Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão a respeito da política de telecomunicações no Brasil com relação à cobertura das zonas rurais e à política de espectro de radiofrequência; e outro assunto.

Autor
Walter Pinheiro (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Walter de Freitas Pinheiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Discussão a respeito da política de telecomunicações no Brasil com relação à cobertura das zonas rurais e à política de espectro de radiofrequência; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2011 - Página 22252
Assunto
Outros > SENADO. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, SENADO, AUTORIDADE, MUNICIPIO, CRUZ DAS ALMAS (BA), ESTADO DA BAHIA (BA).
  • NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ACESSO, INTERNET, INTERIOR, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ZONA RURAL, COMENTARIO, DEBATE, GOVERNO FEDERAL, MATERIA, POLITICA, EXPANSÃO, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes do nosso pronunciamento, gostaria de registrar, na tarde de hoje, a presença de uma delegação da nossa importante cidade de Cruz das Almas, cidade do recôncavo baiano muito conhecida pelo povo brasileiro, primeiro por ser a cidade que sedia a importante unidade da Embrapa no Estado da Bahia, da pesquisa. A cidade que sediou, até pouco tempo atrás, até 2006, uma unidade da escola de agronomia da Universidade Federal da Bahia, que, a partir deste ano, passou a ser o embrião da nossa Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, uma das grandes conquistas, a segunda universidade federal da Bahia depois de sessenta anos de universidade.

            Essa cidade também é muito conhecida - e esse período é muito propício para citar isso - pela característica da relação cultural. É na cidade de Cruz das Almas que se realizada a grande festa junina, assim como em outras cidades baianas. Para eu não ser injusto, eu diria como nos 417 Municípios da Bahia onde o São João é comemorado, mas Cruz das Almas tem a proeza de fazer uma grande festa, conhecida inclusive pela guerra de espadas, uma das brincadeiras patrocinadas pelos nossos grandes companheiros que fazem daquela festa uma das mais bonitas do Estado da Bahia, diria até do Brasil. É a expressão literal da cultura nordestina durante o São João.

            Portanto, estão aqui conosco, na tarde de hoje, Osvaldo da Paz, Vereador do PT na cidade de Cruz das Almas, Manoel Borges, também Vereador do Partido dos Trabalhadores na cidade de Cruz das Almas, a companheira Raquel Braga, Presidente da Coopermulta na cidade de Cruz das Almas, e o nosso companheiro Manoel Passos, que é o Presidente da Câmara de Vereadores daquela cidade.

            A esses companheiros e à companheira que aqui nos visitam, quero fazer o registro dessa importante presença, ao tempo em que devolvo, por meio dessa delegação, um forte abraço àquele povo cruz-almense que me recebeu como filho da terra, onde tive oportunidade de participar por diversas campanhas. Iniciamos ali, em 2000, a luta pela conquista da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

            Levem também o meu abraço ao nosso companheiro Orlandinho, Orlando Pereira, Prefeito daquela cidade, figura pela qual nutrimos uma relação para além da relação de companheirismo de partido. Orlando é uma pessoa da nossa estima, do nosso peito, do carinho, da convivência, um grande companheiro, assim como o povo cruz-almense tem se destacado por essa característica.

            Portanto, Sr. Presidente, quero aqui fazer este importante registro da presença dessa delegação da cidade de Cruz das Almas.

            Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna na tarde de hoje para discutir duas questões fundamentais sobre a política de telecomunicações no Brasil. Intimamente, essas questões estão relacionadas à cobertura das zonas rurais e à política de espectro de radiofrequência.

            O Brasil tem, hoje, 20% da sua população vivendo em áreas rurais, cerca de 40 milhões de brasileiros.

            Na América Latina, obviamente, em termos relativos, em termos percentuais, existem países como o Paraguai, a Bolívia, o Peru, a Colômbia que têm até um número mais elevado de população vivendo na zona rural; mas os nossos 40 milhões de habitantes da zona rural representam a maior população rural na América latina em um só país. Quarenta milhões de pessoas equivalem praticamente à população de duas Austrálias e à metade de toda a população rural da América do Sul.

            Esses 40 milhões de cidadãos buscam a cidadania plena, no sentido de ter acesso a serviços e, principalmente, a buscar elementos básicos para a sua sobrevivência no meio rural, como terra, saúde, eletricidade, telecomunicações, financiamento, educação, moradia, enfim, para passar a viver na zona rural com dignidade, com cidadania.

