Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca dos fatos que aconteceram na sessão plenária da última quarta-feira, destacando a necessidade de o Congresso Nacional recuperar sua importância e legitimar a democracia.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Considerações acerca dos fatos que aconteceram na sessão plenária da última quarta-feira, destacando a necessidade de o Congresso Nacional recuperar sua importância e legitimar a democracia.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2011 - Página 20970
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • CRITICA, ABUSO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), QUANTIDADE, MATERIA, URGENCIA, APRECIAÇÃO, NECESSIDADE, EMPENHO, CONGRESSO NACIONAL, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, eu e todos os Senadores percebemos a reação da opinião pública diante dos fatos que aconteceram aqui na quarta-feira, mas a opinião pública se manifestou, com razão, indignada com o que via, não se manifestou com aquilo que não via, que era ainda mais grave.

            É óbvio que o comportamento de parlamentares sem o grau de delicadeza, de educação, como nós nos comportamos aqui, é ruim. É ruim para a juventude, é ruim para todos, mas isso acontece em outros parlamentos em momentos de muita excitação. Não foi bom, mas houve algo muito pior.

            O pior é a razão pela qual nós nos comportamos dessa maneira: o fato de que o Congresso estava sendo obrigado a votar em poucas horas decisões que mudariam o futuro do País, que tocariam em milhões de brasileiros e que não eram coisas tranquilas, aceitas por todos. Nós não tivemos tempo de debater.

            A medida provisória que caiu, que dizia respeito à criação de uma entidade que contrataria as pessoas para trabalhar nos hospitais das universidades públicas, é um exemplo disso. Aquilo não podia ser votado em duas, três horas, cinco horas, nem em dois meses. Aquilo exigia diversas audiências públicas para discutir a relação dessa empresa com, por exemplo, a autonomia. Como seria a contratação? Como seria a escolha do dirigente? Ele seria escolhido como o Presidente do Banco do Brasil ou consultando a opinião dos alunos e professores?

            Nós não tivemos tempo de debater, e essa, felizmente, caiu. Mas a outra, que foi aprovada, tocava em 52 pontos. Como é possível, Senadora Ana Amélia, uma medida provisória, que se explica na Constituição porque trata de coisas urgentes, abordar 52 pontos?

            A maior parte delas foi contrabandeada da Câmara, não foi nem da iniciativa do Poder Executivo. Não podemos culpar a Presidenta. Podemos culpar sim o Governo é de criar um fato que nos obriga a votar porque senão cria problemas muito sérios.

            Eu procurei saber o que aconteceria, a partir do dia seguinte, com os hospitais universitários. Aparentemente, nada. O que é uma coisa boa, não é? Mas mostra que não era preciso medida provisória! Porque se fosse medida provisória necessária, no mesmo dia em que tivesse sido publicada no Diário Oficial, a Presidenta deveria ter criado aquela empresa por questão de urgência. Deu um terremoto e precisamos de uma empresa, a empresa está criada agora. Então, não havia urgência.

            Pior ainda: nós votamos sem saber o que votávamos. Tem um programa de televisão, CQC, que costuma andar aqui no corredor perguntando aos parlamentares qual a capital de tal ou qual país, onde fica tal ou qual país, para provar que nós não somos bons em geografia e outras coisas também. Se eles saírem aqui perguntando: “O senhor é a favor de tal coisa?”, muitos que votaram a favor da medida provisória não vão saber que votaram a favor e vão dizer que são contra. Se eles fizerem um programa aqui para saber quem entendeu aquela medida provisória - em que eu votei “não” porque não a entendia, não vou votar a favor do que não entendo - nós vamos ter uma surpresa gritante.

