Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o impacto dos embargos impostos pelas autoridades sanitárias russas à carne brasileira na economia do País; e outros assuntos.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA. COMERCIO EXTERIOR. POLITICA SOCIAL. DROGA.:
  • Considerações sobre o impacto dos embargos impostos pelas autoridades sanitárias russas à carne brasileira na economia do País; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2011 - Página 20964
Assunto
Outros > PECUARIA. COMERCIO EXTERIOR. POLITICA SOCIAL. DROGA.
Indexação
  • CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, EMBARGO, CARNE, ORIGEM, BRASIL, ALEGAÇÕES, FALTA, QUALIDADE, CONTROLE SANITARIO, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, RESPOSTA, GOVERNO BRASILEIRO, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO PUBLICO, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, SANIDADE ANIMAL, OBJETIVO, PREVENÇÃO, PREJUIZO, EXPORTAÇÃO.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, CONVITE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTICIPAÇÃO, DEBATE, ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO, CONSUMO, DROGA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente Senador Paulo Paim, Senadores e Senadoras, nossos telespectadores que acompanham nosso trabalho pela TV Senado, nossos ouvintes da Rádio Senado.

            Ontem na tribuna abordei a indignação e a surpresa da indústria de carnes brasileira, e especialmente do nosso Estado do Rio Grande do Sul, mas, imagino, também do Paraná, do Senador Roberto Requião, do Mato Grosso, de Pedro Taques, de Blairo Maggi e de Jayme Campos, que foram afetados pelo embargo, determinado pelas autoridades sanitárias russas, à carne brasileira que chega àquele país.

            Para se ter uma idéia da dimensão desse gravíssimo problema, basta dizer que em 2010 a gente exportou o equivalente a 2 bilhões de dólares em carne para aquele mercado, carne bovina, carne suína e de frango.

            O impacto dessa decisão sobre a economia desses três Estados, mas especialmente do Rio Grande do Sul, imagino também do Paraná, será violenta, um arrasa-quarteirão, como disseram alguns líderes a começar pelo Presidente da Ubabef, Francisco Turra, que conhece bem a matéria, foi ministro da Agricultura, um dos líderes do setor do nosso País e que, ao comandar a Ubabef, tem a atendido muito.

            A surpresa maior, Presidente Paulo Paim, é que as alegações da Rússia foram questões de ordem sanitária, o controle sanitário da carne vendida para aquele mercado, havendo desqualificação deste serviço de controle sanitário.

            Não é possível aceitar essa justificativa russa, uma vez que o Brasil exporta para mais 150 países; países desenvolvidos. Foi surpreendente, porque há dois meses uma missão técnica esteve no Rio Grande do Sul; o próprio vice-Presidente Michel Temer, no mês passado, fez uma visita oficial à Rússia, e em nenhum momento houve menção específica sobre esse risco. Daí a surpresa com essa medida ontem, ao tomarem conhecimento especialmente os frigoríficos do nosso Estado não só aqueles que exportam carne bovina, mas especialmente de carne suína e de frangos.

            Suspeita-se no âmbito diplomático e político que a Rússia, com essa medida, esteja fazendo uma espécie de “dar o troco” ao Brasil, que não tomou uma posição firme no sentido de apoiar a entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa posição pode ser de discutível validade na justificativa desse embargo.

            O fato é que o Governo brasileiro precisa reagir de maneira firme e enérgica para mostrar a qualidade do serviço. Como conheço um pouco a atividade agropecuária, especialmente o setor exportador de carnes, nessa diversificação que fez do Brasil o segundo maior exportador mundial - compete com igualdade de condições e, em alguns casos, com maior capacidade competitiva, Presidente Paulo Paim - penso que as autoridades brasileiras precisam, com essa decisão da Rússia, ampliar substancialmente o Orçamento da União - nem sempre aplicado no montante que foi liberado para esta finalidade, a sanidade animal -; fazer o imponderamento dos fiscais federais agropecuários que realizam esse serviço de grande qualidade, mas é preciso reforçar as equipes que fazem esse trabalho, ampliar os laboratórios de análises específicas para essa finalidade e liberar os recursos orçamentários previstos. Não pode permitir, numa matéria dessa natureza, que significa também segurança alimentar, que o Brasil corra esses riscos permanentes de ser surpreendido com essas decisões unilaterais.