            Uma das áreas mais carentes do campo brasileiro é exatamente o acesso à telefonia. Não falo de uma telefonia como a do passado recente, quando a chegada da telefonia à zona rural era botar um orelhão, mas em banda larga, para poder atender a maioria da população.

            Portanto, é inaceitável, tendo em vista que estamos no século XXI, que o acesso a tecnologias de informação e de telecomunicação, os chamados TICs - que é algo essencial para a cidadania plena -, ainda não tenha sido algo que nós pudéssemos chamar de atendimento a esses 40 milhões de brasileiros.

            O setor de telecomunicação no Brasil cresceu ao ponto - eu diria - de ser o mais festejado no mundo. Nós temos hoje 40 milhões de linhas fixas, mais de 200 milhões de telefones celulares, mas isso não significa, por exemplo, que esses 200 milhões estão distribuídos espacialmente; eles estão concentrados. Se eu fizesse aqui o balanço por Brasília, eu poderia afirmar que cada brasiliense tem dois celulares - tem gente que até carrega quatro.

            Portanto, este País, que já atingiu 20 milhões de conexões de banda larga, fixas e móveis, precisa agora olhar para o campo, precisa olhar para as pessoas que estão vivendo na zona rural, incluí-las, tratá-las como cidadãs.

            No entanto, as áreas rurais continuam com deficiências, o que afeta questões fundamentais, como, por exemplo, a questão da democracia, o acesso a informação, a migração campo-cidade. A nossa habilidade em fazer progredir um País em pleno século XXI atrasa o desenvolvimento, não chega com as questões estruturantes, não sintoniza essa população com o que acontece de mais importante e mais moderno pelo mundo.

            O Governo brasileiro, neste momento, discute um novo Plano Geral de Metas para Universalização, o PGMU, para os próximos cinco anos. Esse plano criará obrigações, principalmente para as empresas de telefonia fixa com poder de monopólio, como a Telefônica, que atua em São Paulo, e a Oi, que atua em todo o País. Esse plano será importante, sim, para criar compromissos dessas empresas com o aumento da penetração dos serviços de telefonia nas áreas rurais.

            Eu diria que, a partir dessa discussão, surge uma outra questão que julgo bastante desafiadora: a nossa Política Geral de Telecomunicações, e não só voz. Fala-se, por exemplo, na possibilidade de entregar compulsoriamente a essas empresas de telefonia fixa a banda do espectro na faixa de 450 MHz, para que elas invistam na cobertura de áreas rurais.

            Talvez muita gente não entenda o que estou falando; mas, para que se tenha uma idéia do que isso significa, o espectro de freqüência é, para telecomunicações, o mesmo que o oxigênio, para a vida, é a base central. Nós costumávamos, inclusive, chamar, numa determinada época, o espectro de frequência de o ouro da Babilônia.

            Então, é fundamental que a utilização racional, que a utilização muito bem feita, que a distribuição no espectro leve em consideração quais são as carências e as necessidades que nós temos.

            Portanto, entregar automaticamente a faixa de 450 MHz, para que as empresas operadoras fixas possam tocar o serviço, pode se configurar, na minha opinião, extremamente perigoso. Perigoso não com nenhuma ilação a partir das empresas, mas porque não sei se as empresas terão a capacidade de empreender, em cinco anos, uma verdadeira campanha para cobrir e atender a esses 40 milhões de brasileiros.

            Creio que entregar uma banda larga de espectro, hoje, no Brasil, sem um processo transparente de licitação seria uma prática contraproducente e, mais do que ao próprio processo licitatório, é a permissão para que tenhamos competitividade, para que tenhamos a oferta de serviços, mais gente entrando, para podermos compatibilizar o operador fixo, que hoje já existe, a participação do Estado e a abertura de novas empresas, para que elas possam acessar.

            Só assim, meu caro Randolfe, vamos poder chegar ao interior do Amapá, vamos poder chegar ao interior da Bahia, nós vamos poder chegar ao interior de Roraima. Vejo aqui minha companheira Angela Portela, que luta quase diuturnamente para que projetos dessa natureza possam cobrir o seu Estado de Rondônia, para que possa chegar o desenvolvimento.

            Acredito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no entanto, que esse tiro sairia pela culatra se fizéssemos essa entrega automática, e nós poderíamos ter consequências deletérias, duradouras para a nossa política de telecomunicações, bem como para o acesso da população a serviços essenciais. Serviço de telecomunicação é um serviço essencial e não pode mais ser considerado um serviço qualquer.

