Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de o Senado Federal analisar de forma serena e isenta o projeto do novo Código Florestal.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Necessidade de o Senado Federal analisar de forma serena e isenta o projeto do novo Código Florestal.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2011 - Página 19926
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, OPINIÃO, ORADOR, BUSCA, DEBATE, SENADO, ISOLAMENTO, DISPUTA, INTERESSE, PARTICULAR, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, ASSUNTO, ASSOCIADO, CONHECIMENTO, AREA, CIENCIAS, OBJETIVO, MELHORIA, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente aprovação do Código Florestal na Câmara dos Deputados, ainda que por larga margem, não obteve na sociedade civil receptividade equivalente.

            Claro está que, para além das necessidades que o novo Código atende, restam imperfeições que caberá agora ao Senado examinar - e corrigir.

            Sem entrar em juízos de valor quanto ao resultado da Câmara, cuja independência e bom senso prezamos, é notório que a votação se deu em ambiente emocional, instigado por lobbies poderosos de ambientalistas e produtores rurais que prejudicaram o exame sereno da matéria.

            E sabemos que, quando a emoção prevalece, reduz-se a capacidade de avaliação e isenção.

            Tratando-se de um tema como esse - o meio ambiente - que está muito acima de ideologias e disputas partidárias, é inconcebível que se permita que seja decidido no grito.

            Nosso primeiro dever, pois, é despojar o tema de carga emotiva que sobre ele foi posta e nos debruçarmos sobre os estudos que a respeito produziram entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências.

            Não podemos ignorar que meio ambiente é acima de tudo, ciência -não ideologia.

            Não há dúvida de que é necessário um novo Código Florestal para o país, já que o anterior, de 1965, legislou sobre uma realidade já muito superada.

            Há 46 anos, o Brasil tinha menos de um terço da atual população, importava alimentos e os efeitos geopolíticos da transferência da capital federal para o Centro-Oeste ainda não tinham ocasionado a expansão da fronteira agrícola do país para o Norte.

            De outro lado, o tema da ecologia ainda não constava da agenda dos governos e a ciência não dispunha de conhecimentos que hoje tem para orientar a elaboração legislativa dessa matéria.

            Por essa razão, o Código de 1965 teve que receber, de duas décadas para cá, emendas sucessivas, para ajustar-se a uma realidade ambiental já sob o exame mais acurado da ciência, de modo a preservar o equilíbrio e a biodiversidade da natureza brasileira.

            Resultou disso uma colcha de retalhos - mais de 60 emendas -, que impôs a necessidade de se elaborar um novo Código.

            E esse reexame, longe de afrontar a Câmara, apenas põe em prática os fundamentos do sistema bicameral, cujo objetivo é exatamente este: aprimorar as propostas legislativas antes que se transformem em lei.

            Feito esse preâmbulo, vamos aos pontos que considero indispensáveis nesta reavaliação da proposta.

            Comecemos pela regularização ambiental, o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que o novo Código propõe que deixe a esfera exclusiva do Governo Federal e passe também à dos Estados e Municípios.

            Esse programa define as regras para que o proprietário de terra que praticou desmatamento ilegal recupere sua condição legal.

            O Governo Federal argumenta - e com razão - que a descentralização desvia o sentido preservacionista do programa, na medida em que fatalmente induz Estados e Municípios a usá-lo como fator de atração de investimentos, oferecendo medidas de flexibilização em relação aos limites de desmatamento.

            Teríamos, então, uma versão ambiental do que ocorre na área tributária com a chamada guerra fiscal. Seria desastroso para o país, com riscos de aumentar a incidência de tragédias climáticas que, nos últimos tempos, têm marcado a vida brasileira.

            O relatório aprovado prevê ainda, nessa questão, outra incongruência: estabelece que, se o produtor cumprir as exigências do Programa de Regularização...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. Bloco/PMDB - AP) - Senador Valadares, pediria a V. Exª licença para registrar a presença no plenário dos alunos do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Classe II de Ceilândia, Distrito Federal.

            Muito obrigado a todos pela visita.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - O relatório aprovado prevê ainda, nessa questão, outra incongruência. Estabelece que, se o produtor cumprir as exigências do Programa de Regularização Ambiental, suas multas serão convertidas em preservação e suas atividades, legitimadas. E a incongruência aí está: como recuperar áreas desmatadas e, simultaneamente, legitimar o desmate? É claro que, com essa opção, vai prevalecer o desmate.

