Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de realinhamento econômico-financeiro das dívidas dos estados e dos municípios com a União.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Necessidade de realinhamento econômico-financeiro das dívidas dos estados e dos municípios com a União.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Eduardo Braga, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2011 - Página 22915
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL.
  • NECESSIDADE, REVISÃO, PACTO, FEDERAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, URGENCIA, DUVIDA, ESTADOS, MUNICIPIOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Senadora Marta Suplicy, Srªs e Srs. Senadores, agradeço a gentileza do Senador Casildo Maldaner por esta permuta para que eu possa fazer uso da tribuna.

            Seguramente não é a primeira e, consequentemente, não será a última vez que abordo da tribuna do Senado aqui, neste plenário, este tema. Mas se insisto o faço porque têm se tornado cada vez mais intensas as manifestações, por parte dos nossos governadores, dos nossos prefeitos e de muitos de nós Senadores, sobre a necessidade de um realinhamento econômico-financeiro das dívidas dos Estados e dos nossos Municípios com a União. Dívidas que foram renegociadas, pela última vez, num outro cenário econômico, completamente diferente e distinto deste que vivemos. Essa foi uma negociação feita nos anos de 1997 e 1998, no caso dos Estados, e em 2001, no caso dos nossos Municípios brasileiros.

            Vale lembrar que, antes da negociação dessas mesmas dívidas, o desequilíbrio financeiro de Estados e Municípios havia chegado a um nível insuportável, explosivo e jogava por terra - essa é que era a verdade - qualquer esforço na direção do equilíbrio das contas públicas em nosso País. Também representava uma grave ameaça à recém-conquistada estabilidade econômica e à perspectiva da retomada do crescimento econômico em nosso Brasil.

            A renegociação dos débitos em condições mais favoráveis representou, portanto, muito mais que um alívio financeiro, Srª Presidente, muito mais que a recuperação da capacidade de investimento de Estados e Municípios. Representou, na verdade, a possibilidade de um ajuste fiscal fundamental para o equilíbrio econômico de nosso País. Ajuste que seria depois reforçado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco, a meu juízo, na gestão das nossas contas públicas, que deu ao nosso País a segurança necessária para a consolidação do fim do processo inflacionário, permitindo que pudéssemos atravessar momentos de maior turbulência, como recentemente o fizemos.

            Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, União, Estados e Municípios passaram a registrar superávits primários em suas contas e começaram a pagar suas dívidas rigorosamente em dia por conta dos contratos firmados entre a União e os demais entes federados. Mas a verdade, meu caro Senador Eduardo Braga, é que, por mais que Estados e Municípios as tenham pago, o saldo das dívidas só faz aumentar.

            Levantamento publicado recentemente pelo Valor Econômico, com base nos dados do Balanço-Geral da União, mostra que, no fim de 2000, ano em que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada, o saldo dessas dívidas renegociadas pela União era de R$199,3 bilhões. Até dezembro de 2010, governos estaduais e municipais já haviam pago mais que isso - R$199,8 bilhões. Mesmo assim, pasmem, o saldo das dívidas subiu para R$439,8 bilhões, mais de duas vezes, portanto, que o valor nominal original!

            No caso do meu Estado, Senador Pedro Taques, o Espírito Santo, a dívida de R$595 milhões, em 1997, pulou para R$1,4 bilhão em abril de 2011. Isso depois de o meu Estado, o Espírito Santo, ter desembolsado, portanto, pago R$974 milhões para a União, meu caro Senador Francisco Dornelles!

            Pois bem, a explosão dessas dívidas de Estados e Municípios tem por base contratos feitos em outra conjuntura econômica, contratos que têm como indexador o IGP-DI da nossa estimada e reputada Fundação Getúlio Vargas, além de uma taxa de juros que oscila entre 6% a 9% ao ano.

            Recentemente, o Ministro Guido Mantega observou, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, que o IGP-DI era um indexador correto para as dívidas estaduais naquela época e naquela conjuntura, quando a taxa Selic estava muito elevada e, portanto, muito acima do IGP-DI. Mas, de lá para cá, o que observamos é que a taxa Selic caiu para além do IGP-DI.

            Para se ter uma ideia, entre 1997 e 2010, o IGP-DI acumulou uma inflação de 229%. o IPCA, índice usado pelo Banco Central no sistema de metas de inflação, cresceu 134%. Vale a pena lembrar também que, recentemente e de forma intensa, os secretários estaduais de fazenda apresentaram ao Ministro da Fazenda uma tabela comparando a Selic e o custo financeiro imposto a Estados e Municípios nas diversas renegociações feitas ao longo desse período, Senador Casildo. A Selic acumulada entre 1997 e 2010 foi de 691,7%; o custo do IGP-DI, mais 7,5% ao ano, foi, portanto, de 709,7%, e o IGP-DI, mais 6% ao ano, foi de 567%.