            Em primeiro lugar, precisamos entender que não se fazem leilões de espectros a partir simplesmente de uma lógica para atender quem já opera. Precisamos entender qual o compromisso que o Brasil tem com o mundo desde os anos noventa, quando realizou leilões de espectros para definir quais operadoras teriam acesso, quais operadoras poderiam fazer serviços.

            Fizemos isso quando da privatização. Isso é importante. Estamos fazendo isso agora quanto à questão da tevê digital. Por que se fala tanto em devolver, meu caro Blairo, a faixa de frequência que as tevês utilizam na chamada analógica? Porque queremos utilizar esse espectro para outro serviços.

            Por isso é importante ter essa adoção de medidas racionais nessa área. Esses leilões têm sido bem sucedidos. Em dezembro de 2008, por exemplo, a Anatel arrecadou, para o Tesouro Nacional, R$ 4,5 bilhões com o leilão da venda do 3G, que é a terceira geração de celular. Hoje não falamos mais nisso, mas nessa época a banda que nós operávamos era da ordem de 2,1 gigahertz. Agora, nós estamos falando em quarta geração e aí vai: Ipod, Ipad, tablets de não sei de quem, tablets daqui e tablets para acolá. É preciso que esses tablets não fiquem somente aqui, mas consigam chegar acolá. Chegar aonde está a população de baixa renda. Chegar aonde está essa população que vive no campo. Chegar à produção, meu caro Blairo; usar as telecomunicações para agilizar o processo de produção no campo, para melhorar a vida do agricultor, para melhorar a produtividade, para que tenha acesso ao que produz a Embrapa, para que, de forma instantânea, chegue às mãos do produtor rural; não é só para voz, para que isso aconteça como se fosse uma relação de domínio.

            Instalar um telefone público é pouco! Não estamos mais nessa época. É preciso avançar muito mais.

            O espectro é um bem público nacional. Ele é um bem do povo brasileiro. Volto a insistir: ele é finito! O espectro não é algo aberto, como todo mundo imagina. Ele acaba. Portanto, é importante que a administração desse espectro seja feita pela União, pela Anatel.

            Os leilões de espectro são importantes, principalmente, por duas razões:

            Em primeiro lugar, para assegurar a transparência do processo pelo qual o uso comercial dessas freqüências transferida pelo Governo ao setor privado. No leilão, todos podem competir. No passado, só os amigos do rei tinham acesso a esse bem do povo brasileiro e, principalmente, com processos pouco transparentes.

            Quando consideramos destinar espectro por meio de processo administrativo, tais como: imputação às empresas fixas da banda de 450... Preste bem atenção a palavra: imputação. Todo mundo diz que nós vamos colocar carga, vamos entregar as empresas o 450 e elas vão ter a tarefa de fazer.

            A essa discussão sobre a universalização eu assisti aqui, meu caro Blairo Maggi, em 1997; assisti em 98, assisti 2000, assisti em 2001, assisti em 2002, até no ano passado. Desde então venho nessa batalha, basta nós pegarmos as notas taquigráficas do Congresso Nacional que constataremos.

            Portanto, essa imputação tem de estar associada a algo que permita ao Governo brasileiro, à Anatel e ao Ministério uma capacidade maior de fiscalização e acompanhamento para a implementação das ações para implementação das ações, e não ficar um negócio solto. Nós não temos mais subsídio cruzado: cobrar mais caro de um lugar, no centro, para que a empresa possa investir na zona rural. Isso acabou com a privatização, em 1998.

            Portanto, é importante que esses leilões, abertos à competição, nos tragam de volta a possibilidade de, com competitividade, o homem do campo ter acesso a essa ferramenta que é telecomunicações.

            Em segundo lugar, leilões são importantes porque vão permitir que as empresas que colocam maior valor nessas bandas de espectro, que conhecem melhor os negócios, principalmente aqueles que já atuam com os pequenos no mercado, possam permitir que essas pessoas tenham acesso a esse tipo de serviço, com um preço determinado, e, portanto, ao alcance dessa população a partir do seu perfil.

            O Governo, por si só, não conhece o modelo de negócio das operadoras a fundo, nem tampouco pode indicar se elas ou não vão ter essa ou aquela capacidade de cumprir esse plano de meta. Depende, inclusive, da informação das empresas.

