Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do novo marco regulatório dos royalties do petróleo; e outro assunto.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. CODIGO FLORESTAL.:
  • Considerações acerca do novo marco regulatório dos royalties do petróleo; e outro assunto.
Aparteantes
Flexa Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/2011 - Página 23867
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. CODIGO FLORESTAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DEBATE, SENADO, MATERIA, MARCO REGULATORIO, ROYALTIES, PETROLEO, PRE-SAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, IMPORTANCIA, APERFEIÇOAMENTO, EXPECTATIVA, EQUIDADE, DESENVOLVIMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Agradeço aqui aos funcionários do Senado. Já passam das 22 horas e sempre as quartas-feiras são dias intensos. Comecei hoje a trabalhar na Comissão de Assuntos Sociais às nove horas da manhã. Tivemos vários debates produtivos hoje nesta Casa.

            E eu queria começar, Sr. Presidente, rapidamente - não quero me alongar -, dizendo que, em relação aos royalties do petróleo, uma discussão que houve nesta Casa, eu acho que hoje foi um dia de vitória. Os governadores do Nordeste e do Norte vieram a Brasília. Tinha uma parcela que queria discussão em cima dos vetos, que queria a derrubada...

            Senador Flexa, pode ir.

            Senador, estou dizendo aqui que tinha uma parte que queria discutir o veto que o ex-Presidente fez à Emenda Ibsen Pinheiro. O ex-Presidente Lula fez o veto porque tinha que fazê-lo. O projeto, a proposta do Ibsen Pinheiro, além de inconstitucional, inviabilizava o Estado do Rio de Janeiro e o Estado do Espírito Santo. Tirava sete bilhões do orçamento do Rio de Janeiro hoje. Paralisaria educação, saúde, desmontaria as UPPs. Então, houve aqui a discussão dos governadores, mas prevaleceu uma lógica do bom senso. Qual foi a lógica do bom senso? Tentar construir um acordo. Foi isso que houve.

            Na discussão com o Presidente Sarney, vários disseram: não, aqui a discussão não é derrubar o veto; a discussão é construir um acordo. E eu acho que os nomes escolhidos pela bancada do Norte e do Nordeste foram os bons nomes. O Governador Marcelo Deda e o Governador Eduardo Campos têm um equilíbrio para essa discussão.

            Devo dizer, Senador Flexa, que depois foram à Presidenta Dilma. E a Presidenta Dilma disse sabe o quê? Se derrubarem o veto, ela entra na Justiça contra a derrubada do veto. Foi uma posição muito firme da Presidenta da República, que participava do governo do nosso ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

            E pediu, Senador Flexa, aos governadores do Norte e do Nordeste, que construíssem um acordo. Agora é aqui que entram as nossas discordâncias. Com certeza, o Governador Casagrande, o Governador Sérgio Cabral, o Governador Geraldo Alckmin vão estabelecer essa negociação de altíssimo nível, porque cada um de nós, neste Senado Federal, representa o Estado.

            Eu, como Senador do Rio de Janeiro, devo dizer que nesse tema tenho um líder, que é o Governador do Estado do Rio de Janeiro, o Governador Sérgio Cabral. Cada um de nós aqui representa o interesse do seu Estado. Mas essa comissão, com governadores, pode trazer um novo acordo. Só que a base do acordo não é o projeto do Senador Wellington Dias. De jeito nenhum!

            O projeto do Senador Wellington Dias tem problemas. E a base para começarmos a negociar, Senador Flexa Ribeiro, é respeito aos contratos. Não é só direito adquirido, mas respeito aos contratos, ao ato perfeito jurídico, porque não dá para discutir o passado, o que já houve a concessão, o que já foi licitado com determinadas regras, regras estabelecidas. Lembra que o ex-Presidente Lula teve que fazer a carta ao povo brasileiro, quando os senhores do PSDB diziam que não havia respeito aos contratos. Respeito aos contratos. Então - vou ceder o aparte a V. Exª - o que tem de ser a base do acordo, Senador Flexa Ribeiro? A discussão do futuro, a discussão do pré-sal.

            Tenho um estudo, Senador Flexa Ribeiro, que quero apresentar na próxima semana aqui. As regras do pré-sal, a partir do acordo que foi feito pelo ex-Presidente Lula e que aceitamos discutir, vão mexer no orçamento dos Estados e dos Municípios não produtores. Eu estava fazendo o cálculo do Estado do Piauí, do Senador Wellington - estou sem os números aqui mas apresentá-los-ei na próxima semana -, que vai aumentar 20 a 30 vezes.