            Para mim, Senador Paim, este é o verdadeiro problema daquela quarta-feira à noite. Não é quase um ou outro se atracar. Isso é ruim, ruim, injustificado, mas acontece em outros parlamentos. De vez em quando, a gente vê na televisão parlamentares se atracando por aí em outros países. É péssimo! Mas não é contra a democracia. É contra a postura, é contra a elegância, mas não é contra a democracia. Contra a democracia é votar sem saber o que vota. Contra a democracia é votar coisas sérias com apenas duas horas. Contra a democracia é nenhum dos favoráveis àquelas medidas provisórias subir aqui à tribuna para defendê-las. Nenhum. Todos que subiram aqui estavam contra. Isso não é a favor da democracia, porque cada um que vota a favor tem que aqui se justificar, explicar-se.

            Eu creio que esta é a lição maior que eu vou falar aqui: a partir dessa crise das medidas provisórias, discutir, conversar e encontrar um rumo para que esse Congresso recupere a importância que precisa ter, não porque nós estamos aqui, mas porque a democracia existe se isso aqui funcionar bem.

            Mas antes, passo a palavra à Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Senador Cristovam, é para mim confortante, porque diferentemente do senhor, que tem uma grande experiência no Executivo e uma experiência parlamentar, estou chegando agora aqui, e vou lhe confessar que naquela noite, quase madrugada, de quarta-feira eu fiquei desolada com o que aconteceu. É claro que, como disse bem V. Exª, aquilo faz parte do processo da relação humana, da própria relação política quando há um contencioso, um confronto mais acesso, mais acirrado sobre um tema tão relevante como esse. Estávamos votando três medidas provisórias. Eu, felizmente, e espero que tenha sido uma obra do Espírito Santo ou pela minha boa assessoria que tenho no gabinete, era Relatora da Medida Provisória nº 519, que tratava de um único tema, e aí a facilidade de ter obtido o apoio da oposição nesta Casa, um único tema, que era a doação humanitária de alimentos para países pobres ou vítimas de algum fenômeno climático grave. Pois era a quarta da ordem da pauta do dia de votação da terça-feira. Solicitei, por requerimento, ao Presidente Sarney, que presidia a sessão, que houvesse uma inversão de pauta, e consegui essa inversão. E consegui apresentar o relatório na terça-feira e votar com apoio essa decisão, que é importante, não apenas no seu sentido geral da doação dos alimentos, mas porque o que veio da Câmara, também votado com a celeridade necessária, depois de ter tramitado quase dois anos, dizia respeito a alterar as compras de arroz, o que resolvia também um problema que está acontecendo no meu Estado de Santa Catarina, com uma safra muito grande de arroz, com um preço aviltado ao produtor. Pois foi possível então votar, simplesmente por causa disto que V. Exª está abordando: se o CQC passasse, eu poderia dizer: “É só sobre isso, aprova a doação de alimentos”. Mas, se fosse a medida provisória seguinte, já não poderia, porque ali estava a questão de incentivo para indústria nuclear, estava a questão relacionada a uma tarifa de energia que vai ser prolongada até 2035, estavam ali questões relacionadas ao fim do Fundo de Desenvolvimento e muitas outras matérias. Isso, realmente, torna complexa a decisão. Não há capacidade de o parlamentar avaliar o texto completo do que está escrito nessa medida provisória, e aí está o conflito. Por isso, parabenizo V. Exª por abordar esse ponto específico. A Presidenta Dilma veio aqui, na abertura do Congresso Nacional, dizer que daria um tratamento respeitoso na relação com o Congresso Nacional. E eu gostaria que ela mantivesse essa palavra, assumisse esse compromisso, porque a simplificação do processo de tramitação da medida provisória será boa para o Executivo e será muito boa para o Congresso Nacional, que hoje está asfixiado por esse instrumento, que foi um instrumento criado para o parlamentarismo. Nós temos um sistema presidencialista de governo, e ele não se adapta. Então, caíram medidas provisórias importantes, como V. Exª está avaliando em relação aos hospitais universitários, mas nós não precisávamos ter passado por aquele momento - cochilo, especialmente, de parte da base do Governo, que não teve, digamos, a habilidade ou a oportunidade de se antecipar, já na terça-feira, e votar essas matérias que eram de grande interesse para o Poder Executivo. Então, eu penso que o senhor está no caminho certo. Temos que mudar. E, em boa hora, o Presidente José Sarney, com a relatoria do Senador Aécio Neves, está tomando as medidas para esse rito modificado, para que também nós façamos o nosso dever de casa, porque, como disse V. Exª, não dá para culpar apenas o Executivo, temos que ver também os nossos erros aqui em relação a esse tema. Muito obrigada, Senador Cristovam Buarque, e parabéns pelo seu pronunciamento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu que agradeço e fico feliz de a senhora estar se adiantando ao que quero falar, dizendo que a culpa é nossa. Costumamos jogar a culpa nos outros: no Executivo e no Judiciário. A culpa é nossa. Nós nos submetemos, quando aqui deveria ser o lugar de dizer, respeitosamente, ao Poder Executivo: “Basta! Isso não dá.” Ou, então: “Parabéns! Isso nós apoiamos.” Perdemos essa capacidade de dizer basta, esta capacidade de dizer apoiamos, e perdemos, em parte, pela nossa lentidão.

