Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da reforma agrária como uma medida necessária para um projeto de nação baseado nos interesses do povo brasileiro; e outro assunto. (como Líder)

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Considerações acerca da reforma agrária como uma medida necessária para um projeto de nação baseado nos interesses do povo brasileiro; e outro assunto. (como Líder)
Aparteantes
Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2011 - Página 19980
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, REGISTRO, DENUNCIA, MORTE, AGRICULTOR, COMBATE, LATIFUNDIO, REGIÃO NORTE, NECESSIDADE, ORADOR, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos muitos temas importantes que se alinham à ideia que o PCdoB - Partido Comunista do Brasil - tem defendido para que o nosso País efetivamente possa dizer que está construindo um projeto de Nação baseado nos interesses maiores do povo brasileiro. Isso inclui temas centrais, como a questão há pouco aqui abordada sobre a política econômica, aspectos da política econômica brasileira; diz respeito à política de juros praticada pelo Banco Central; diz respeito à taxa de câmbio praticada pelo Governo brasileiro - essa ideia de câmbio flutuante; diz respeito à questão de superávit primário estabelecido também um tempo atrás na economia nacional para fazer frente a pagamentos de juros e amortização da dívida brasileira; diz respeito ao debate da construção do nosso caminho, à questão da reforma tributária no Brasil, à consolidação do processo democrático com respeito àquilo que construímos, especialmente na Constituição, que foi a liberdade de organização partidária, que a toda hora se busca ceifar. E a nossa Casa congressual, seja a Câmara, seja o Senado, via de regra entra nesse debate de forma enviesada, fazendo coro com os setores mais reacionários e conservadores da sociedade brasileira, que querem restringir a participação político-partidária no Congresso Nacional especialmente.

            Poderíamos alinhar também, entre essas grandes questões de um projeto mais ousado de pôr o Brasil de pé, as questões do campo do trabalho: do trabalho industrial, urbano, com as inovações que se têm apresentado desde 1988, agregando-se à CLT conquistas em todos os campos em que precisamos avançar, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho. Temos tido ganhos mais que velozes de produtividade, automação - todas as áreas da ciência têm avançado significativamente -, permitindo que o homem trabalhe bem menos e possa cada vez usufruir mais, ter mais direitos, aumentar as suas conquistas em todos campos da arte, da cultura, do lazer, do divertimento, o que hoje é suprimido da maioria do povo brasileiro, da sua formação cada vez maior. Então, temos aí um espaço grande no mundo do trabalho para discussão, para debate.

            Mas queria, Sr. Presidente, entrar em um tema em que, às vezes, pode ser feita certa confusão, se quisermos usar de forma oportunística o debate em torno dele. Refiro-me à luta histórica dos trabalhadores brasileiros, cuja discussão foi e é necessária: a questão da reforma agrária no Brasil.

            Em face do avanço tecnológico também no campo, muitas vezes se anuncia: “Não, mas esse negócio de reforma agrária, isso já não é mais necessário”, como se a tecnologia tivesse respondido essa questão da reforma agrária.

            Podemos dizer que a reforma agrária do século XIX, praticada na Europa, nos Estados Unidos e em boa parte do Planeta, digamos, você não a repetirá. Mas a reforma agrária, nas condições de hoje, com alta tecnologia no campo, ela tem espaço para se materializar, num processo de cooperação entre trabalhadores do campo, trabalhadores rurais. Onde, minimamente, estabeleceu-se uma produção em minifúndios, como é o caso de Santa Catarina, como é o caso de parte significativa do Estado do Paraná, do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente nesses três Estados do Sul do Brasil, o processo de cooperação entre os trabalhadores e os pequenos produtores tem permitido saltos econômicos significativos. Então há, sim, espaço para a reforma agrária no nosso País, e o tema não pode ser tratado de forma que se busque, primeiro, para aqueles que lutam em defesa da reforma agrária, uma tentativa de criminalização, de satanização dos movimentos sociais que lutam pela bandeira da reforma agrária.

            Digo isso porque o meu partido, historicamente, levantou essa bandeira lá atrás, quando poucos na sociedade a levantavam. E hoje eu posso dizer que essa é uma bandeira de quase consenso na sociedade brasileira.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um consenso urbano e em setores rurais importantes, mas ainda há uma resistência gritante por aqueles que lutam em defesa da terra para os que trabalham, para os que produzem, para os que querem trabalhar na terra, aqueles que querem a reforma agrária.

