Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Celebração pelos 20 anos desde a assinatura do Acordo Brasil-Argentina para o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, e do Acordo Quadripartite entre o Brasil, a Argentina, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), e a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea).

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR.:
  • Celebração pelos 20 anos desde a assinatura do Acordo Brasil-Argentina para o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, e do Acordo Quadripartite entre o Brasil, a Argentina, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), e a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea).
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2011 - Página 23072
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, ASSINATURA, ATO INTERNACIONAL, UTILIZAÇÃO PACIFICA, ENERGIA NUCLEAR, PARCERIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, AGENCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATOMICA (AIEA).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente desta sessão, Senador Acir Gurgacz; Srªs e Srs. Senadores, este ano de 2011 marca o aniversário da assinatura de dois atos internacionais de importância transcendental para a projeção externa do Brasil.

            Vinte anos atrás, tive a honra de firmar o Acordo Brasil-Argentina para o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, precisamente no dia 18 de junho de 1991. E, no mesmo ano, em 13 de dezembro, assinei o Acordo Quadripartite entre o Brasil, a Argentina, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), e a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea).

            Foram atos marcantes tanto no processo de afirmação internacional de nosso País quanto no desenvolvimento do clima de confiança, que possibilitaria a aproximação com a Argentina e a própria fundação do Mercosul.

            Cabe colocar esses eventos em uma perspectiva histórica, ver seus antecedentes e o cenário internacional em que tiveram lugar, o que nos leva ao pós-guerra.

            O fim da Segunda Guerra Mundial, conflito em que, pela primeira vez, foram usadas armas atômicas, assistiu à emergência de novo cenário internacional na essência bipolar, caracterizado pela confrontação entre dois campos opostos em praticamente todas as esferas. Liderados pelos Estados Unidos da América e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os dois campos se digladiavam na dimensão ideológica, política, tecnológica e econômica.

            Embora não tenha havido combate direto entre as duas superpotências, a chamada Guerra Fria mobilizava nas forças antagônicas uma luta pelo poder, no qual os ganhos de um lado correspondiam, direta e simetricamente, a perdas do outro.

            Tratava-se de um jogo de soma-zero, agravado pelo fato de que, situado também na esfera da disputa tecnológica nuclear, o certame atingia o patamar do que foi rotulado de over-kill, ou seja, a capacidade destruidora das potências nucleares ia além das suas necessidades dissuasórias e poderia destruir a própria humanidade. O equilíbrio do poder transformava-se em equilíbrio de terror.

            Os países líderes dos dois blocos procuravam manter disciplina férrea em relação a seus parceiros, exigindo comprometimento e lealdade, pois a possível perda de um parceiro ocasionava enorme desprestígio. No campo econômico, a rigidez do sistema restringia a movimentação econômica para além dos limites das fronteiras dos blocos. No plano regional, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, persistia a rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina, os países mais extensos e as principais economias da América do Sul. Embora não houvesse confrontação ideológica, a rivalidade era enraizada e as duas nações se olhavam com inegável e constante suspicácia.

            No entanto, o dinamismo das relações internacionais veio a se manifestar com a evolução do cenário da Guerra Fria. Vários fatores estiveram presentes, e devemos registrar, de modo esquemático, a derrocada da União Soviética e do Leste Europeu - simbolizada pela queda do muro de Berlim em 1989; a crescente hegemonia norte-americana, a ascensão econômica da China, a consolidação da União Europeia, bem como o avanço da globalização.

            O esgarçamento dos blocos e as forças globalizantes faziam com que as fronteiras estatais se tornassem menos rígidas. Aumentava a inter-relação e a interdependência econômica. Em um cenário globalizado, as economias competitivas buscavam, ao lado da modernização, as vias da integração para obter maiores e mais amplos mercados.

            O Brasil, por seus líderes políticos, seus diplomatas, seus empresários, percebia o perigo do isolamento no cenário que se delineava. Percebia, ademais, a necessidade premente de caminhar para a integração regional, ampliar mercados, facilitar a circulação dos fatores econômicos e, assim, multiplicar o seu potencial. Nascia a ideia de criação de um mercado comum, o Mercosul, cujo instrumento fundador, o Tratado de Assunção, tive a honra e a oportunidade de firmar em 1991.

            Esse processo integrador tinha como óbice, entretanto, o clima de rivalidade entre as potênciais regionais, o Brasil e a Argentina. Só a aproximação entre os dois países poderia fornecer o alicerce para a necessária integração regional. Essa distensão necessária entre as duas nações foi objeto de ação ousada e eficaz do Presidente José Sarney, que, tendo como base a redemocratização dos dois países, assinou a Declaração de Iguaçu - marco na transformação de rivais de longa data em aliados na busca do desenvolvimento.

            Essa mudança estratégica não se faria, no entanto, sem a neutralização do ambiente de contenda e suspeição recíproca entre as duas nações, Brasil e Argentina. Optou-se por criar um espaço de convergência que privilegiasse as possibilidades de entendimento. Buscou-se a construção de uma confiabilidade mútua, foram adotadas medidas do chamado confidence building, entre as quais destacam-se ações de caráter estratégico que comemoramos hoje. E a perspectiva do tempo reforça a convicção do acerto daquelas ações, Sr. Presidente.