            Então é preciso urgentemente que Governo brasileiro tome a iniciativa também do ponto de vista técnico com o Ministério da Agricultura e a Secretaria de Defesa Sanitária Animal, além da liberação do recurso necessário para isso.

            E no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, não há dúvida que o Governo precisa reagir imediatamente a essa tentativa de criar um problema grave sem justificativa técnica.

            Do ponto de vista político e diplomático, pode até haver, na decisão da Rússia, esse interesse de que o Brasil assuma uma posição mais firme de apoiar a entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio.

            Este é um detalhe muito técnico. Quer dizer, se o Brasil, certamente, está tomando essa decisão, o Governo brasileiro, possivelmente, deve estar avaliando essas condições dentro do conjunto do que exige a Organização Mundial do Comércio para a questão exatamente da entrada, ou não, da Rússia.

            Para se ter uma ideia da importância que a avicultura representa para a economia brasileira, os dados do ex-Ministro Francisco Turra, líder da Ubabef, são de que 450 mil pessoas, Senador Paim, 450 mil pessoas estão diretamente vinculadas à avicultura brasileira, que, aliás, em outubro, realizará o XXII Congresso Brasileiro. E na próxima quarta-feira, estaremos, junto com o Presidente Francisco Turra e Senadores de Santa Catarina e do Paraná, levando ao Ministro Luiz Sérgio, da Articulação Política e Institucional, o convite para que a Presidenta Dilma Rousseff participe. O encontro vai ser em outubro, em São Paulo, imagino que, até lá, esse embargo que a Rússia impôs à exportação da carne brasileira já tenha sido derrubado por negociações bem feitas e também por compromissos em relação à qualidade sanitária.

            No caso da suinocultura, o impacto vai ser maior porque o setor já está vivendo, na região Sul, em especial no meu Estado, uma crise muito séria em relação aos preços pagos pelos produtores. Valdecir Folador, que é um dos líderes da suinocultura, revelou que são dez mil famílias afetadas no meu Estado em relação à produção e à exportação da carne suína de um setor extremamente importante, mas também muito vulnerável às oscilações do mercado. O embargo russo à carne gaúcha de suínos, bovinos e de aves de 35 frigoríficos, Senador Roberto Requião, a partir de 15 de junho próximo, representará uma perda mensal, só para o Rio Grande do Sul, de US$46 milhões, cerca de R$72 milhões pela cotação de ontem.

            Concedo, com prazer, o aparte a V. Exª, Senador Roberto Requião, que governou o Estado do Paraná.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Hoje, Senadora, o maior produtor de frangos do País é o meu Estado, o Paraná, que é um grande produtor de suínos também. Mas a observação que quero fazer tem outro sentido. Já estive na China algumas vezes. Numa conversa com o então Ministro Li Peng, ele me dizia da sua preocupação com a produção de suínos na China, porque eram unidades de produção de oitenta a cem mil cabeças de suínos de uma vez só, o que provocava uma poluição fantástica. Então, essa abertura do mercado chinês é interessante, por um lado, para o Brasil, mas me traz preocupação por outro. Nós não podemos, de maneira alguma, reproduzir essa concentração de produção de suínos como eu vi na China, com condições sanitárias absolutamente intratáveis.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Problemas ambientais sérios.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Problemas sanitários muito grandes. Então, o Ministério da Agricultura tinha que, de alguma forma, intervir nesse processo e regulamentar, em plantas separadas, com condições sanitárias, e jamais com essas quantidades absurdas, que, segundo sei, hoje vão a duzentos mil porcos numa criação chinesa. E outro aspecto é nós nos subordinarmos a um único fornecedor: “Vamos produzir suínos para a China”. Em determinado momento, um problema comercial qualquer do Brasil com a China faz com que eles paralisem a compra, causando-nos um prejuízo simplesmente brutal.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Já aconteceu com a soja, Senador.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Já aconteceu com a soja. Então, nós temos que ficar com as barbas de molho com as vantagens. Eu vi muita euforia nessa abertura do mercado chinês e não vi nenhuma preocupação semelhante à que eu manifesto neste momento.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Muito obrigada, Senador Roberto Requião.