            Os secretários alegam, com toda a razão, que o que está havendo, na prática, é uma transferência de renda dos Estados e Municípios para a União, como uma apropriação indébita, como uma agiotagem, nessa relação federativa, que precisa ser invertida.

            Trocar o IGP-DI pelo IPCA e reduzir o limite de comprometimento da receita corrente líquida de Estados e Municípios talvez seja uma boa solução para aliviarmos o caixa dos governos estaduais e das prefeituras, ampliando a capacidade de investimento dos Estados e Municípios, onde se dá a realidade, o dia a dia dos trabalhadores, dos contribuintes, onde todos se esforçam muito pela transformação dos seus sonhos em realidade.

            O certo é que se faz urgente encontrarmos uma solução para essa escalada financeira em detrimento, em prejuízo dos Estados e dos Municípios brasileiros. Convém lembrar que, ao final da vigência dos contratos, o resíduo das dívidas precisará ser pago em até dez anos.

            Foi essa a preocupação que me levou, Srª Presidente, a apresentar uma proposta - que não é a única; outras propostas caminham nesta Casa em paralelo -, em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos, sob a relatoria do Senador Romero Jucá.

            Ao proibir o refinanciamento de dívidas entre Estados federados, a Lei de Responsabilidade Fiscal tinha por objetivo dar um basta a uma prática comum no passado, quando governantes sempre contavam com o socorro financeiro da União. Mas a lei acabou sendo muito rígida ao proibir a necessária repactuação de contratos de longo prazo em curso em caso de mudanças de conjuntura econômica. Para evitar tal distorção, que penaliza Estados e Municípios, o que estamos sugerindo é abrir uma exceção à regra, prevista no art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contratos com prazo de duração igual ou superior a vinte anos, firmados entre entes da Federação antes da promulgação da referida lei, poderiam ser repactuados com o exclusivo objetivo do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Ricardo Ferraço?

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Ouço, com prazer, o Senador Eduardo Suplicy; em seguida, o Senador Eduardo Braga e, posteriormente, o Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Coincide, prezado Senador Ricardo Ferraço, que, ainda hoje, encaminhei para a Comissão de Assuntos Econômicos um parecer sobre um projeto que a Senadora Marta Suplicy apresentou há poucos dias, que guarda relação justamente com o que V. Exª está falando. Tenho a impressão de que as duas proposições poderão ser até estudadas simultaneamente. Não conheço ainda os detalhes da proposição de V. Exª, mas, na justificativa da proposição da Senadora Marta Suplicy, está justamente uma reflexão sobre como é que, durante a época do governo do Celso Pitta, por exemplo, no Município de São Paulo, foi feita uma pactuação sobre as dívidas municipais. Desde aquela época, houve uma modificação na conjuntura muito significativa. Naquela época, a taxa de juros estava em 22% ao ano; agora, diminuiu, por volta de 11%, 12%. É a nova definição do Copom, desde ontem. Mas, justamente o propósito do projeto da Senadora Marta Suplicy tem muito a ver com o propósito de V. Exª. Então, quero dizer que, acredito, haverá muito boa vontade por parte desses Senadores que estão acompanhando a difícil situação de alguns Municípios e Estados. Portanto, quero enaltecer o propósito de V. Exª.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Até porque, Senador Eduardo Suplicy, na vida privada, nas relações de longo prazo, já há toda uma jurisprudência que, na alteração de conjuntura econômica em projetos ou em contratos de longa duração, a repactuação em equilíbrio financeiro é um direito que você tem como mutuário. Então, essa relação, seguramente, vai estabelecer e vai estabilizar a relação entre os entes federados, até porque quem neste País mais investe são os Estados e os Municípios.

            Ouço, com prazer, o Senador Eduardo Braga.

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Senador Ricardo Ferraço, agradeço a V. Exª por me conceder um aparte. Quero dizer que V. Exª traz a esta tribuna algo extremamente importante para o pacto federativo neste País. Obviamente, como disse no discurso, quando houve a consolidação do endividamento dos Estados...

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Acabei de começar a falar, Presidente.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Não fui eu, foi automático. Mas, como já estouramos o tempo, vamos fazer um acerto. Vamos dar mais cinco minutos. Maldaner fala, Senador Eduardo Braga fala, e Ferraço conclui. Combinado? O Plenário aceita?