            Subscrevemos, pois, quanto a isso, as restrições já manifestadas pelo Ministério do Meio Ambiente e chanceladas pelas entidades científicas que mencionei - SBPC e ABC.

            Outro ponto refere-se às Áreas de Preservação Permanente - as APPs. Nessa questão, extremamente delicada, já que envolve pequenos e médios agricultores, em áreas plantadas há décadas, o Governo transigiu no limite.

            Admitiu a plantação de cana, fumo, café, maçã, uva e outras frutas em matas ciliares, encostas e topos de morros. Mas não transige com um item incluído na proposta aprovada na Câmara: a inclusão da cana de açúcar, cultura de ciclo longo, entre as admissíveis nessas áreas de APPs, bem como a criação de gado nos topos de morros, bordas de tabuleiro e chapadas e áreas com mais de 1.800 metros de altitude, locais cientificamente classificados como APPs.

            Com relação à anistia aos proprietários de imóveis de até quatro módulos fiscais - de 20 a 400 hectares -, dispensados no relatório Aldo Rebelo de recompor a reserva legal desmatada, é um tema a discutir - e o Governo já acenou com a disposição de transigir.

            Mas não nos parece justo, nem adequado, muito menos moral, o que estabelece a emenda que libera plantações e pastos feitos em áreas de preservação permanente até julho de 2008.

            O Governo, nesse particular, preocupa-se não apenas com o dano ambiental - já em si gravíssimo -, mas com o sentido moral e simbólico de beneficiar quem mal cumpriu as normas que protegem o meio ambiente.

            Abre-se aí um precedente para que os desmatadores continuem a agir e, no futuro, pleiteiem nova anistia. Conhecendo a natureza humana, não podemos deixar de considerar essa hipótese.

            Por essa razão, o Governo se opôs à retirada dos arts. 58 e 59 do relatório Rebelo, que previam punição para quem desmatou ilegalmente e impunham ainda restrições à concessão de crédito e sanções para quem descumprisse o embargo.

            É inadmissível, Sr. Presidente, e nisso não há como divergir, que se retirem os instrumentos punitivos para quem foi condenado em processo administrativo e é reincidente na infração.

            Insisto: não se trata apenas de questão ambiental, mas de cláusula moral. O Legislativo não pode legitimar o que é ilegítimo.

            Não há como negar a importância que a agropecuária tem hoje para a economia brasileira, onde, além de gerar renda e emprego no campo, responde por sucessivos superávits na balança comercial.

            O Brasil ocupa hoje o primeiro lugar na exportação de soja; possui o maior rebanho bovino comercial do mundo; é o maior exportador de café, açúcar, suco de laranja e carne bovina; ocupa posição de destaque em diversas outras cadeias produtivas do agronegócio; e ainda é um dos maiores produtores mundiais de biocombustíveis.

            Esse êxito, no entanto, não exclui o fato de que essa performance produziu alguns efeitos colaterais nocivos, que podem - e precisam - ser corrigidos.

            O processo histórico de ocupação do território brasileiro resultou, em alguns casos, no aumento das pressões sobre o meio ambiente, em processos erosivos, na perda da biodiversidade, na contaminação ambiental e em desequilíbrios sociais.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Peço a V. Exª mais dois minutos para terminar, Sr. Presidente.

            O desperdício de recursos naturais decorrentes do uso inadequado das terras, segundo estudos do SBPC e da ABC, é uma realidade a ser enfrentada, levando a repensar - e ajustar - essa ocupação para evitar os erros do passado e promover uma gradual adequação ambiental da atividade rural, sem prejuízo da exuberância produtiva que exibe.

            Daí a importância desse novo código, da necessidade de colocá-lo acima de disputas partidárias ou ideológicas.

            A votação na Câmara foi tratada na mídia e por alguns partidos políticos em termos de vitória ou derrota do Governo. Mas o que está em pauta não é isso. A vitória ou derrota, nesse caso, não será do Governo ou da oposição, mas do País.

            É ele que pagará a conta do desfecho. E é essa responsabilidade que está posta sobre o Senado, incumbido que está de rever a matéria - missão para a qual peço a máxima serenidade e isenção, em respeito à natureza e à segurança da população brasileira.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, antecipando já os grandes e profundos debates em torno do novo Código Florestal, que será debatido nesta Casa.

            Agradeço.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2011 - Página 19926