Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca dos possíveis problemas na construção do trem bala.

Autor
Cyro Miranda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Cyro Miranda Gifford Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações acerca dos possíveis problemas na construção do trem bala.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2011 - Página 18017
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, VIABILIDADE, NATUREZA ECONOMICA, CONSTRUÇÃO, TREM DE ALTA VELOCIDADE (TAV), LIGAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUPERIORIDADE, RECURSOS, FINANCIAMENTO, OBRAS, NEGLIGENCIA, CARENCIA, TRANSPORTE, ESTADOS, SUGESTÃO, INVESTIMENTO, FERROVIA, HIDROVIA, RODOVIA, INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CYRO MIRANDA (Bloco/PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é inegável a importância do eixo Rio-São Paulo, sobretudo no que tange ao fluxo de passageiros entre as duas capitais.

            Todavia, basta uma análise prévia sobre o projeto do trem bala, considerado obra prioritária pelo Governo Federal, para verificar que corremos risco considerável de vermos, na prática, um projeto problemático na construção e inviável economicamente.

            A primeira questão que se coloca é da legítima necessidade de se carrear montante tão expressivo de recursos para uma obra direcionada a um público seleto de passageiros, quando o país tem extrema carência de transportes de massa e de infraestrutura para o escoamento da produção.

            Nós das Bancadas do Centro-Oeste - e de outras regiões também - sabemos da luta histórica para viabilizarmos ferrovias e hidrovias para escoar commodities.

            O trem bala demandará 34,6 bilhões de reais incluindo custos socioambientais: aquisições de terras, indenizações e compensações.

            A hidrelétrica de Belo Monte, segunda obra mais importante do PAC, vai demandar 19 bilhões do orçamento, portanto, 15, 6 bilhões a menos.

            O trem bala é a maior obra do PAC, mas, com certeza, não a maior prioridade. Isso ficou claro em diversas intervenções realizadas ontem na Comissão de Infraestrutura, inclusive por Senadores da base do Governo.

            Os 34 bilhões que querem colocar nessa obra poderiam fazer uma revolução no transporte de cargas por ferrovias e hidrovias, além de possibilitarem as devidas obras de ampliação em aeroportos e rodovias brasileiras.

            Construir o trem bala no contexto atual seria ignorar todas as outras prioridades do Brasil, que gerariam muito mais riquezas.

            Seria lançarmos o país numa verdadeira aventura, que poderá representar um endividamento público a ser pago pelas futuras gerações.

            O Governo, como em inúmeras outras oportunidades, inclusive na discussão do Pré-Sal, coloca o projeto do trem bala como uma panacéia, um remédio para todos os males.

            Constrói os argumentos de uma forma tendenciosa. A nobre Senadora Marta Suplicy, em seu relatório, afirma que o projeto do TAV é conduzido de maneira séria, competente e transparente pelo Governo Federal.

            Ora, não foi o que ficou patente - ontem - na reunião da Comissão de Infraestrutura. O Governo diz que os demais modais já estão saturados, mas, deliberadamente ou não, deixa de mencionar que não foram feitos os devidos investimentos para ampliar os aeroportos de São Paulo e Rio.

            Não há estudos comparativos com investimentos em outros modais para saber se o trem bala é, de fato, compensador.

            Da mesma forma, afirma a nobre relatora, que o projeto será essencialmente privado, mas não aponta a maciça participação do Tesouro Nacional como financiador da obra.

            O Tesouro Nacional aportará 20 bilhões de reais em empréstimos subsidiados às empresas concessionárias, repassados via BNDES.

            Se houver qualquer problema no projeto, em última instância, é o contribuinte que arcará com a dívida.

            É impressionante, portanto, que a nobre Senadora Marta Suplicy afirme, em seu relatório, que “o Governo Federal deterá participação minoritária em um projeto realizado por ente privado e, em decorrência, disso receberá dividendos sobre o valor investido”.

            Com todo o respeito, isso é uma engenharia de ficção, aliás, muito usual no governo passado quando se tentou sistematicamente mostrar à sociedade a existência de superávit primário.

            É evidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que o trem bala trará benefícios sociais, mas, decerto, um montante tão expressivo poderia trazer muito mais benefícios e dividendos ao Brasil se fosse direcionado à competitividade de nossos produtos por meio da melhoria da infraestrutura do escoamento da produção.

            Vale lembrar que o trem bala foca no transporte de passageiros!

            Se a questão é promover o desenvolvimento com o incentivo a novos pólos regionais para atender às gerações que ingressarão no mercado de trabalho, certamente a construção do trem bala entre o Rio e São Paulo não é a prioridade maior do País.

            A própria decisão de se construir um trem bala e não um trem de velocidade intermediária é questionável, sobretudo quando se consideram os custos do projeto a ser realizado e a viabilidade econômica do projeto.

            O trem bala pretende ser uma alternativa à ponte aérea Rio-São Paulo, mas apresenta baixa conexão com o metrô tanto no Rio quanto em São Paulo, ao contrário dos aeroportos que estão bem localizados e próximos ao centro das cidades.