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Muito obrigado, Presidente.

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Perfeitamente, Presidente. Se a senhora...

            O SR. CASILDO MALDANER (Bloco/PMDB - SC) - Eu estava inscrito. O meu será bem curtinho.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Então, vamos conceder mais cinco minutos, para todo mundo encerrar esse quesito.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Muito obrigado, Presidente.

            O Sr. Eduardo Braga (Bloco/PMDB - AM) - Agradeço a V. Exª. Apenas dizer que creio que a colocação de V. Exª tem tudo a ver, até porque os Estados estão sendo penalizados acima da taxa de juros de mercado. Se, hoje, os Estados estivessem indo ao mercado buscar recursos para pagar seu endividamento à União, eles estariam captando essa taxa entre 6% a 9% abaixo do que é cobrado, hoje, com o IGP-DI, mais 6% a 9%. Ou seja, com o volume de endividamento que os Estados têm, é um absurdo haver penalização aos Estados. A meu juízo, na realidade, não precisaríamos sequer fazer uma grande mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal. O que gostaríamos de fazer era apenas a troca do índice do contrato de endividamento dos Estados. Para tanto, não creio que seja necessário. A Bancada do PMDB, em recente reunião, abordou o tema que V. Exª traz à tribuna; estabeleceu ao Senador Luiz Henrique e a este Senador que o aparteia que pudéssemos fazer um trabalho para contribuir. O discurso de V. Exª vem exatamente se somar a esse esforço. E digo: já está mais do que na hora de que a União reveja o índice de juros que está cobrando dos Estados e dos Municípios nessa consolidação da dívida brasileira. Esses dados que V. Exª traz hoje, ao Plenário desta Casa, são absolutamente corretos.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Veja o caso do meu Estado - e já ouço o Senador Casildo. O Espírito Santo tinha um dívida, em 1997, de R$595 milhões, que pulou para R$1,140 bilhão, depois de ter pago R$974 milhões. Isso é inadmissível!

            Ouço, com prazer, o Senador Casildo.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Veja bem, Senador Ricardo Ferraço, o tema está bem presente. Sei que há certa resistência por parte do Governo de que uma cláusula contratual, que foi feita em 1997, aquela pactuação entre União, Estados, Municípios, enfim... São catorze anos, mas o cenário, hoje, é outro, conforme disse V. Exª. E o Senador Eduardo Braga e o Senador Luiz Henrique foram encarregados, por nossa bancada, inclusive em conjunto, para irem ao encontro de V. Exª para eleger uma proposta para levar ao Governo. Vejam bem, embora haja resistência, sabemos que esse pacto, celebrado em 1997, há catorze anos, não é uma cláusula pétrea. Não é! Vejam bem o negócio de Itaipu, que vivemos recentemente e que flexibilizamos. Primeiro, se dizia que não seria possível; um contrato binacional, o de Itaipu com o Paraguai, que não poderíamos flexibilizar. Teríamos que manter etc.. Entendemos, chegamos ao entendimento nesta Casa de que o melhor não só para o Paraguai, mas para o Mercosul e para o Brasil, seria flexibilizarmos aquela cláusula contratual sobre a Itaipu. Nós a flexibilizamos agora, há três semanas. Se se pode lá, por que não cá? Quer dizer, por que não com nossos Estados e Municípios? E, ainda de acordo com a proposta, se é o redutor, se é o indexador ou o resultado que vier que os Estados deixam de recolher à União no novo pacto, aplicar-se-á, num entendimento com a União, nos respectivos Estados...

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Vamos cumprir o tempo, Senador Casildo.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - ...transformando num verdadeiro pacto centralizado neste Brasil. Esse é o meu aparte.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PSDB - ES) - Agradeço a oportunidade do aparte de V. Exª, que enriquece e traz à luz a necessidade, Sr Presidente, Srs. Senadores, de o Senado da República - que é a Casa que representa os Estados e que tem essa responsabilidade, a todo o momento -, trabalhar o nosso querido, estimado e, às vezes, não tão prestigiado pacto federativo. Esse é o debate que o Senado precisa fazer; esse é o debate que nossas Comissões, a de Assuntos Econômicos, sobretudo, precisam reforçar para que possamos dar uma resposta à população brasileira, para que possamos dar uma resposta aos Estados brasileiros.

            Agradeço a condescendência, a paciência e a resignação da nossa Presidente Marta Suplicy, em razão da importância do tema.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2011 - Página 22915