            Do ponto de vista comercial, cito aquele velho axioma, aquele ditado, aquela receita infalível - no interior do Paraná deve ser igual a como se diz no Rio Grande -, de que não se devem colocar todos os ovos num cesto só. Essa é a questão da concentração em um único mercado.

            No caso da carne, a Rússia absorve 50% da carne que nós exportamos, especialmente a carne suína. Portanto, essa dependência é realmente perigosa. Aconteceu com a soja, como V. Exª muito bem lembrou, em relação à China, que alegou o problema de que estávamos vendendo semente e não a soja em grão para processamento industrial.

            Quanto à questão ambiental, no caso brasileiro, a suinocultura está fazendo a sua parte. Eu percebo, Senador Requião - eu não conheço o seu Estado neste aspecto específico da suinocultura -, que os produtores, os técnicos que trabalham na área estão fazendo o dever de casa em relação à preservação ambiental, que estão tratando os dejetos para evitar uma contaminação do ambiente, a fim de que a qualidade e o bem-estar dos animais sejam condizentes com as regras internacionais aceitas, porque o mercado mundial, hoje, está cada vez mais exigente.

            Existem algumas barreiras - no caso da Rússia foram barreiras sanitárias -, mas, às vezes, por imposição ou por disputa comercial, os países importadores acabam nos aplicando barreiras não tarifárias, como é o caso, por exemplo, da sanidade, o caso trabalhista,-social, o caso ambiental e tantos outros que impactam nessa relação comercial. Então, precisamos também nós fazer aqui o dever de casa para haver uma produção cada vez mais qualificada e que a sanidade animal, do ponto de vista da fiscalização, como eu disse, tenha os recursos assegurados no Orçamento da União, e que os fiscais federais agropecuários tenham mais poderes.Acompanhei até paralisações da atividade por falta de cumprimento de acordos em relação à valorização dessa condição.

            É preciso também, Senador Requião, que tenhamos, em relação ao comércio internacional, uma visão pragmática dessa matéria. Não podemos mais pensar que nesse mercado só há anjos, só há bonzinhos. Estamos disputando pau a pau com países até no Mercosul - agora esse contencioso com a Argentina - não só no caso dos manufaturados, mas no caso dos produtos que vêm impactar aqui e concorrem com o Brasil, que é o caso do leite. Já tivemos uma crise, em passado recente, em que havia triangulação. Como, internamente, não temos tarifa, como existe tarifa externa comum, que é do produto que vem de terceiros mercados para o bloco, o que está acontecendo novamente? Suspeita-se, pelo menos, que o leite em pó da Europa esteja chegando no Uruguai ou na Argentina e entrando no Brasil como se produzido ali fosse. Não há certificado de origem. Basta mudar o selo de origem e nós estamos comprando gato por lebre. Esse é um problema sério não só de saúde - é claro que o cuidado sanitário deve ser exigido -, mas do ponto de vista comercial é uma deslealdade.

            Do ponto de vista da relação dentro do Mercosul, o Governo brasileiro agora começou a fazer, digamos, teve uma atitude reativa às barreiras que a Argentina está impondo. São 2.500 máquinas agrícolas paradas no porto, produzidas no meu Estado, Rio Grande do Sul, paradas para entrar na Argentina; oitocentos mil pares de sapatos parados para entrar na Argentina, por conta da imposição das licenças não automáticas.

            Isso tudo leva a uma situação muito grave de instabilidade econômica, de demissão de funcionários. É uma questão realmente preocupante. Precisa-se, no caso da Rússia, como disse, de uma recomendação, de uma ação enérgica do Governo brasileiro, do Ministério da Agricultura, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e, especialmente, do próprio Poder Executivo, da Presidenta Dilma Rousseff, que esteve numa missão na China - V. Exª fez menção ao Primeiro Ministro -, houve abertura do mercado de carne, frigoríficos já foram habilitados, um deles do Rio Grande do Sul, de uma cooperativa. E, nesse aspecto, vale ressaltar, Senador Requião, que tem uma preocupação social na área econômica, que grande parte dessa produção é feita por cooperativas. No meu Estado, as principais são cooperativas que trabalham, que compartilham o seu resultado e o seu lucro com os associados, que são também produtores, em várias cidades. E nós temos que proteger exatamente esse sistema, que é um sistema socialmente justo na economia, que é o sistema cooperativista, tendo um papel relevante nesse processo, Senador Requião.