            O Judiciário está legislando, mas não por gosto parlamentar dos nossos juízes. Eles estão legislando por omissão dos nossos parlamentares - e aqui está um também. Não estou jogando a culpa nos outros.

            Nós demoramos anos para discutir assuntos. Daí, eles se adiantam a nós, e o povo aplaude, porque o povo sente necessidade do Ficha Limpa, sente necessidade de reforma eleitoral, algo que não fizemos aqui. Só agora, depois de terem nos colocado atrás, estamos criando comissão para fazer a reforma.

            Nós nos submetemos, este é um dos problemas que temos diante de nós. Nós estamos submissos por inoperância, aí nos tornamos irrelevantes. Hoje somos irrelevantes no processo brasileiro porque ele é feito por medidas provisórias e medidas judiciais. Um país que é administrado por medidas provisórias e medidas judiciais não precisa de legislativo; só que um país sem legislativo não é democrático.

            Então, nós nos submetemos; nós nos atrasamos. A submissão é tanta que hoje, aqui, a sensação que dá é a de que temos um partido único. Vamos falar com franqueza: o Brasil tem um partido único e alguns pequenos grupos que têm o direito de espernear, como era na Tunísia, como era no Egito. O Mubarak , ditador, dava-se o direito de ter um congresso com uma pequena oposição lá dentro. A Tunísia previa que, de qualquer maneira, a oposição teria pelo menos 10% dos parlamentares. Se os eleitores fizessem 99%, eles dariam 8%, pela lei, mas não deixava de ter um partido único, porque pluripartidarismo é quando os diversos lados do congresso, os diversos partidos, são capazes de vencer em certo momento e os outros, em outro.

            Aqui, não é mais possível. E não é possível, em grande parte, por incompetência da oposição, que não traz propostas corretas aqui para dentro, mas não traz, em grande parte, porque o Presidente Lula - corretamente, aliás - adotou propostas de economia que vinham da sua oposição. Eu sempre defendi que adotasse, mesmo porque o que faz hoje ser esquerda ou direita não é a economia, mas o social. Direita ou esquerda está na elaboração do orçamento público, e não nos pilares da política econômica. Hoje a política econômica tem pilares baseados na técnica. O Banco Central erra ou acerta, mas não é questão de ele estar de um lado ou de outro. O lado dele é o certo, e não o errado. Há uma diferença entre errar e acertar, isso é questão de técnico, da diferença de estar de um lado ou de outro.

            O Governo Lula adotou as propostas da oposição na economia, e a oposição não tem proposta no social. Não tem proposta no social. Aí fica uma oposição inexistente, irrelevante. Mas não foi só isso. Além disso - e creio que aí o que vou dizer agora foi errado; no primeiro, acho certo -, o Governo Lula tentou açambarcar todos os parlamentares que pudesse. A Presidenta Dilma continua nessa tendência de juntar todos. Quando se juntam todos, já do outro lado ficaram uns pouquinhos, e, quando desse outro lado não há uma proposta para se opor ao Governo, o nome disso é partido único.