            Sr. Presidente, quero reafirmar aqui a denúncia dos novos massacres de trabalhadores rurais defensores da reforma agrária, gente que quer produzir no campo, que quer produzir feijão, arroz, mandioca, milho, que quer alimentar o povo brasileiro, que quer alimentar a sua família e o povo brasileiro.

            É por esta razão que, infelizmente, no Brasil, temos que bradar ainda de forma forte, porque é preciso dar um basta aos crimes no campo. Basta de crimes praticados por aqueles que resistem ao processo de reforma agrária no Brasil! É preciso denunciar os crimes do latifúndio e não fazer confusão entre a luta histórica pela reforma agrária e um debate em curso no Brasil em torno da questão do Código Florestal, porque senão vamos cair no oportunismo de nos aproveitar dos cadáveres de homens lutadores do povo para defender posições na nossa Casa ou mesmo na Câmara dos Deputados.

            E, mais uma vez, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o sangue de trabalhadores e de comunistas que encharca o nosso chão, o nosso solo. Na semana passada, repetiu-se a rotina - podemos dizer - inaceitável, perniciosa ao processo de construção do projeto nacional e macabra, levando as vidas dos extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, no Pará. Também foram mortos o agricultor Eremilton Pereira dos Santos, provavelmente por ser testemunha da execução do casal, e o líder camponês Adelino Ramos, o Dinho, em Rondônia. O Dinho, Sr. Presidente, já tinha, podemos assim dizer, escapado e era um sobrevivente, no sentido literal da palavra, do massacre de Corumbiara, em Rondônia, em 1995, quando três trabalhadores rurais foram assassinados. Ele conseguiu escapar e aumentou seu protagonismo à frente da luta, sendo um dos fundadores do Movimento Camponês Corumbiara, que é o único dos trabalhadores rurais sem terra naquele Estado.

            Naquele período, aproxima-se do nosso partido e passa a fazer parte de sua direção estadual em Rondônia. Em 2007, foi um dos fundadores da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, a CTB, e membro de sua direção estadual.

            A luta de Dinho, José Cláudio e Maria era contra o latifúndio. Defendiam a reforma agrária. Defendiam a floresta e a reforma agrária em benefício dos pequenos agricultores e contra a exploração predatória do latifúndio. Eram vigilantes implacáveis e incansáveis. Esses homens lutadores não queriam que os poderosos, os grandes de sempre, usassem e abusassem do nosso território, extraindo madeira ilegal, fazendo derrubadas inconsequentes para poder tirar proveito, ganhando e fazendo fortuna às custas da riqueza daquela nossa região. Foram mortos por isso.

            Só em Rondônia, segundo cálculo de Dinho, são tirados ilegalmente trinta mil metros cúbicos de madeira e vinte mil cabeças de gado todo o mês.

            Quase do outro lado da Amazônia, José Cláudio e Maria resistiam, na mesma pegada, contra o latifúndio.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eram lutadores, defensores, digo uma vez mais, da reforma agrária. Queriam produzir mais riqueza para o nosso povo, mas queriam que os pequenos, que os sem terra tivessem acesso à terra para produzir.

            O objetivo do Movimento Camponês Corumbiara é agir contra as ilegalidades no campo. Tratava-se, como dizia Dinho, de uma luta justa, pacífica, em busca da dignidade do trabalhador rural. É essa a metodologia do Movimento Camponês Corumbiara, explicou Dinho. E muitas vezes Dinho e os demais foram anunciados como marcados para morrer. As autoridades de todos os níveis, estadual, Federal e municipal, agora, inquietam-se e garantem todo o empenho pelo fim da violência e pela punição dos criminosos.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Mas é preciso mais! É preciso transformar as palavras em realidade, rasgar o véu que acoberta o desrespeito à lei, à dignidade e à vida. Entra ano e sai ano, a impunidade tem sido a regra. Somente no Pará, onde a violência contra os trabalhadores rurais tem sido mais aguda, dos 34 assassinatos de 2010, 18 foram cometidos lá.

            Há um passivo judicial que acoberta crimes e criminosos.

            Por favor, onde está o Judiciário? Onde estão as autoridades judiciárias para dar garantia de que esses criminosos sejam punidos?

            Foram cometidos, nos últimos 40 anos, mais de 800 assassinatos de trabalhadores rurais no Pará, apenas 18, pouco mais de 2% do total, foram a julgamento, somente oito foram condenados e, destes, um único cumpre a pena, um em 800. Esse é o retrato da impunidade que exige um basta e impõe a punição de empreendedores criminosos, que usam o nome de empreendedores para roubar terras, madeira e vidas. 