            Qual seria, então, a vantagem competitiva de o passageiro ir de trem bala e não de avião, se é grande a probabilidade de ficar preso num engarrafamento da estação ao centro do Rio ou São Paulo?

            E será que outros investimentos no transporte rodoviário e aeroviário não seriam mais sensatos e oportunos no atual contexto da economia mundial e nacional?

            Corremos o risco de fazer um esforço descomunal para realizar o projeto e vermos, depois, que, de fato, a viabilidade e competitividade do trem bala não foram analisadas friamente do ponto de vista técnico e operacional.

            Teremos embarcado não num trem bala, mas numa canoa furada!

            O pior, Srªs e Srs. Senadores, é exatamente o custo dessa obra e a participação do Tesouro Nacional.

            De acordo com estudos realizados pela Consultoria da Casa, o comprometimento do Tesouro previsto no edital de licitação do TAV já é suficiente para que este se torne um projeto grande demais para falir e mostre alta probabilidade de ter os custos e operações absorvidos pelo Estado em caso de fracasso do operador privado.

            A questão é de responsabilidade com o dinheiro público, de se analisarem os projetos sob a ótica técnica e de difusão do desenvolvimento regional.

            Para nós, a prioridade das obras deve considerar as necessidades do país, nos cenários de médio e longo prazo. Com certeza, sob esse enfoque, o trem bala não é o primeiro item da pauta.

            Sentimo-nos no dever, também, de questionar as estimativas de custo da obra e as estimativas de retorno financeiro.

            O custo da obra por quilômetro, 33,4 milhões de dólares, está abaixo das estimativas internacionais, entre 35 e 70 milhões de dólares.

            É como se houvesse uma esperança de um verdadeiro milagre na construção do projeto, porque o trem bala tem todas as características que fazem subir a estimativa do preço por quilômetro.

            O trem subirá 760 metros do Rio a São Paulo, atravessará vários túneis e tornará necessária a desapropriação de áreas com valor de indenização altíssimo.

            Mas não é só, Sr. Presidente, a viabilidade econômica de projetos dessa natureza exige volume mínimo de viagens em torno de 20 milhões de passageiros ao ano, apenas para cobrir os custos operacionais e sem considerar o retorno dos investimentos.

            O parecer da nobre Senador Marta Suplicy traz número que precisam ser rigorosamente verificados, porque apontam, por exemplo, para uma expectativa de 32 milhões de passageiros ao ano e para receitas da ordem de 2 bilhões de reais ao ano.

            Todavia, os números apontados pela Consultoria da Casa preveem que a demanda entre Rio e São Paulo para o ano base da estimativa é de apenas 6,4 milhões de passageiros ao ano, embora, no trecho São Paulo-Campinas, haja expectativa de 12,4 milhões e, no trecho São Paulo-São José dos Campos, esta seja 8,6 milhões.

            Se esta última estimativa estiver correta, o razoável seria pensar num projeto menor ligando as cidades paulistas para, então, se analisar a extensão ao eixo agora pretendido, ou seja, Rio-São Paulo.

            Ademais, a previsão da tarifa para o Brasil tende a ser mais cara que a praticada no Japão, ou seja, deverá ficar em torno de 49 centavos de real por quilômetro, ou seja, 27 centavos de dólar acima da tarifa praticada no Japão.

            O interessante é que o BNDES afirma que as tarifas cobradas pelas companhias aéreas têm atingido muitas vezes o patamar de 1,72 reais por quilômetro e seriam muito superior à tarifa-teto do trem bala.

            Afirma, também, que a tarifa de passagens aéreas para o trecho seja de 400 reais no horário de pico e 180 reais fora desse horário.

            Essa aritmética não resiste ao primeiro acesso ao valor de tarifas na Internet para a Ponte Aérea Rio-São Paulo, decerto, bem abaixo do patamar apresentado.

            Essa aritmética ignora a capacidade de reação das companhias aéreas, sobretudo quando se considera que a ponte aérea Rio-São Paulo é extremamente rentável e comporta ofertas de tarifas bem mais competitivas.

            A Avianca, por exemplo, chegou a oferecer passagens por 99 reais em janeiro.

            Aliás, se há uma característica clara do mercado de aviação no Brasil, é a redução no valor das tarifas, que, como o próprio Governo alardeia tem conquistado as classes C e D.

            Será, então, que os usuários potenciais do trem bala estarão dispostos a pagar uma tarifa bem acima do valor cobrado pelo modal aéreo?

            E a reação das companhias rodoviárias será que foi corretamente estimada?

            Entendemos que a sociedade brasileira tem o direito de conhecer melhor para onde vai o dinheiro público.

            O Governo, por sua vez, tem o dever de discutir de forma mais aberta e transparente os projetos de grande monta e não empurrá-los a toque de caixa para serem aprovados no Congresso Nacional.

            Não é justo dar prioridade a uma obra puxada por uma locomotiva que, antes mesmo de dar o primeiro apito anunciando o início da viagem, mostra um conjunto de problemas técnicos que deveriam impedir a partida.

            Muito obrigado!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2011 - Página 18017