em trinta países, a maioria pobre e dependente das importações.

            A alta dos alimentos se repete desde o fim de 2010. Em Moçambique, treze pessoas já morreram em revoltas populares pelo alto preço do pão. Na Tunísia, os protestos pelo aumento dos preços da farinha, do açúcar e do leite resultaram em vinte mortes. Também se verificaram manifestações, embora contidas, na China, porque é ditadura mesmo, e também na Argélia, no Egito e em outros países. Não se pode esquecer que a alta dos alimentos fez crescer a insatisfação popular contra os governos dos países do norte da África e do Oriente Médio.

            Os preços internacionais dos alimentos estão, atualmente, 36% acima dos níveis de um ano atrás, segundo o Banco Mundial. Os mais afetados são, novamente, os mais pobres, que gastam a maior parte de sua remuneração na compra de alimentos. Nesse período, por causa da alta dos preços, 44 milhões de pessoas passaram a viver abaixo da linha de pobreza. Um acréscimo futuro de 10% dos preços dos alimentos poderá levar mais 10 milhões de pessoas a viverem abaixo da linha de pobreza. Esses cidadãos, dos mais variados países, vão se somar à imensa massa da população mundial que passa fome - 1,2 bilhão de pessoas (17% da população mundial) -, que vivem com, no máximo, US$1,25 (um dólar e vinte e cinco cents) por dia.

            A crise, portanto, é provocada pela alta dos preços dos alimentos, que impacta na demanda, pois grande parte da população não consegue consumir em função dos preços elevados. De acordo com o professor Walter Belik, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, os preços dos alimentos estão sendo puxados por outros fatores que estão além da produção agrícola, tais como: a alta do petróleo decorrente da instabilidade política; a especulação com as commodities, que faz com que os alimentos virem ativos financeiros e percam status de bem de uso essencial, passa a ser um elemento de troca; segundo ele, também outro fator, o fato de os países terem deixado de formar estoques reguladores, por influência do credo neoliberal de pregar a não intervenção do Estado nos mercados.

            Então, como fazer o alimento chegar a quem mais precisa dele?

            Esta é a grande questão.

            Agir contra o desperdício é um imperativo ético e moral, já que a fome e a desnutrição são a trágica face humana desse problema. Mas é necessário, sobretudo, haver mecanismos que viabilizem uma distribuição justa e equitativa dos bens em face das necessidades. Isso passa por um maior controle internacional do preço dos alimentos, inclusive com a formação de estoques; criação de incentivos e abertura de financiamento para fortalecimento da produção em países importadores de alimentos, como os africanos, principalmente. Também precisamos de mudanças nos padrões de consumo dos países ricos, não apenas para a redução dos desperdícios, mas para que as terras agriculturáveis do sul não sirvam apenas para fornecer grãos a ração animal e ao intenso consumo de carne daqueles países. É necessário, ainda, incentivar e proteger a produção diversificada do agricultor familiar e do pequeno produtor, assim como criar mecanismos capazes de proteger os consumidores, especialmente os mais vulneráveis, que estejam em situação de insegurança alimentar.

            A questão dos alimentos nos impõe uma agenda complexa e desafiadora, no nível global e no âmbito interno dos países. Para isso é fundamental que a alimentação adequada seja pautada como direito humano fundamental. Isso significa dizer que a alimentação adequada é inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos demais direitos consagrados na Constituição Federal. Ela impõe ao poder público o dever de adotar as políticas e ações para respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à segurança alimentar.

            No Brasil, é preciso reconhecer que temos avançado bastante. Conseguimos incluir a alimentação no art. 6º da Constituição Federal. Que foi uma PEC da minha autoria e que teve a assinatura de tantos Senadores e entre eles eu incluo como um dos primeiros o Senador Paulo Paim. Esta PEC, lá na Câmara dos Deputados, teve o apoio e o entusiasmo de tantos parlamentares e aqui está presente um deles, o nosso hoje Senador Rodrigo Rollemberg.