            Concedo, novamente, um aparte, com muita alegria, a V. Exª.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - O seu pronunciamento me traz á memória uma visita que fiz, durante a campanha eleitoral, a uma fábrica de peças automotivas. Uma fábrica extraordinária, de um catarinense que estudou na Escola Técnica, começou com uma pequena oficina e hoje tem fábricas no Brasil inteiro. A unidade de Curitiba produzia freios. Durante a visita de campanha, eu tive a informação de que a fábrica havia demitido um número enorme de funcionários, havia cessada a produção de freios, e o dono da fábrica, lamentando, me informava que estava comprando freios chineses que tinham dificuldade de entrar no mercado brasileiro porque a marca chinesa não era conhecida. Mas, segundo ele, eram muito bons. A China havia conseguido um controle de qualidade excepcional e ele comprava os freios, colocava a sua marca e vendia no mercado interno. Aí eu perguntei: “Por quê?”. Ele disse: “Porque o freio chinês, que eu apenas carimbo com laser a minha marca, custa, para mim, 40% abaixo do meu custo de produção.” Então, é essa guerra e essa ideia do liberalismo econômico que vale só para nós e não vale para os outros que nós que temos que enfrentar. Eu tenho abordado isso no plenário do Senado várias vezes, tenho colocado opiniões de economistas como Magnus Ryner, o Thomas Palley, dos Estados Unidos, mas parece que nós não acordamos para isso ainda. Nós continuamos com uma política extraordinariamente liberal. Mas parece que esse é o vezo, a liberalidade é tão grande que até um ministro pode ter uma consultoria privada.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Senador Requião, alegra-me muito a sua observação, especialmente porque comigo aconteceu uma coisa semelhante.

            Também durante a campanha eleitoral, visitando uma fábrica de componentes para motocicletas, no Município de Canoas, ouvi de um empresário, que veio da região da Serra, lá de Garibaldi, e se instalou ali, um grande empreendedor, que fez uma fábrica desses componentes - o senhor imagina, a indústria de motocicletas no Brasil é incrivelmente florescente e cresce cada vez mais -, ouvi que, igualmente ao que aconteceu com o senhor, não em relação a freios, que ele também operava com componentes para motos. Aí ele me mostrou uma peça, uma peça cromada, importante para a motocicleta, e disse: “Isso, Ana Amélia, isso aqui custa, o meu custo de produção desta peça é de R$60,00”. Isso foi em setembro do ano passado. Essa mesma peça, igual, eu trago da China por R$11,00. Por R$11,00, Senador! De R$60,00, que é o custo nosso, com tudo aí, tributação, custo de mão de obra, todos os custos embutidos, para R$11,00.

            Hoje, no interior do Rio Grande do Sul, Senador Requião, o senhor me faz lembrar isso também, material de construção, porcelanatos para a construção civil, ferro de construção chegam da China 30%, 40% mais baratos. E a nossa indústria sofre as consequências dessa concorrência desleal.

            Isso realmente é uma situação com que fico perplexa, porque às vezes são empresários como esse de Canoas que dizem: eu queria fazer uma nova fábrica, para empregar mais 150 pessoas; eu não vou fazer uma fábrica, porque, para mim, como empresário, empreendedor, estou abrindo a fábrica na China, porque eu vou mandar os produtos que vou produzir na China para alfandegar na Flórida, nos Estados Unidos, porque o custo de alfandegamento na Flórida é muito mais barato do que em qualquer porto brasileiro. Então, ele faz um centro de distribuição na Flórida e traz de lá, à medida que vai precisando, as unidades.

            Então, é uma situação absolutamente contraditória, quando queremos estimular o nosso País a crescer.

