Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da discussão acerca da situação dos refugiados em virtude de problemas ambientais. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Importância da discussão acerca da situação dos refugiados em virtude de problemas ambientais. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2011 - Página 21419
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, SITUAÇÃO, REFUGIADO, MEIO AMBIENTE, DERIVAÇÃO, ALTERAÇÃO, ECOSSISTEMA, EQUILIBRIO ECOLOGICO, ORIGEM, DECISÃO, HOMEM.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim, em nome do PDT, neste momento em que se permite que falem os líderes - e agradeço ao Líder Acir, que não está presente e que me passou o direito de falar por ele, vai estar daqui a pouco aqui -, para falar de um tema que, a meu ver, não tem merecido o destaque devido.

            Durante os anos 60 e 70, todos falavam dos refugiados. Todos falavam do problema dos asilados e exilados políticos, mas poucos têm falado de um fenômeno mais recente, que são os refugiados por razões ambientais, Senador Paim, cujo número talvez seja muitas vezes superior ao número de refugiados políticos que tivemos nos anos 60 e 70.

            E fico feliz de estar falando sob a Presidência do Senador Paim porque este pode ser um tema, Senador, para levarmos à Comissão de Direitos Humanos. Alguns podem dizer: “Mas o refugiado político, o asilado político, ele pode ser protegido em nome dos direitos humanos porque é o resultado da ação concreta e da decisão de uma pessoa ou de algumas pessoas que estão no governo; os refugiados ambientais não são culpa dos governos”.

            São culpa dos governos. São culpa dos governos. Por exemplo, quando a gente viu o tsunami que aconteceu recentemente no Japão, a culpa não é de ninguém pessoalmente. Mas quando a gente vê os refugiados que tiveram que fugir da usina nuclear por causa do tsunami, essa usina nuclear foi uma decisão, Senador Mozarildo, algumas décadas atrás, de governos. E nós estamos na véspera de tomarmos decisões de construirmos mais centrais nucleares. Então, os refugiados de Fukushima são refugiados por razões ambientais, mas por culpa de determinações governamentais. Os 300 mil refugiados por culpa do tsunami anterior, de alguns anos atrás, não dá para por culpa em ninguém. Mas, de qualquer maneira, são refugiados que merecem o nosso respeito e que sejam tratados com seus direitos humanos na recuperação de suas casas e de seus empregos.

            Quando a gente vê um furacão como o Katrina, ninguém pode dizer que aquele furacão aconteceu por causa da vontade de algum governante, mas a demora do governo americano da época, do Presidente Bush, em chegar lá, em atender, em cuidar daquelas pessoas, que até hoje não estão plenamente cuidadas, isso faz com que nós analisemos a situação sob a ótica dos direitos humanos.

            A Universidade das Nações Unidas, da qual tenho o privilégio de ser um dos conselheiros, recentemente, chegou a considerar que há 50 milhões de pessoas hoje obrigadas a deixarem os seus lares, temporária ou definitivamente, por problemas do meio ambiente. Desses 50 milhões, muitos são por problemas ambientais decorrentes de decisões econômicas que foram tomadas em função de interesses empresariais e de conivência governamental.

            Até hoje mesmo, aqui perto, nós tivemos o maior acidente de contaminação nuclear urbana no mundo, que foi aquela pequena pedra de Césio 137 encontrada por uma pessoa simples, que levou-a para casa como ornamento, e, no final, terminou matando, imediatamente, 40 pessoas. Posteriormente, calcula-se que pelo menos 60 pessoas também tiveram problemas sérios e 628 vítimas foram contaminadas, reconhecidamente pelo Ministério Público, pelas instituições de saúde, especialmente bombeiros que trabalharam, verdadeiros heróis, vizinhos e familiares. A Associação de Vítimas do Césio 137 estima que mais de 6 mil pessoas foram atingidas.

            Eu, por coincidência, estive em Goiânia nas semanas seguintes ao fato do Césio. Eu era reitor da Universidade de Brasília e quis ver, pessoalmente, o que estava acontecendo ali. Recentemente, eu fui até Chernobyl e vi o que aconteceu ali. As duas experiências me arrepiam quando a gente fala do nuclear. Não, Senador, porque não se deva usar, mas porque deve-se ter cuidado.