            Por esta PEC, onde incluímos o art. 6º, da Constituição Federal, como direito fundamental à alimentação, consagrando esse direito, estamos mostrando que o Brasil está avançando, está na frente de muitos países, inclusive mais adiantados, que não têm esse dispositivo nas suas Constituições. São raros os países. Mas há uma campanha de âmbito internacional, patrocinada pela própria ONU, no sentido de que os países verifiquem a possibilidade de que os seus parlamentos consagrem o direito à alimentação, incluindo nas suas Constituições esse direito universal.

            Temos o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, instituído pela Lei nº 11.346, de 2006, que orienta o poder público na formulação e implementação de políticas, planos, programas e ações que, em conjunto com a sociedade civil organizada, buscam assegurar o direito humano à alimentação adequada. Realizamos conferência nacionais, regionais, estaduais e municipais sobre segurança alimentar, temos uma rede de equipamentos de combate à insegurança alimentar e, ainda, políticas específicas, entre as quais podemos citar, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, o Programa de Distribuição de Alimentos, programas de acesso à água e de desenvolvimento territorial.

            Temos, pois, Sr. Presidente, desde o governo do Presidente Lula, construído um modelo de política social que vem servindo de exemplo para o mundo. Nele, é fundamental a concentração de esforços públicos e privados para, de forma coordenada, fazer o País crescer distribuindo a renda, gerando empregos, tirando as pessoas da miséria e erradicando a fome.

            O Governo da Presidenta Dilma Rousseff, agora, tem nos apresentado o Plano Brasil sem Miséria, que dará continuidade ao Bolsa Família, visando a acabar com a pobreza extrema no nosso País pela combinação de transferência de renda com capacitação profissional e ampliação da oferta de serviços públicos, como energia elétrica e água encanada. Até 2014, o desafio da Presidenta é tirar cerca de 16 milhões de brasileiros da miséria - são famílias que ganham até R$ 70 per capita por mês.

            A maioria delas é negra ou parda, jovem e vive na Região Nordeste. Infelizmente, Sr. Presidente, na nossa região, de acordo com levantamento divulgado pelo Governo a partir de dados cruzados no Censo de 2010.

            Já estou encerrando, Sr. Presidente.

            Outra medida de extrema importância é a redução dos tributos que incidem sobre produtos que compõem a cesta básica. A carga tributária sobre alimentos é altamente regressiva, ou seja, quanto mais baixa a renda das pessoas, mais se compromete o orçamento para se alimentar. O Governo Federal já desonerou do PIS e da Cofins diversos itens, como hortaliças e frutas, ovos, leite, farinha de trigo, arroz e outros. Uma desoneração mais ampla deverá ser construída em colaboração com os Estados, no âmbito da reforma tributária, especialmente em razão do ICMS que, em média, compõe 17% dos preços dos alimentos.

            Finalmente, consideramos fundamental que esta Casa debata e aprove o Projeto de Lei do Senado nº 258, de 2010, de nossa autoria, que institui a Política de Desenvolvimento do Brasil Rural, cujo relator, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania é o Senador Eduardo Suplicy. Em uma outra oportunidade, trataremos desse projeto em maior profundidade. Em síntese, ele busca estabelecer normas gerais, voltadas à gestão compartilhada e à implementação de planos, programas e ações que visem ao desenvolvimento sustentável dos territórios rurais do País e à realização da dignidade de todos, sem distinção. Esse projeto tem o apoio de todas as federações, de todas as associações rurais e sindicatos do Brasil.

            Com essas ações, temos a esperança de, em um futuro próximo, vermos o Brasil não só se alimentando três vezes ao dia, como sempre lembrava nosso inesquecível Presidente Lula em sua posse, mas um Brasil de classe média, como é o desejo de nossa Presidenta Dilma, e de todos nós.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2011 - Página 17521