            Eu diria que é extremamente temerária essa prática, arriscada para o Governo e nós poderíamos abrir um precedente perigoso, expondo o Governo a críticas desnecessárias por estar, de certa forma, transferindo ou beneficiando essas empresas que já operam o serviço de telecomunicações.

            Volto a insistir, eles podem participar. É importante que constituamos, por exemplo, SPEs, ou seja, associações com empresas, com o Estado, com o Governo Federal, sem nenhuma proibição para essas empresas, mas alargando a base de atuação para, na competitividade, a gente ter oportunidade de cobrir este País.

            Os fundos arrecadados nas licitações são consequência de um processo transparente e permitem aos empresários que coloquem mais valor na oportunidade de negócios, principalmente quando se discute essa banda do espectro de frequência, o que pode definir o preço efetivamente que a população vai poder pagar.

            É essa equação que temos de trabalhar. Qual é o valor? Quando a gente fala aqui: Ah, no Brasil, agora, nós vamos ter computador para todos; nós vamos ter tablet para todo mundo; nós vamos poder chegar em tal lugar. Pagando quanto para quem, inclusive, tem acesso? Ou, nesses lugares, as pessoas sequer têm o direito de sonhar em operar esses equipamentos?

            Portanto, é fundamental que o preço do serviço seja um elemento decisivo para a universalização. Ele é uma barreira. Não adianta tratar isso de outra forma que não desse jeito. O preço é um modelo impeditivo para que as pessoas sejam incluídas.

            Eu queria falar agora, principalmente, para encerrar, Sr. Presidente, sobre essa questão da banda de 450 - vou concluir rapidamente. Nem todas as bandas do espectro são iguais. Quanto mais baixa a banda, mais área ela pode cobrir. Estou tentando falar numa linguagem que as pessoas possam entender. Então, quanto menor essa faixa de freqüência, maior é a sua capacidade de abranger áreas, maior é a sua capacidade de atender lugares mais longínquos.

            A utilização do 450 na zona rural é importante porque na zona rural, meu caro Casildo, você tem uma casa aqui e outra lá adiante. Então, é fundamental que a tecnologia utilizada leve em consideração esse perfil de ocupação, que não é a ocupação urbana.

            Portanto, nós estamos falando de um Brasil que é preciso as pessoas conhecerem para apresentarem propostas. Não pode ser só a partir de um gabinete...

(Interrupção do som.)

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA) - Vou concluir, Sr. Presidente. Quero buscar concluir, mas quero pedir a V. Exª que incorpore e aceite nossas contribuições na íntegra.

            E quero encerrar, falando exatamente do objetivo da licitação desses 450. Não deve ser somente para arrecadar fundos para a União, mas principalmente destinar essa freqüência de 450 para atender as prioridades de serviços de governo na zona rural.

            Essa é outra coisa importante, meu caro Senador Blairo Maggi. Nós vamos poder chegar ao interior com o serviço de educação, saúde e segurança, além de permitir ao cidadão que está na zona rural o acesso à informação, o acesso ao mundo.

            Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente. Tenho dois Senadores me pedindo aparte e eles estão...

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Esse assunto, quem entende nessa profundidade técnica é só V. Exª.

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA) - Mas eu quero fazer, Senador Magno Malta, muito mais do que a técnica. Agora vale aqui algo que é, eu diria, o atendimento à população.

            Por isso, fiz questão de falar numa linguagem muito própria, numa linguagem que dá para todo mundo entender. Eu sei que poucas pessoas no Brasil entendem de espectro de freqüência, muito poucas, porque é um traço mais complicado. Mas todo mundo entende que este Brasil está carente de serviços para atender 40 milhões de brasileiros. Todo mundo entende que não dá mais para esperar para atender essa gente. Todo mundo entende que esta é a hora. Quando o padrão tecnológico está horizontalizado no mundo, é preciso fazer com que a nossa turma que vive no campo tenha acesso a esses serviços, e cada um seja tratado como cidadão do Primeiro Mundo e não como cidadão de quinta categoria.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR WALTER PINHEIRO.

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            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje esta tribuna para discutir duas questões fundamentais sobre a política de telecomunicações do Brasil, intimamente relacionadas neste momento: a cobertura das zonas rurais e a política de espectro radioelétrico.