            Em 1990, firmei com o então Presidente Carlos Menem, uma Declaração sobre Política Nuclear Comum, que pavimentaria o caminho para dois cruciais atos internacionais. Ademais, ciente da possibilidade de estar em curso, no Brasil, um programa nuclear paralelo, que poderia realimentar a desconfiança que então procurávamos anular, fechei simbolicamente o túnel de provas da Serra do Cachimbo, no sul do Pará.

            No dia 18 de junho de 1991, o Brasil e a Argentina, enfim, celebraram o Acordo Brasil-Argentina para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, que tive o privilégio de assinar.

            Esse ato internacional criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, que se encarregaria de controlar, de forma conjunta, as atividades nucleares dos dois países e que representou um enorme ganho em termos de transparência dos programas nucleares. As antigas relações de disputas e desconfianças passaram a se pautar pela credibilidade e respeito comuns. Com esse acordo, esquecíamos a ideia da bipolaridade regional, o conceito de potências regionais rivais. Vencia a nova realidade de complementariedade econômica e cultural entre as duas nações. O acordo que criou a (Abacc) estabeleceu também o Sistema Comum de Contabilidade e Controle (SCCC), mecanismo avançado que anula qualquer possibilidade de suspeição recíproca em termos nucleares.

            Sr. Presidente Acir Gurgacz, Srªs e Srs. Senadores, por mais importante que tenha sido per se na órbita regional, essa ação necessitava de respaldo internacional em um mundo preocupado com a questão nuclear. Brasil e Argentina precisavam buscar chancela multilateral para a sua política de utilização pacífica da energia nuclear.

            Em 13 de dezembro de 1991, coube-me firmar, em Viena, o Acordo Quadripartite, entre o Brasil e a Argentina, a Agência Nuclear Bilateral e a Agência Internacional de Energia Atômica. Esse ato internacional quadripartite seria essencial para respaldar a imagem de responsabilidade e seriedade dos dois países no plano nuclear.

            De nossa parte, consolidou a posição de uma visão não belicista da energia nuclear. Essa visão já havia estado presente quando, em 1967, o Brasil aderiu ao Tratado de Tlatelolco, tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, que criou a Opanal, uma agência para a proibição de armas nucleares na América Latina e no Caribe. Visava-se, então, à criação de uma zona desnuclearizada na região.

            No que diz respeito ao TNP, o Tratado de Não Proliferação Nuclear, celebrado em 1968, não contou com a participação brasileira.

            O Brasil considerava que o Tratado, àquela época, equivalia a um “congelamento do poder mundial”, de caráter excludente e discriminatório, na medida em que privilegiava os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, todos eles detentores de tecnologia e armamentos nucleares.

            A crise do petróleo de 1973 foi uma das razões que levaram o governo brasileiro a celebrar acordo de cooperação, com transferência de tecnologia nuclear com a Alemanha - o que foi visto pelas potências nucleares, principalmente pelos Estados Unidos, como uma ameaça à sua política de não proliferação. A rejeição ao TNP prosseguiu e, somente em 1998, o Brasil viria a aderir ao Tratado de Não Proliferação, em ação que procurava dar ênfase aos aspectos de confiabilidade e respeitabilidade de uma nação que aspirava a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil. A adesão ao TNP retomou a vertente nuclear não belicista vigente em meu próprio governo.

            Além disso, em setembro de 1991, Sr. Presidente, foi assinado o compromisso de Mendoza. Essa declaração inseriu-se no âmbito das medidas pacificadoras entre o Brasil e a Argentina, mas com alcance regional mais amplo, pois teve também a participação do Chile. Preocupados com a proliferação de armas de destruição em massa, pactuamos o combate à posse, ao desenvolvimento e à utilização de armas químicas e biológicas. Foi um compromisso precursor, que antecedeu a entrada em vigor, em 1997, da Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Uso de Armas Químicas e sobre sua Destruição.

            Hoje, com a perspectiva de vinte anos de história, acredito que podemos ver, com clareza, o acerto dos esforços que empreendemos para o estabelecimento de um autêntico espaço de confiabilidade mútua.

            Por fim, Sr. Presidente, Acir Gurgacz, Srªs e Srs. Senadores, Senador Mozarildo Cavalcanti, registro que a postura não belicista inaugurada pelo Presidente Sarney, e por mim impulsionada com a Declaração de 1990 e a celebração dos Acordos de 1991, foi inscrita na Constituição de 1988, sob a qual governei. Reza a nossa atual Constituição que “toda a atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”. Esse preceito constitucional reitera a índole pacífica do Brasil e acrescenta uma preocupação com a legitimidade da atividade nuclear ao submetê-la ao crivo do Congresso Nacional, do qual hoje, com muita honra, participo.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente Acir Gurgacz, Srªs e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2011 - Página 23072