Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre matéria publicada pela revista Veja desta semana, intitulada "Uma reserva de miséria", que trata da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários sobre matéria publicada pela revista Veja desta semana, intitulada "Uma reserva de miséria", que trata da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2011 - Página 19735
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, SITUAÇÃO, FAMILIA, VITIMA, EXPULSÃO, REGIÃO, RESERVA INDIGENA, EFEITO, AUMENTO, FAVELA, MUNICIPIO, BOA VISTA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a revista Veja desta semana publicou uma matéria sob o título “Vida Brasileira, uma Reserva de Miséria”. É sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, no meu Estado de Roraima.

            Essa questão, durante muito tempo, debati neste Senado em busca de uma solução que pudesse ser realmente justa para todos, boa para todos. Inclusive, contamos com a boa vontade do Presidente Lula, que concordou que fosse feita uma comissão temporária externa da Câmara e outra comissão temporária externa do Senado. Ambas funcionaram e concluíram seus trabalhos: a da Câmara sob a relatoria do Deputado Lindbergh Farias, hoje Senador da República; a do Senado sob a relatoria do Senador Delcídio Amaral.

            Concluímos, Senador Paim, por um modelo de demarcação contínuo, e não em ilhas, como se apregoava, porém não excludente, isto é, que respeitava as cinco ou seis etnias indígenas lá existentes e suas diferenças, que respeitava as cerca de 400 famílias que lá moravam desde 1910, 1917, portanto, há várias gerações lá presentes, respeitando também a presença de arrozeiros que compraram terras com títulos definitivos de propriedades centenárias e que produziam na faixa, na parte externa da dita reserva 25% do PIB do Estado. Infelizmente, apesar do trabalho das duas comissões externas, apesar das ações que tivemos no Supremo, o Governo Federal impôs uma demarcação contínua, excludente, tirando todo mundo, até índios que eram casados com não índias e vice-versa, ou seja, casamentos entre etnias diferentes. Os mestiços, portanto, foram retirados. Bastava não seguir o comando de determinadas ONGs.

            O que diz a revista Veja desta semana?

            O título: “Uma Reserva de Miséria”. E aqui tem a foto de um índio, sua esposa e a filha, todos os três, índios. E diz:

Cacique de favela. Chefe de sete aldeias, Avelino Pereira (ao lado) mudou-se para a periferia de Boa Vista. Acima, os [...] [não índios] expulsos da reserva em 2009. Até hoje, eles não receberam as terras prometidas pelo Governo Federal.

            Aí tem uma foto com vários não indígenas que estavam lá, como eu disse, há várias gerações, que foram assentados, Senador Mário Couto, numa região, e agora já estão sendo expulsos dessa região, porque nessa região que eles foram assentados, alguns deles, será criada uma reserva ecológica chamada Reserva do Lavrado. Quer dizer, eles estavam lá nas serras, foram expulsos e agora sofreram uma segunda expulsão.

            E diz a revista: “A demarcação da Raposa Serra do Sol, em Roraima, empurrou centenas de índios para as favelas de Boa Vista e converteu agricultores outrora prósperos em cidadãos pobres”. O jornalista que escreve a matéria é Leonardo Coutinho.

Quatro novas favelas brotaram na periferia de Boa Vista nos últimos dois anos. O surgimento de Monte das Oliveiras, Santa Helena, São Germano e Brigadeiro coincide com a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Nesse território [da reserva] de extensão contínua, que abarca 7,5% [do Estado] de Roraima, viviam 340 famílias de brancos e mestiços. Em sua maioria, eram constituídas por arrozeiros, pecuaristas e pequenos comerciantes, [pequenos criadores] que respondiam por 6% da economia do Estado. [Ele fala 6%, mas com certeza eu tenho dados concretos de que são 25% da economia]. Alguns possuíam títulos de terra, emitidos havia mais de 100 anos pelo Governo Federal, de quem tinham comprado suas propriedades. Empregavam índios e compravam as mercadorias produzidas em suas aldeias, como mandioca, frutas, galinhas e porcos. Em 2009, todos foram expulsos. O Governo Federal prometeu indenizá-los de maneira justa. No momento de calcular as compensações, alegou que eles haviam ocupado ilegalmente terra indígena. Por isso, encampou as propriedades e pagou apenas o valor das edificações.