            O Brasil tem hoje 20% de sua população em áreas rurais, cerca de 40 milhões de pessoas. Na América Latina, embora existam países com percentuais maiores de população rural do que a nossa, como por exemplo, o Paraguai (40%), Bolívia (35%). Peru (30%), e Colômbia (26%) nossos 40 milhões de habitantes na zona rural representam a maior população rural da América Latina em um só País. 40 milhões de pessoas equivalem praticamente à população de duas Austrálias e metade de toda a população rural da América do Sul.

            Estes 40 milhões de cidadãos buscam a cidadania plena no sentido de ter acesso aos serviços e elementos básicos para a sua sobrevivência no meio rural, como terra, saúde, eletricidade e telecomunicações. 

            Uma das áreas carentes no campo é o acesso à telefonia e à banda larga. Isto é inaceitável tendo em vista que no século XXI o acesso às tecnologias da informação e telecomunicação, os chamados TICs, é essencial para a cidadania plena.

            O setor de telecomunicações no Brasil cresceu ao ponto de termos hoje mais de 40 milhões de linhas fixas, mais de 200 milhões de linhas móveis e cerca de 20 milhões de conexões banda larga, fixas e móveis.

            No entanto, as áreas rurais continuam deficientes e isso afeta questões fundamentais para nós, como o conteúdo substantivo da nossa democracia, a migração campo-cidade e a nossa habilidade de progredir enquanto país no século XXI.

            O Governo Brasileiro neste momento discute um novo Plano Geral de Metas para Universalização (PGMU) para os próximos cinco anos. Este plano criará obrigações para as empresa de telefonia fixa com poder de monopólio, tais como a Telefônica em São Paulo e a Oi no restante do País.

            Este Plano será importante para criar compromissos destas empresas com o aumento da penetração dos serviços de telefonia nas áreas rurais.

            Embutido nesta discussão, no entanto, surge uma questão que julgo bastante desafiadora para a nossa política geral de telecomunicações.

            Fala-se na possibilidade de entregar compulsoriamente às empresas de telefonia fixa uma banda de espectro, na faixa de 450 MHz, para que elas invistam na cobertura de áreas rurais.

            Creio que entregar uma banda de espectro hoje no Brasil sem um processo transparente de licitação seria uma prática contraproducente cujos resultados seriam exatamente opostos às intenções do Governo.

            O objetivo de entregar a banda de 450 MHz às operadoras fixas seria para dar uma ferramenta para a cobertura de áreas rurais e compensá-las pelas obrigações de cobertura que o PGMU irá estabelecer.

            Acredito, no entanto, que este tiro sairia pela culatra e poderia ter consequências deletérias duradouras para a nossa política de telecomunicações bem como para o acesso da população rural aos serviços de telecomunicações.

            Em primeiro lugar, precisamos entender por que se fazem leilões de espectro. O Brasil, em compasso com o mundo, desde os anos 90 realiza leilões de espectro para definir quem são as operadoras que terão acesso ao espectro para prover serviços.

            Estes leilões têm sido muito bem sucedidos. Em dezembro de 2008, por exemplo, a ANATEL arrecadou para o Tesouro Nacional cerca de R$4,5 Bilhões com o leilão de 3G na banda de 2,1 GHz.

            O espectro é um bem público nacional do povo brasileiro, finito e administrado pela União através da Agência Nacional de Telecomunicações, a ANATEL. Os leilões de espectro são importantes principalmente por duas razões:

            1) Em primeiro lugar, os leilões são importantes para assegurar a transparência do processo pelo qual o espectro para uso comercial é transferido pelo governo ao setor privado. No leilão todos podem competir. No passado, “amigos do Rei” tinham acesso a este bem do povo brasileiro em processos pouco transparentes.

            Quando consideramos destinar espectro através de processos administrativos, tais como a “imputação” às empresas fixas da banda de 450 MHz, e não de leilões abertos à competição por várias empresas, corremos o risco de abrir precedentes perigosos que podem levar-nos de volta ao passado. A última coisa que devemos deixar acontecer é que o acesso ao espectro volte a ser feito através de processos administrativos de pouca ou nenhuma transparência.

            2) Em segundo lugar, leilões são importantes para permitir que as empresas que colocam o maior valor nestas bandas de espectro, que conhecem melhor os negócios onde querem entrar, comuniquem isto ao governo e ao mercado pagando para ter acesso a este espectro por tempo determinado e oferecer os seus serviços à população.  O Governo por si só não conhece o modelo de negócios das operadoras a fundo a ponto de indicar ele mesmo quem é o melhor empresário ou empresa para utilizar esta ou aquela banda. Esta seria uma prática arriscada e temerária para o governo, abrindo um precedente perigoso e expondo o governo a críticas desnecessárias por estar beneficiando esta ou aquela empresa em particular.