            Eu concedo novamente um aparte ao Senador Requião e, em seguida, ao Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Essa é a discussão que eu acho que o nosso Senado devia estar fazendo todo dia. Eu construí um hospital magnífico no Paraná, foi um dos últimos que eu construí, que inclusive levou o nome do meu pai, em Ponta Grossa. Mas simplesmente extraordinário do ponto de vista da qualidade do material e tudo o mais. E eu briguei muito à época. Eu saí do governo ontem.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - É verdade.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Mais ou menos R$1,500 o metro quadrado de construção. Hoje, de repente, nós vemos aqui em Brasília, no Plano Piloto, ali pela 309, 311, prédios na planta sendo vendidos a R$15 mil o metro quadrado. Parece-me um boom semelhante ao boom que levou os Estados Unidos à bancarrota. É o subprime. Uma observação que eu faço. O aluguel de um apartamento em Brasília não chega a 0,5% do suposto valor venal. Agora, o valor venal é altíssimo porque, na hora da compra, há financiamento de prazo larguíssimo e juros altos, e o comprador não percebe. Então, se retirarmos de uma hora para outra o financiamento, o custo desses imóveis vai cair para baixo de 50% do valor com que se vende hoje. E os alugueres obedecem ao valor real. Imaginem se os alugueres correspondessem ao valor do preço global do imóvel financiado. Mas, não. Não obedecem. A inflação do mercado imobiliário está sendo provocada pelo financiamento, que pode acabar de uma hora para outra. São os pressupostos da crise norte-americana. O subprime, o derivativo, os bancos ganhando verdadeiras fortunas. Li outro dia na imprensa que estavam aumentando os juros dos empréstimos consignados dos funcionários públicos, empréstimos sem risco, que é descontado em folha e que deveria ser irrisório. Então, essa política me preocupa. A Presidenta Dilma deveria abrir um olho para isso. No começo do nosso mandato, ofereci aos Senadores aqui os videotapes, os CDs de um seminário sobre economia que fizemos no Paraná, trazendo economistas do mundo inteirinho: o Aldo Ferrer, da Argentina; o Mario Lettieri, Ministro da Economia de Romano Prodi, na Itália; russos, chineses, franceses e brasileiros também. E a leitura foi unânime da necessidade de mudar o modelo econômico, mas nós não estamos tratando disso. Aliás, mais uma vez quero colocar esse conjunto de CDs que está na minha página no Senado também à disposição dos Senadores que desejarem. Tenho também impresso em vídeo, em meu gabinete, o jogo de todos eles à disposição dos Senadores. Nós temos que ir no caminho do seu discurso de hoje: trazer para o Senado a preocupação com o que está ocorrendo na economia do mundo e na economia do Brasil e tentar abrir os olhos do Executivo.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Muito obrigada, Senador, pela valiosa colaboração e por endossar esse posicionamento que imagino seja da maioria dos brasileiros preocupados com a geração de renda, criação de empregos e com a inclusão social, que só será dada por um desenvolvimento econômico mais justo.