Os novos sem-terra iniciaram o êxodo em direção à capital. As indenizações foram suficientes apenas para que os ex-criadores se estabelecessem em Boa Vista. [A revista] VEJA ouviu quarenta deles. Suas reparações variaram de 50.000 a 230.000 reais - isso não daria para comprar nem um bom apartamento de três quartos nas principais cidades do País, imagine uma outra fazenda.

Em seguida, foi a vez de os índios migrarem para a capital de Roraima.

            Cansei de alertar isso aqui, que não ia ser bom para os não índios e não ia ser bom para os índios. E aqui está a revista dizendo, algum tempo depois já.

Os historiadores acreditam que eles estavam em contato com os brancos havia três séculos. Perderam sua fonte de renda, proveniente de empregos e comércio, depois que os fazendeiros foram expulsos. A situação piorou com a ruína das estradas e pontes, até então concertadas pelos agricultores. “Acabou quase tudo. No próximo inverno, ficaremos totalmente isolados”, diz o cacique macuxi Nicodemos Andrade Ramos, de 28 anos. Um milhar de índios [eu diria que é uma conta por baixo, muito mais de milhares de índios] se instalou nas novas favelas de Boa Vista. “Está impossível sustentar uma família na reserva. Meus parentes que ficaram lá estão abandonados e passam por necessidades que jamais imaginaríamos”, afirma o também macuxi Avelino Pereira, de 48 anos. Cacique de sete aldeias, ele preferiu trocar uma espaçosa casa de alvenaria na reserva por um barraco de tábuas na favela de Santa Helena. O líder indígena diz que foi para Boa Vista para evitar que sua família perdesse o acesso a escolas, ao sistema de saúde e, sobretudo, ao mercado de trabalho.

Com o passar do tempo, a situação dos índios tem piorado. Recentemente, algumas das famílias desaldeadas começaram a erguer barracos no aterro sanitário de Boa Vista. Uma delas é a do macuxi Adalto da Silva de 31 anos, que chegou à capital há apenas um mês. Ele fala mal português, mas nunca pensou em viver da mesma forma que seus antepassados.

Mesmo porque a caça e a pesca são escassas na Raposa Serra do Sol já faz tempo. Até 2009, ele recebia um salário mínimo para trabalhar como peão de gado. Está desempregado desde então. Como os índios não têm dinheiro, tecnologia ou assistência técnica para cultivar as lavouras, os campos onde o peão trabalhava foram abandonados. Silva preferiu construir uma maloca sobre uma montanha de lixo a viver na aldeia. Agora, ganha 10 reais por dia coletando latinhas de alumínio, 40% menos do que recebia para tocar boiada. Ainda assim, considera sua vida no lixão menos miserável do que na reserva [Senador Paulo Paim, ele a considera menos miserável que na tão decantada reserva]. Ele é vizinho do casal uapixana Roberto da Silva, de 79 anos, e Maria Luciano da Silva, de 60, que também cata latas e comida no aterro. “O lixo virou a única forma de subsistência de muita gente que morava na Raposa Serra do Sol”, diz o macuxi Sílvio Silva, presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima.

Brancos e mestiços expulsos da reserva também foram jogados na pobreza. O pecuarista Wilson Alves Bezerra, de 69 anos, tinha uma fazenda de 50 quilômetros quadrados na qual criava 1.300 cabeças de gado. Um avaliador privado estimou em 350.000 reais o valor das edificações da propriedade. A Fundação Nacional do índio (Funai) deu-lhe 72.000 reais por essas benfeitorias e nada pela terra. Seu rebanho definhou. Restam-lhe cinquenta reses em um pasto alugado. Falido, ele sobrevive vendendo churrasquinho no centro de Boa Vista. Ganha 40 reais por noite. "O que o Governo fez comigo me dá vergonha de ser brasileiro", afirma Bezerra. Coema Magalhães Lima, de 64 anos, está em situação semelhante. Ela chegou a ter 200 cabeças de gado e setenta cavalos. O fato de ser descendente de índios [vejam bem: descendente de índio!] não impediu que ela fosse expulsa da reserva. Coema recebeu 24.000 reais de indenização. Ela e o marido gastam suas aposentadorias, que juntas chegam a 1.000 reais, para pagar o aluguel de uma pastagem para os 100 animais que lhes restam. "Um dia o Governo vai cumprir a promessa de me reassentar em uma área do mesmo tamanho da minha", acredita Coema.