            Aqui não há mais PMDB, PCdoB, PDT, inclusive, que é o meu partido, e PT. Aqui há um partido único formado por esses. Qual é a diferença entre nós? A diferença entre nós hoje, na hora de votar, é menor do que a diferença entre as tendências que existiam no Partido Comunista Soviético, que era um partido único, mas com visões diferentes ali dentro.

            Nós nos submetemos. Mas não só isso; nós nos atrasamos. Nós nos atrasamos diante das exigências que o País tem de medidas e de leis, que fazem com que, por estarmos atrasados, o Governo faça medidas provisórias; por estarmos atrasados, o Judiciário faz leis em vez de apenas interpretar as leis que nós deveríamos fazer.

            E, além de submetidos e atrasados, nós nos alienamos. Leiam o jornal de hoje e vocês verão quantos problemas ali estão que não chegam aqui dentro. Por exemplo: hoje, Senador Paim, há uma epidemia de violência nas escolas. Há uma epidemia de violência nas escolas. Aquilo que vimos aqui os parlamentares fazendo não é nada diante do que os nossos meninos e meninas estão fazendo nas escolas do ponto de vista de violência. Não estamos discutindo essa violência. Hoje as crianças estão indo armadas para a escola. E alguns que não vão armados, quando há uma briga, vão para casa, pegam armas e trazem para a escola. Isso com arma. Mas, sem arma, neste momento em que estou falando, deve haver centenas de brigas em escolas brasileiras. Centenas ou até mais do que centenas, Não estamos falando no problema dessa epidemia.

            Mas não é só isso. Temos um aumento na brecha educacional entre o que ensinamos e o que é preciso. Não estamos indo para trás na educação, mas estamos ficando para trás. Como é que se pode ficar para trás sem ir para trás? Quando se vai a uma velocidade menor que a dos outros. Uma tartaruga andando fica para trás diante de um coelho ao lado dela. Estamos ficando para trás. Há uma brecha crescente nessa área.

            E nós estamos discutindo isso aqui? Não, esperando que o Governo mande projetos, quem sabe por medida provisória, para, aí, nos comportarmos na hora de aprová-las.

            Nós temos hoje esse risco de que falamos, a partir da colocação da Senadora Ana Amélia, da desindustrialização. Cadê esse assunto aqui dentro? Daqui a 20 anos, podemos despertar e descobrir que somos um País com uma economia baseada apenas na agricultura e na exportação de pedras. Nós vamos exportar ferro e comprar chips. Não tem futuro este País. Por quê? Porque a industrialização mecânica está ficando uma coisa superada. O que vale mesmo são os robôs que a gente compra, porque a indústria já não cria emprego; nossas indústrias estão ficando superadas, atrasadas, coisas dos séculos XIX e XX, e não entramos ainda na industrialização de ponta, de alta tecnologia. Não nos industrializamos pelo conhecimento e nos desindustrializamos pelas mãos, pela mão de obra. Agora estamos crescendo, felizmente, na agropecuária; estamos crescendo no setor primário do ferro. Felizmente. Não vou dizer que isso é ruim, mas isso não constrói uma nova nação.

            Nós estamos, como eu disse há pouco, alienados. Nós estamos alienados diante da vergonha do quadro da saúde pública brasileira. Não estamos trazendo isso aqui para dentro, fazer um dia em que todos os 81 Senadores se dediquem a discutir como evitar as mortes em filas de hospitais, como evitar que pessoas fiquem nas filas sofrendo. Tínhamos que parar para falar disso. Estamos alienados.

            Então, estamos submersos, submetidos. Nós estamos atrasados, nós estamos alienados. Mas não é só isso, nós estamos ausentes. Nós somos ausentes. Não estamos presentes no dia a dia das cidades do Brasil, e estamos também protegidos.