            É com alegria que concedo o aparte ao Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senadora Ana Amélia, vou pegar uma pequena coisa que falou o Senador Requião quando disse “era sobre isso que deveríamos falar aqui”, em vez de perdermos tanto tempo em outros assuntos. O Brasil está num processo de desindustrialização e, quando a gente diz desindustrialização, a gente cita, sobretudo, a desindustrialização dos setores tradicionais, e algo que houve ainda: nem nos industrializamos ainda nos bens de alta tecnologia. Quer dizer, vai ficar solto, vai ficar dependendo daqueles setores que mais crescem, felizmente ainda, no Brasil, que são a pecuária e a agricultura. Só que agricultura e pecuária nos deixam vulneráveis. O Brasil é um país vulnerável se é exportador desses bens. A qualquer momento, qualquer país pode dizer que não compra, pode inventar uma desculpa na OMC para dizer que a carne está com aftosa, que a carne está com alguma doença, que o café tem ferrugem. Esse é um setor que nós não temos poder de fazer, por meio da oferta, a garantia da venda. São produtos que dependem absolutamente da demanda. E alguns dizem: mas, não, de comer todos precisam. Mas há outras fontes de comida espalhadas por aí, como os russos devem estar substituindo a carne agora. Então, o problema chave, o Senador Requião falou, duplamente: uma, quando ele disse que era isso que a gente deveria debater; a outra, quando ele falou na desindustrialização. E a gente não está discutindo isso. E o Governo está comemorando, quando eu acho, muitas vezes, certos resultados que embutem o processo de desindustrialização, que aparece apenas na boca de alguns ousados que vão contra a corrente do pensamento oficial, mas a favor, lamentavelmente, na direção, melhor dito, de uma tendência que está em marcha. O Brasil fica um país apenas, como foi 200 anos atrás, da exportação de bens de consumo primário, uma primarização. Isso é o que eu acho importante tirar da lição do que acontece hoje na relação Rússia e Brasil, Rússia e Rio Grande do Sul e outros Estados. Nós ficaremos dependentes se basearmos a nossa economia na exportação. Se a gente exportasse peças especiais de eletrônica da mais alta tecnologia para a Rússia, eles não fariam isso, porque eles precisavam do nosso produto. Mas hoje eles podem fazer isso, porque o que a gente exporta para eles é isso. Então, o seu discurso é mais importante do que o discurso de uma Senadora do Rio Grande do Sul. É o discurso de uma Senadora da República, preocupada com o Brasil inteiro.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS) - Muito obrigada, Senador Cristovam Buarque, por essa avaliação absolutamente correta que o senhor faz sobre o processo.

            Nós estamos debatendo essas questões na Comissão de Relações Exteriores, de que o senhor faz parte e de que tenho a honra de participar com V. Exª e também com o Senador Requião.

            Num dos últimos ciclos que ouvimos, foi sugerido que houvesse maior investimento em inovação tecnológica pela indústria brasileira.

            Quando a gente vê essa concorrência - eu diria - predatória com o setor industrial, com o chamado custo Brasil, tantas vezes referido, pela falta de logística e pela alta carga tributária, aí nós entendemos que realmente há um impasse nesse processo e uma impossibilidade de investimento das próprias empresas brasileiras, que cada vez mais se internacionalizam em setores como: setores de carnes, setor de comércio e supermercados.

            Nós estamos vendo uma internacionalização, além de uma desindustrialização, o que certamente cria problemas para a nossa soberania, em última análise, por temos um mercado interno gigantesco e muito cobiçado. E não estamos tirando proveito desse grande manancial, desse mercado de quase 200 milhões de consumidores, de pessoas, que podem ser aproveitados. Aí sofremos também.

            O Rio Grande do Sul, só para mencionar, está vivendo um drama enorme, com uma excelente safra de arroz, não só o meu Estado, como Santa Catarina e em parte o Paraná. No entanto, o preço paga ao agricultor é um preço absolutamente irrisório, que não cobre os custos de produção.

            O Senador Paulo Paim, nosso conterrâneo gaúcho, sabe muito bem desses dramas que estão acontecendo em relação à produção de arroz e agora vai se agravado no setor de carnes, também em relação a esse processo.

            Penso que o Senado tem a obrigação, como representante dos interesses dos Estados, de continuar debatendo essas questões não apenas no âmbito regional, mas também nacional. Nós precisamos estar atualizados com a temática econômica, porque isso impacta sobre o nível de emprego, um setor que o meu caro Presidente Paulo Paim é sempre tão vinculado - o trabalho, as garantias dos trabalhadores, o próprio desenvolvimento, a geração de renda e a questão da melhor qualidade de vida para o povo brasileiro.

            Não ouvi nenhuma menção por parte do Governo brasileiro sobre essas notícias preocupantes, já que, em vista da mobilidade, hoje, com o turismo facilitado, em relação ao surto dessa bactéria que está assustando e alarmando a Europa. É preciso que haja também uma manifestação para tranquilizar. Nós temos missões, temos responsabilidades de viajar em trabalhos como representantes do Senado, mas todos os brasileiros estão viajando em agora julho, qual a é a atitude que devemos tomar em relação ao que está acontecendo na Europa com a incidência dessa bactéria que já matou pelo menos 19, das quais 18 só na Alemanha, que é o centro do surto? O número de infectados na Europa e nos Estados Unidos é de quase duas mil pessoas. Com a mobilidade urbana, isso é muito sério.