Quando negociou a formação da reserva, o governo federal prometeu que agricultores e índios não sofreriam prejuízos. Chegou a registrar a promessa na Justiça Federal [inclusive com o aval do Desembargador Jirair, Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, designado pelo Tribunal Superior Federal]. Mas, em Roraima, a palavra, os documentos e os títulos do governo não têm valor. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) avisou que só reassentará 130 famílias desalojadas da Raposa Serra do Sol. As outras 210 ficarão a ver navios - ou melhor, canoas. Mais [ainda]: não concederá nenhuma gleba superior a 5 quilômetros quadrados. Quem tinha fazenda maior que isso arcará com o calote. Mesmo as famílias assentadas na Serra da Lua [a que me referi antes], perto da Raposa Serra do Sol, continuarão sob ameaça. O Ministério do Meio Ambiente pretende transformar essa área em reserva ambiental [a tal reserva do Lavrado]. Se a ideia vingar, 200 pequenos agricultores que vivem no local se juntarão aos desalojados que hoje estão em Boa Vista. Com o menor PIB entre as 27 Unidades da federação, Roraima já tem 68% de seu território [chamo a atenção] inutilizado por reservas florestais e indígenas. Com a [reserva da] Serra da Lua, passaria a ter 70% [do seu território ocupado por reservas federais, portanto]. Será mais um golpe nas esperanças de desenvolvimento do Estado.

            Senador Paim, eu fiz questão de ler a matéria ipsis litteris para não dizerem que eu estou usando palavras minhas, porque eu sei de cor e salteado essa questão. Eu fiz esse alerta inúmeras vezes da tribuna do Senado e disse, claramente, que eu não tenho essa questão de ideologia. Se eu tenho uma ideologia é a de ser humanista. Pela minha formação de médico, eu não distingo as pessoas pela cor da pele, pela origem ou pelo status social. Eu alertei que esses seres humanos de lá - índios, não índios -, todos iriam pagar um preço altíssimo sobre essa questão.

            Passados dois anos já da demarcação da reserva, a realidade é essa que a revista Veja mostra. Espero aqui e quero fazer um apelo mesmo à Presidente Dilma, que herdou, vamos dizer assim, essa maldade para administrar, essa malvadeza feita, que ela corrija esses malfeitos.

            Não estou pedindo aqui que ela desfaça a demarcação, mas que faça justiça a essas pessoas, que indenize aquelas que foram tiradas de lá, que os aceite, como manda a lei, em terras adequadas para que possam produzir, e que, principalmente, assista os índios, porque os índios estão saindo da reserva para morarem em favelas na periferia da capital. É essa a grande obra de atender aos índios? Foi essa a grande finalidade de demarcar a reserva indígena Raposa Serra do Sol? Foi transformar os índios de aldeados em favelados? Não foi. Com certeza, não foi, embora tenhamos, repito, alertado aqui, na Comissão Temporária Externa do Senado, com o relatório do Senador Delcídio do Amaral, do PT, e com o relatório da Câmara, do então Deputado Federal Lindbergh Farias, hoje Senador, que essas coisas poderiam acontecer.

            Vou falar também como médico. Estamos em uma realidade, Senador Paim. Vamos tratar desta realidade. Não é possível ver brasileiros, índios e não índios, índios se transformando em favelados na periferia da cidade. Aliás, a fotografia que a revista Veja publica diz tudo: o casal de índios com a sua filha num barraco de madeira, porque ele não aguentou ficar lá.

            Espero que haja realmente ação.

            Como médico também, não consigo entender, você ter um diagnóstico, saber como tratar e não tratar. O Governo Federal tem o diagnóstico, tem os remédios e precisa tratar dessa questão.

            Portanto, fica aqui o meu apelo à Presidente Dilma, aos seus ministros, aos diversos que têm a ver com essa questão. E peço, embora tenha lido, a V. Exª, Senador Paim, que autorize a transcrição na íntegra dessa matéria publicada na revista Veja desta semana.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- Vida brasileira. Uma Reserva de Miséria.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2011 - Página 19735