            Vou dar um exemplo. Nós não lutamos para melhorar a saúde pública, mas temos uma saúde privada para nós. Isso é claro que não é democrático. Agora, senador merece um bom sistema de saúde, e eu desejo isso para mim. Muito bem. Mas façamos bons também para os outros, façamos bem também para o público. Essa proteção que nós temos aqui dentro. E nós usamos os serviços privados, do ponto de vista da qualidade, com dinheiro público, e deixamos ao público o serviço público por que nós devemos zelar, e não zelamos. Isso é antidemocrático, isso é mais grave do que as briguinhas que tivemos aqui na quarta-feira passada. Nós nos isolamos e, aí, ficamos também, de certa maneira, e até mais fortemente, isolados e, portanto, sem legitimidade. E essa é a palavra-chave de tudo isso, voltar a ter legitimidade.

            O que acabou com os regimes, felizmente, de alguns países árabes foi a perda da legitimidade. Não estamos no ponto deles, mas será que temos legitimidade completa hoje? O que tirou a legitimidade deles? O que tirou a legitimidade deles foram os seguintes pontos: um, partido único, que não legitima democracia. Não estamos longe disso, embora sob formas diferentes; segundo, promiscuidade entre o setor público e o privado. Não estamos longe. Ainda não temos aqui presidentes que se tornam donos de uma parte importante do produto interno bruto, ele e suas famílias, como no Egito, como na Tunísia. Não, ainda não temos isso. Mas, gente, temos uma relação promíscua entre o setor publico e o setor privado. E falemos com franqueza, o caso do Ministro Palocci é prova dessa promiscuidade: o serviço de consultoria que ele vendeu e que justificou ou não essa receita, mas, se pagaram, é porque justificava para quem pagou, é prova da promiscuidade.

            Tenho dito por aí que o Ministro Palocci só teria uma defesa se, no dia seguinte à notícia no jornal, ele fosse e bradasse: isso é mentira e vou processar o jornal. Fora isso, qualquer que seja a explicação vai passar a ideia de uma promiscuidade entre o setor público e o setor privado, e isso provoca ilegitimidade. Alguns podem dizer: mas consultoria ganha dinheiro. Sim, uma consultoria que elabora um projeto para uma represa, que deve custar 20 milhões ou um pouco mais, tem centenas de engenheiros trabalhando, tem dezenas de economistas trabalhando, eles fazem um trabalho que mostram lá: olha aqui, fizemos isso aqui. Abrem os mapas para que as pessoas vejam as plantas, têm um produto visível. Consultoria é fruto de algo invisível, que é a cabeça, mas tem um produto visível, que são os papers, os documentos, que são as plantas do trabalho que foi feito. Então, estamos perdendo legitimidade porque Parlamentares têm consultorias, têm negócios, e têm negócios com o setor público, o que é mais grave. Com o setor puramente privado, é aceitável que uma pessoa tenha negócios.

            Nós estamos, por isso, perdendo legitimidade, ficando inoperantes, ficando irrelevantes, ficando, portanto, desnecessários.

            Para mim, Senadora, essa foi a crise da quarta-feira, muito mais profunda do que alguns de nós bradando aqui indignados, outros tentando passar por cima do Regimento, outros tentando adiar a votação apenas para que a medida caísse, não por força da ação legislativa, mas por força do relógio, porque quem ganhou ali não foi oposição nem Governo; quem ganhou foi o relógio. Quando deu meia-noite, o relógio ganhou. Isso é o que vai fazer com que fiquemos irrelevantes, mas não é o que vai-nos acabar.

            A coreografia da democracia permite que haja um Congresso, que faz de conta que funciona. No regime militar, durante 21 anos, só por seis meses o Congresso ficou fechado. No resto, o Congresso ficou aberto, mas era um Congresso figurante. Nós estamos sendo um Congresso figurante. A diferença é que, agora, se alguém disser o que quiser aqui, não será cassado, não será preso. Somos livres para dizer, mas isso não adianta muito. O que adiantou os 19 virem aqui para falar contra a medida provisória? Dezenove! No fim, a votação foi 34 a 19, porque nenhum precisou vir aqui para ser a favor, para explicar ao povo o que era, até porque certamente não entenderiam.