            Para terminar, Sr. Presidente, agradecendo a sua generosidade, eu queria fazer menção a uma iniciativa que tomei no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, da qual faço parte - o nosso Presidente é o Senador Jayme Campos -, no dia 10 de maio, portanto, muito antes da TV Globo. No seu programa Fantástico, de domingo, apresentava um programa a respeito da questão da descriminalização da maconha e de outras drogas.

            Antes disso, fiz um requerimento, porque estamos debatendo a questão do combate ao crack e à dependência química em uma subcomissão presidida pelo nosso companheiro Wellington Dias, ex-Governador do Piauí. Ouvimos terapeutas, comunidades terapêuticas, psiquiatras, médicos, autoridades da área do Ministério da Saúde e muitos outros especialistas, pessoas envolvidas diretamente com essa questão cada vez mais grave, e vamos ouvir também os Municípios que estão fazendo o observatório do crack, através da Confederação Nacional dos Municípios, para avaliar exatamente esse mapa.

            Estamos aguardando uma pesquisa que a Drª Paulina Duarte, da Senad, prometeu apresentar, dando a radiografia do crack no Brasil. Nesse aspecto, imagino que isso possa servir de referência para políticas públicas em relação a essa matéria.

            Mas, como eu dizia, eu requeri, no dia 10 de maio, à Comissão, que fosse o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso convidado para ir não só à subcomissão, mas à Comissão de Assuntos Sociais, para, no Senado, debater essa questão relacionada à descriminalização da maconha e outras drogas.

            O tema suscitou muita polêmica aqui. Muitos colegas têm falado sobre essa matéria. Eu sou favorável ao diálogo, Senador Cristovam, Senador Requião, Senador Paim. Acho que é o melhor caminho para a gente eliminar as dúvidas a respeito de um tema tão complexo quanto este, a questão da descriminalização da maconha, e uma autoridade como o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a responsabilidade que tem no comando da Comissão Global sobre Drogas, tem percorrido o mundo, examinando esse assunto.

            Hoje, se entre os psiquiatras, que são os especialistas, ou os médicos, não existe um consenso sobre a eficácia dessa medida, imaginem um leigo, como, no meu caso, eu, a tratar desse assunto. Por isso, como Senadora, com o mandato parlamentar que tenho, a minha responsabilidade é ouvir o maior número de pessoas sobre isso, sem o espírito já preconceituoso, de antemão condenando a iniciativa.

            A democracia pressupõe um debate maduro, um debate aberto, como se tem feito aqui sobre temas polêmicos, como o PL nº 122, que V. Exª muito bem conduziu, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, e foi aprovado.

            Espero realmente que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso aceite o convite do Senado e da Comissão de Assuntos Sociais, porque é o momento oportuno de, juntos, o Congresso Nacional, os especialistas, uma autoridade como ele, Fernando Henrique Cardoso - na Câmara, o Paulo Teixeira, Deputado do seu partido, já mencionou essa matéria -, trazer essas pessoas à conversa, por que querem fazer isso e como o Brasil poderia fazer, se existem outras experiências no mundo.

            Penso que não é agredindo ou contrariando, porque a gente vai de antemão já interditar o debate sobre essa matéria. É valioso que venha a dar aqui essa contribuição o ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso, por esse requerimento que fiz e que foi aprovado pela Comissão, com referências de todos os parlamentares.

            Penso que nós daremos também uma contribuição, não só na questão econômica, que também abordamos, mas especialmente em relação à questão do debate sobre a descriminalização, não só da maconha, mas também de outras drogas.

            Vemos aí que há países em que o tráfico é penalizado com a pena de morte, como é o caso da Indonésia, por exemplo, onde dois brasileiros há dez anos estão presos. Então, nós temos que ter a visão geral do mundo em relação a um tema tão importante e impactante quanto esse.

            Muito obrigada, Presidente Paulo Paim. Obrigada aos apartes dos Senadores nesta manhã de sexta-feira.

            Obrigada.


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