            O que aconteceu com o Césio 137, em Goiânia, obviamente, foi o descuido de uma pessoa ingênua, mas foi, sobretudo, o descuido das autoridades públicas, que não souberam fiscalizar as fontes de onde saiu aquela pequena pedra, que não souberam cuidar do lixo, que hoje em dia é jogado em todas as partes do mundo por dentistas, por médicos e por engenheiros.

            Nós temos, no Brasil, flagelados da seca, o semiárido nordestino. Temos em Minas Gerais. Calcula-se que 30 milhões de pessoas são afetadas no Brasil pela aridez sertaneja. Pode-se dizer que é um fenômeno natural? Sim, mas não só natural. É resultado de décadas de uso irresponsável da terra, visando apenas ao lucro, pela produção de bens que não são sintonizados com a realidade ecológica da região.

            Os desertos do Nordeste estão sendo provocados, produzidos, criados por decisões econômicas e políticas. Do sudoeste à Amazônia é possível encontrar milhões de brasileiros, cada um deles com sua história de vida marcada pela estiagem. Somente em São Paulo, segundo o Ministério da Integração, um terço da população é composta por nordestinos ou descendentes.

            E por que não falar daqueles que passam noites como refugiados, por causa das chuvas próximas às suas residências; daqueles que passam noites como refugiados em cima de um automóvel porque não conseguiram chegar em casa depois de saírem do trabalho? Esses refugiados - momentâneos, é verdade - são refugiados por conta da irresponsabilidade no traçado urbano e da maneira como usamos, de forma voraz, o asfalto das nossas ruas, impedindo a água de escoar, como fez ao longo de bilhões de anos.

            É a irresponsabilidade que está criando refugiados ecológicos, como foi a maldade que provocou refugiados políticos. A maldade provocou refugiados políticos. Hoje não é a maldade que faz com que alguém ponha asfalto em uma rua, mas é a irresponsabilidade, sim, que põe asfalto sem analisar as consequências disso para o fluxo de águas, nem levar em conta as consequências da água que se revolta contra esse asfalto, que se revolta contra essas represas verdadeiras que temos.

            Nós temos o retrato claro de refugiados pela mudança climática, a qual provoca chuvas maiores e inesperadas. Durante milhares de anos, a sociedade humana se acostumou a saber quando chovia e quanto - o tamanho da chuva -, salvo raras exceções. Hoje, ninguém sabe quando vai chover, nem sabe o tamanho da chuva. E é isso que provoca os refugiados que vimos na região serrana do Rio de Janeiro, duas ou três vezes seguidas, ou em qualquer outra região. A gente os vê em Pernambuco, em Santa Catarina, em cada uma das regiões do Brasil.

            Não quero tomar mais tempo, Sr. Presidente, porque aqui tive apenas o tempo de falar pela liderança, mas eu gostaria de propor que a Comissão de Mudanças Climáticas e a Comissão de Direitos Humanos, juntas, trabalhem a análise do problema dos refugiados ambientais, que não estão recebendo o devido respeito e cuidado de cada um de nós, tanto parlamentares como governos, como os intelectuais, que pensam, analisam e defendem os direitos humanos tradicionais, sem ver que temos direitos humanos novos, que estão surgindo, resultado da irresponsabilidade de como fazemos a economia e, com isso, depredamos o meio ambiente e chegamos a mudar a realidade da terra.

            A revista The Economist, da semana passada, tem a capa dizendo que estamos entrando numa nova era geológica, a era do antropoceno, ou seja, a era em que a geologia é determinada pelo ser humano, o antropo. Até aqui, as eras geológicas eram provocadas por mudanças geológicas, cósmicas. Não mais. Agora as mudanças geológicas estão sendo provocadas no curto prazo por decisões humanas, irresponsáveis, descuidadas, mas que terminam provocando esse fenômeno dos refugiados ambientais, substituindo ou pelo menos ampliando o problema dos refugiados políticos que nós tivemos durante tanto tempo e dos refugiados econômicos que migram do sul para o norte, das Américas do Sul e Central e da África para o norte europeu e norte americano, em busca de emprego, em busca de renda. Três tipos de refugiados: os políticos, os econômicos e os ambientais. Vamos lembrar cada um desses na hora em que nós pensarmos os direitos humanos que precisamos respeitar em toda a sua plenitude.

            Esse é o problema, Senador Paim, que quero trazer para o senhor como Presidente da Comissão de Direitos Humanos: discutir a situação dos refugiados ambientais e de quem é a culpa de provocar esses refúgios obrigatórios no Brasil e no resto do mundo também.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2011 - Página 21419