Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o livro intitulado A riqueza do mundo, da escritora Lya Luft.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Comentários sobre o livro intitulado A riqueza do mundo, da escritora Lya Luft.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2011 - Página 23522
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, ESCRITOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ASSUNTO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRITICA, HABITAÇÃO, POPULAÇÃO, LIXO.
  • REGISTRO, ENTREGA, LIVRO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TEREZA CAMPELLO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, MOTIVO, INCENTIVO, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, BRASIL, ERRADICAÇÃO, MISERIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Marta Suplicy, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, eu me deparei, nesses dias, na livraria com um livro para uma pessoa muito querida e observei A Riqueza do Mundo, o último livro de Lya Luft. E, ao ler A Riqueza do Mundo, observo que se trata de um texto que pode ser considerado uma exaltação, uma justificativa para o programa Brasil sem Miséria, há pouco analisado pelo nosso Líder Humberto Costa.

            Ainda ontem, tivemos oportunidade de dialogar com a Ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a principal responsável, ao lado da Presidenta Dilma Rousseff, para levar adiante essa proposta de erradicar a condição de todos aqueles em pobreza extrema, assim consideradas todas aquelas pessoas que vivem com renda familiar per capita abaixo de R$70,00 por mês. Eu, então, resolvi dar de presente ontem este livro tão belo de Lia Luft, A Riqueza do Mundo, para a Ministra Tereza Campello, assim como espero dar esse outro exemplar para a Presidenta Dilma Rousseff, porque aqueles que estão nos ouvindo vão poder perceber a riqueza deste texto da Lia Luft, A Riqueza do Mundo:

Já escrevi que, lendo ou escutando notícias sobre cifras de bilhões e trilhões, recordo tempos em que para mim tais números se referiam a estrelas. E pouco significavam para a menina sonhadora que achava que o irmãozinho morto ainda bebê, antes de ela nascer, espiava acomodado numa delas.

Hoje, quase simultaneamente com notícias sobre a inimaginável riqueza nesta terra (a monetária, não da natureza, da arte, da ciência, do espírito humano criativo e ardente), vejo reportagens sobre a também inimaginável desgraça humana - como a que descrevi acima, e mais.

Há quem diga que dou esperança; há quem proteste que sou pessimista. Eu digo que os maiores otimistas são aqueles que, apesar do que vivem ou observam, continuam apostando na vida, trabalhando, cultivando afetos e tendo projetos.

Porém às vezes escrevo com dor. Como hoje. Acabo de assistir a uma reportagem sobre crianças que vivem do lixo, como seus pais e às vezes seus avós. São centenas, são milhares, e possivelmente pelo planeta todo serão milhões.

A reportagem era uma história de terror, mas verdadeira: uma jovem de menos e vinte anos trazia numa carretinha feita de madeiras velhas seus três filhos, de quatro, dois e um ano. Chegavam no lixão, e a maiorzinha, já treinada, saía a catar coisas úteis, sobretudo comida. Logo estavam os três comendo, e a mãe, indagada, explicou com simplicidade: “a gente tem de sobreviver, né?”.

O relato desta quase adolescente e de outras era parecido: todas com filhos pequenos, duas de novo grávidas, e, como diziam, vivendo a sua sina como sua mãe antes delas, e a avó.

Uma chorou dizendo que tinha estudado até a oitava série, mas que tinha estudado até a 8ª série, mas aí precisou ajudar em casa, e foi catar lixo como outras mulheres da família. “Minha sina”, repetiu e olhou a filha a quem amamentava.

“E essa aí?”, Perguntou a jornalista.

“Essa aí, bom, detende, tomara que não, mas Deus é quem sabe. Se ele quiser...”

Os diálogos foram mais ou menos assim, repito de memória, não gravei. Mas gravei a tristeza, a resignação, a imagem das crianças seminuas, contentes comendo lixo. Sentadas sobre o lixo. Uma cuidando do irmãozinho menor, que escalava a montanha de lixo.

Como suas mães, acreditava que Deus queria isso.

Alguém ao meu lado comentou:

Espera aí, e os bilhões que se fala a toda hora em notícias sobre a economia mundial, são usados para salvar bancos? Por que não para salvar vidas? A riqueza do mundo não é para manter vivas e dignas as pessoas?

Eu não tinha uma boa resposta, e disso me envergonhei. Quem perguntava era muito jovem.

Podia dizer - e disse - que, apesar dos humanos, o mundo continua. Doenças são vencidas, outras aparecem. O triste é que muitas são frutos de falta de higiene, por abandono, sobretudo, de parte dos governos.