            Em homenagem a José Cláudio, Maria e Dinho é preciso proclamar. Esses homens e mulheres do povo deixam essa bandeira na mão de milhões de brasileiros para manter a sua luta firme e continuada. E ela só vai terminar com a conquista da reforma agrária, da democracia e da justiça no campo, meu caro Randolfe, a quem dou um aparte neste instante.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Querido Senador Inácio, quero cumprimentar V. Exª pela lembrança que traz. Nós do Senado, do Congresso Nacional, temos que refletir sobre esses assassinatos no campo. Fico feliz em saber que no dia de hoje foi aprovada e designada uma comissão proposta por sua companheira de partido, Senadora Vanessa Grazziotin, propondo que uma comissão de Senadores acompanhe de perto as investigações que estão em curso sobre os assassinatos ocorridos no Pará e o assassinato de Dinho, em Rondônia. E estes somam-se, lamentavelmente, a um conjunto de tristes números. A Comissão Pastoral da Terra divulgou recentemente o relatório de mortes no campo e tem demonstrado que, em especial na Amazônia, na nossa região, têm aumentado os casos de crimes contra os trabalhadores rurais. Senador Inácio, são trabalhadores que defendem a floresta, que têm defendido o meio ambiente e, como responsáveis pela agricultura familiar, são responsáveis - como já foi dito por V. Exª - pela ampla maioria da produção agrícola do País. Só para se ter uma ideia, 95% do feijão que chega à mesa do brasileiro é proveniente da agricultura familiar; 98% a de hortifrutigranjeiros; é de 70 a 80% a de carnes e leites. Dos 4,8 milhões de propriedades agrícolas no Brasil, 4,1 milhões - 85%, portanto - pertencem à agricultura familiar. É esse o papel defendido por esses lutadores do povo, que colocam comida na mesa dos brasileiros, que defendem a floresta, que preservam de fato e concretamente o meio ambiente. E é por isso que não pode passar impune e o Brasil não pode continuar na lamentável condição de ser um dos únicos, se não o único país das três Américas que ainda não fez, de fato, uma radical reforma agrária. Cumprimento V. Exª. Reitero que esses crimes não podem ser em vão. É fundamental - parece-me que, neste sentido, a Presidenta Dilma já agiu - que esses crimes sejam federalizados, sejam tratados como crimes contra os direitos humanos, crimes contra o Estado brasileiro, porque de fato os são.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Agradeço a V. Exª o aparte. Espero que V. Exª possa estar nessa Comissão, que vai contribuir e vai ajudar para que o Senado da República tenha uma visão mais clara desses assassinatos premeditados.

            Os três mortos, José Cláudio Ribeiro da Silva, Maria do Espírito Santo da Silva e o Dinho, já constavam em listas predefinidas de que seriam mortos seguidamente. Em 2010, foi anunciado que eles seriam assassinados. Em 2011, o ano começou com ameaça de morte para os três.

            Portanto, as autoridades, com esse conhecimento, sabendo que essas pessoas estavam ameaçadas, mesmo assim, não lhes garantiram a segurança devida. Eram lideranças destacadas, eram pessoas respeitadas no âmbito de sua atuação no movimento camponês no Estado do Pará e no Estado de Rondônia.

            A morte premeditada é um crime ainda mais grave, que nós devemos examinar o mais rápido possível.

            Eu quero, Sr. Presidente, ao fazer esse registro, dizer que outros, como Adelino, João Cláudio e Maria do Espírito Santo, foram assassinados como lideres dos lutadores pela reforma agrária. Mas existe uma lista com mais de 40 nomes indicados para serem premeditadamente mortos nessa região.

            É inaceitável e é urgente que o Estado brasileiro...Por isso, louvo a decisão do Senado Federal de constituir uma comissão especial para examinar essa realidade do campo, especialmente na região, porque é onde nós temos o maior número de atentados à vida daqueles que lutam pela reforma agrária.

            Nós todos temos de nos irmanar com as famílias, com os amigos, com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, com o Movimento dos Sem Terra da região, na defesa da reforma agrária e de suas bandeiras e de suas causas, temos de dar-lhes apoio, porque defendem causas justas. Ao mesmo tempo, temos que pedir que o nosso Estado, por iniciativa do nosso Governo e também do Congresso Nacional, garanta a segurança desses homens que lutam para garantir produção. Eles querem produzir, alimentar seus filhos, suas famílias e o povo nessas regiões, e muitos em todo o Brasil.

            Por isso queremos registrar, Sr. Presidente, uma vez mais sublinhar essa denúncia sobre esses assassinatos descabidos que se mantêm em nosso País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2011 - Página 19980