            Os fundos arrecadados em licitações são consequência de um processo transparente que permite aos empresários que colocam mais valor na oportunidade de negócios com as bandas de espectro definir o preço que podem pagar para num período determinado, de 10, 15 ou 20 anos, obter um retorno nos seus investimentos através da oferta de serviços que a população. Quem tem o modelo de negócios mais agressivo, paga mais.

            Vamos falar agora então sobre a banda de 450 MHz. Nem todas as bandas de espectro são iguais. Quanto mais baixa a banda, mais área ela pode cobrir para oferecer serviços. Neste sentido, bandas como a de 2.500 MHz que a ANATEL hoje planeja leiloar para introduzir a quarta geração de telefonia celular para a Copa do Mundo e as Olimpíadas é uma banda alta, de baixa cobertura, destinada prioritariamente a grandes cidades. Bandas como a de 450 MHz são baixas e cobrem grandes extensões territoriais, de 60 a 120 Km em torno da antena. Portanto, são boas para as áreas rurais.

            Mais importante ainda, a evolução tecnológica hoje permite que o espectro radioelétrico seja utilizado não somente para voz, mas também para o acesso à Internet em alta velocidade.

            Deste modo, a banda de 450 MHz oferece uma oportunidade única para levar voz e Internet as áreas rurais mais remotas do País, especialmente no nosso Nordeste e no Norte do Brasil, mas também no interior do Centro-Oeste, do Sul e do Sudeste, onde o acesso a telecomunicações em áreas rurais é também raro e caro. Isto com velocidades de transmissão de até 9 Megabits por segundo utilizando as tecnologias mais avançadas.

            É fundamental que o Governo não misture as metas do PGMU com o acesso ao espectro radioelétrico. As metas do PGMU devem ser estabelecidas em separado do acesso a bandas de espectro, como a de 450 MHz. O Governo deve encarregar a ANATEL a tarefa de fazer uma licitação transparente da banda de 450 MHz.

            As empresas fixas devem também ter liberdade para usar várias tecnologias e várias bandas de espectro para cumprir as suas metas, não devendo ficar enclausuradas a uma banda e uma tecnologia sugerida pelo governo, o que poderia ser contraproducente.

            O objetivo de uma licitação de espectro não deve ser somente o de arrecadar fundos para a União. Como a banda de 450 MHz destina-se a áreas rurais, a prioridade do Governo não deveria ser somente de arrecadar milhões de reais, mas sim de estimular os compromissos de cobertura rural mais altos. O critério financeiro deve ser secundário e as metas de cobertura rurais devem ter prioridade no caso deste licitação.

            Mas simplesmente eliminar o mecanismo do leilão, o mecanismo de transparência e de alocação eficiente do espectro, seria dar um tiro no pé. É importante manter um mecanismo de precificação (inclusive através de metas de abrangência) para identificar quem tem a melhor visão sobre como cobrir o campo brasileiro com telefonia e acesso à Internet.

            O resultado de uma alocação administrativa, a imputação, da banda de 450 MHz, ao invés de um leilão, não é difícil de prever. Já vimos este filme no Brasil. Empresas que tem acesso gratuito ao espectro nada fazem com ele, pois não tiveram nenhum custo inicial para pressioná-las a prover serviços em busca do retorno no investimento. Foi o que aconteceu com a maioria esmagadora das empresas de MMDS que tiveram a banda de 2.500 MHz por 10 anos e nada fizeram com ela.

            Com a imputação ao invés de licitação da banda de 450 MHz, dentro de 5 anos teremos que realocar o espectro de 450 MHz porque pouco ou nada terá sido feito. Mas 5 anos é muito tempo para o homem e a mulher do campo. O Brasil não tem tempo a perder!

            Por isso mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, proponho aqui que a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado realize uma audiência pública sobre a banda de 450 MHz, envolvendo o Ministério das Comunicações, a ANATEL, as operadoras fixas, empresas de equipamentos e investidores interessados nesta banda para discutir amplamente o assunto antes que uma decisão equivocada seja feita sem o debate aberto e democrático necessário quando estamos falando do acesso de 40 milhões de brasileiros a serviços básicos de telecomunicações, um dos passos para a cidadania plena da população rural.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2011 - Página 22252