Em algumas coisas, muitas, melhoramos: temos várias vacinas, mal ou pessimamente existe atendimento para doentes despossuídos, hospitais e ensino públicos ainda que atrasados e ruins, alguns benefícios como aposentadoria embora miserável, estabilidade econômica aparente: andamos um pouco mais bem equipados do que cem anos atrás.

Mas quem somos afinal?

Que humanidade nos tornamos, que, vendo toda a miséria e aflição em tantos lugares, continua comendo, bebendo, vestindo, trabalhando e estudando, como se nem fosse com ela? Deve ser o nosso jeito de sobreviver, não comendo lixo concreto, mas ruminando lixo moral e fingindo que está tudo bem. Pois se nos sentimos de verdade parte disso, responsáveis por isso, como continuar uma vida cotidiana e banal? O que fazer, como mudar? [pergunta Lya Luft.]

Talvez empregando diferentemente a riqueza do mundo. E para isso, elegendo representantes - já que uma democracia é o autogoverno do povo através deles - que cuidassem dos lixões, dos pobrezinhos, da saúde pública, dos leitos que faltam aos milhares, dos colégios desprovidos, da fome e da falta de higiene, da desinformação e da falta de escola, da seca ou da inundação, para que ninguém ficasse tão exposto e vulnerável, tão sem cuidado algum. Tão sem nada.

Os deuses não inventaram a indiferença, a crueldade, o mal do homem causado pelo homem. Nem mandaram desviar o olhar para não ver o menino metendo avidamente na boca restos de um bolo mofado, sua única refeição do dia, no mesmo instante em que a câmera captou sua irmãzinha num grande sorriso inocente atrás de um par de óculos de aro cor-de-rosa que acabava de encontrar: e, assim, iluminou-se num breve instante aquela triste realidade.

Penso novamente na tragédia das inundações e dos deslizamentos de terra em tantos lugares ou aqui bem perto, onde o fundamento, a base das moradias é terreno traiçoeiro que vai escorregar (e as autoridades fingiram não ver) ou lixão antigo, podridão que o tempo foi disfarçando com terra e algumas plantas. As autoridades também sabiam. Elas são os pais daquele lixo. Não o produziram diretamente, mas ali o deixaram, ou mandaram jogar, e em lugar de vigiar, manter higienizado e isolado, permitiram que o recado emporcalhado se cobrisse de casas, de lares.

Bairros inteiros de condomínios, edifícios de muitos andares foram construídos sobre lixo em diversas cidades e bairros. Talvez fosse aterro sanitário, mas sem o tempo necessário para que tudo se higienizasse o suficiente para que humanos pudessem morar em cima.

Produzir lixo é inevitável.

Tratar o lixo de maneira científica, técnica, que o torne inofensivo ao ser humano, é dever básico de qualquer autoridade. E acontece em países mais adiantados, onde homens encarapitados sobre lixo - ainda que de luvas - pareciam algo bizarro e cruel.

            Assim desenvolve o seu pensamento Lya Luft.

            Aqui eu vou pedir, Srª Presidente, que seja transcrito na íntegra este texto que assim conclui:

Parte da humanidade conta sua fortuna, seja com a alegria da cobiça saciada, seja chorando perdas, toma seu bom café da manhã, enquanto tantos bebem água suja para acalmar o estômago, homens desesperados procuram as famílias dizimadas, e milhares de grávidas apáticas aguardam de olhos fixos um futuro vazio.

Nós, todos nós, esse sujeito contemporâneo aflito, contraditório e oscilando entre glórias e danação, formamos a parte mais importante do mundo. 

Nós podemos melhorar o planeta e a vida humana que se multiplica nele.

Uma dúvida continua zumbindo em torno de minha cabeça: será que a mosca afinal entrou na boca ressequida daquele bebê cuja mãe não tinha esperança ou força para seguir seu mais antigo, natural e belo instinto, e proteger seu filho - que sendo sua última riqueza, era também a riqueza do mundo?

            Srª Presidenta, eu vou dar este livro de Lya Luft à conterrânea dela, Presidenta Dilma Rousseff, que, mineira e gaúcha, certamente verá neste livro o embasamento tão bem formulado sobre o que a Presidenta Dilma Rousseff resolveu levar adiante, qual seja, o propósito principal de erradicar a miséria em nosso País.

            Ainda ontem telefonei para Lya Luft para dizer que daria o seu livro tanto para a Ministra Tereza Campello quanto para a Presidenta Dilma Roussef, que, certamente, nestes textos de Lia Luft, terá ainda motivos maiores para levar adiante o propósito de erradicar a pobreza absoluta em nosso País e fazer do Brasil uma nação mais justa.

            Muito obrigado, Srª Presidenta.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do inciso I, § 2º, art. 210 do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- A Riqueza do Mundo; Lya Luft.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2011 - Página 23522