            Quer ver um exemplo? Entre os que votaram aquela medida provisória, alguns têm firme vocação ecológica, mas votaram a favor da energia nuclear. Mas não só vocação ecológica. Há pessoas que defendem a ecologia e defendem também a energia nuclear, que não deixa de ser uma energia limpa, se não houver nenhum tsunami por perto, nenhuma besteira, como em Chernobyl, de um engenheiro. Mas tem gente que é contra a energia nuclear e votou a favor da medida provisória. E qual era o argumento? Se a gente não votar, ela morre, porque não dá tempo de voltar para a Câmara. Mas a gente vota em coisas erradas porque não dá tempo? Alguma coisa está muito errada.

            Sr. Presidente, eu creio que isso, de certa maneira, esgota o que eu gostaria de falar hoje, apenas acrescentando alguns dos pontos que deveríamos discutir, além da violência nas escolas, além do apagão intelectual, além da desindustrialização, além de tudo isso.

            A gente tem que discutir aqui, sim, o caos da infraestrutura brasileira, que é o que provoca o custo Brasil e que faz com que a China produza barato. Não há dúvida de que o baixo preço dos produtos chineses são os baixos salários dos trabalhadores chineses. É verdade. Mas aí o Senador Paim não vai querer que, para que a gente melhore na concorrência, baixe o salário. Parte do problema é que os chineses trabalham sete dias por semana. A gente não vai aqui acabar com férias nem com o fim de semana. Mas uma parte do nosso custo está na infraestrutura, incapaz de levar os nossos produtos de onde foram produzidos para o porto na velocidade necessária. Está no tempo em que fica no porto alguma coisa.

            Não estamos discutindo isso. Nós não estamos discutindo nem a burocracia e nem a corrupção com a profundidade que deveria. Que gesto a gente fez para valer sobre corrupção? A Ficha Limpa, um projeto que veio de fora e que só foi realmente viabilizado pelo Judiciário. Mas não basta isso. Há outras coisas. A quebra da promiscuidade entre o setor público e o privado tem que ser enfrentada. A gente não pode deixar que quem escolhe a vida pública ganhe dinheiro na vida privada. Não se pode deixar que isso aconteça, a não ser, volto a insistir, que os seus negócios já existissem. Aí está separado, aí não é promiscuidade. Quando você usa o setor público a favor do privado é que você tem promiscuidade. É aí. Se você já tinha o seu negócio, muito bem. Agora, se você usa o cargo para beneficiar o seu negócio, está muito mal.

            Sobre esta promiscuidade, a gente não definiu regras que possam impedi-la. Não definimos, por exemplo - e aí já encerro -, e é algo que creio que precisamos discutir, o endividamento das famílias brasileiras. Hoje somos um povo endividado. Cada família está endividada para comprar um carro, para viabilizar o aumento do PIB. Depois, chegará o momento em que não vai pagar. E aí a família vai sofrer e a economia também. Não estamos discutindo isso.

            Precisamos fazer o que todo mundo quer e ninguém sabe como: a grande reforma para que o Congresso volte a ser uma Casa não só aberta, mas funcionando, legítima, com ressonância na opinião pública, com a opinião pública com orgulho em relação a nós.

            Naquela quarta-feira, conversei e senti muitos Senadores envergonhados. Muitos. E eu me pergunto: se nós estávamos, como não estaria a opinião pública assistindo àquilo? E isso é só um pequeno pedacinho do iceberg, que é o pedacinho do comportamento de alguns de nós, de certa maneira, informa que a gente pode chamar de mal-educado, mas que acontece com qualquer um de nós em momentos de tensão. O grave para mim não é o que aparecia. O grave para mim é o que não aparecia: a perda de sintonia do Congresso com as necessidades da democracia. A culpa é do Executivo, a culpa é do Judiciário, mas ela é, sobretudo, culpa nossa.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2011 - Página 20970