            V. Exª sabe que, pelos cálculos do projeto de royalties que está na Câmara dos Deputados, 44% de todos os recursos vão para Estados e Municípios não produtores. Agora, o que não dá é porque juridicamente não sustenta, é vir discutir o passado. Então, todos querem o acordo. 

            É natural, Senador Flexa, que no começo, até para discutir o acordo, alguém apresente um projeto muito duro. Acho que o projeto do Senador Wellington é isto, um projeto rasteiro, porque diz o seguinte: fica tudo como está agora...

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - Permite-me um aparte Senador?

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - É claro, Senador.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - O projeto que V. Exª chama de duro foi a emenda do Deputado Ibsen; a proposta do Senador Wellington Dias já é no sentido de buscar o consenso. Mas concordo com V. Exª. Ficou definido hoje, na reunião dos governadores com a Presidenta Dilma e dos governadores e Senadores do Norte e do Nordeste com o Presidente Sarney, que uma comissão dos governadores procurará o Governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, o Governador Alckmin, de São Paulo, e o Governador do Espírito Santo, o nosso ex-Senador Casagrande, para que em conjunto possam criar - e concordo com V. Exª - essa solução de consenso, para que todos possam ser atendidos com relação a isso. Então, V. Exª tem toda a razão. Acho que vamos... O que não é possível é não se... Não é só o veto aos royalties. Todos os vetos deveriam passar pelo Congresso, porque o processo legislativo só está concluído com a apreciação do veto, quando há, mas lamentavelmente isso não ocorre. Estou apresentando, já apresentei, já dei entrada, uma PEC no sentido de que a análise dos vetos, Senador João Claudino, não ocorra como hoje, trinta dias após a leitura, porque a leitura não é feita. Com isso, os trinta dias nunca acontecem. Que deva ocorrer trinta dias após a publicação. Quando houver o veto e ele for publicado no Diário Oficial, trinta dias depois o Congresso Nacional tem que se reunir para avaliar o veto: mantê-lo ou derrubá-lo. Quero até pedir a V. Exª, Senador Lindbergh, que apoie a proposta que encaminhei para o plenário, para o Senado e, depois, para a Câmara, para que a gente possa ter... Quero dizer também, fazendo justiça, essa não apreciação dos vetos não é só deste Governo. Vem dos outros governos também. Então, é preciso que a gente resolva porque vamos voltar de novo para o governo e já estamos corrigindo as ações que não deveriam ter sido cometidas e foram. Então, a gente já corrige para que V. Exª, na oposição, não precise ficar cobrando a apreciação dos vetos.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - V. Exª é um otimista, Senador.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - Como?

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - V. Exª é um otimista, Senador.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - Não. Sou realista.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Estou brincando, Senador Flexa. 

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - V. Exª dará um bom líder do PSDB. Não tenho dúvida disso. O Senador João Claudino, ainda há pouco estava sentado ao lado dele aqui no plenário, lembrava uma data que faz referência à data que ficou acertada, por sugestão do Senador Wellington Dias, se não houver acordo. Isto está definido: que o veto seja apreciado no dia 13 de julho próximo, antes do recesso nosso, que é a partir do dia 17 de julho. Mas, coincidentemente, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que libertou os escravos no Brasil, que acabou com a escravidão. E pode ficar na história, se, no dia 13 de julho, a Presidenta Dilma assinar também a lei que vai dar a liberdade a todos os Estados brasileiros. Todos os brasileiros que ainda não usufruem dessa riqueza, que é da Nação, poderão fazê-lo por meio da partição dos royalties do petróleo do pré-sal. O Senador Wellington Dias fez referência ao petróleo em águas na parte do oceano. A parte no território de cada Estado está preservada, a esta não vamos fazer nenhuma referência.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Essa quase não existe, Senador Flexa.

            Senador Flexa, quero agradecer o aparte e dizer que o espírito tem que ser este, um espírito sereno. Nós do Rio de Janeiro não somos contra, muito pelo contrário, queremos reafirmar que somos a favor de uma nova redistribuição que faça valer os interesses dos Estados e dos Municípios não produtores.

            Quero inclusive encerrar para fazer a minha pequena intervenção sobre o Código Florestal, dizendo que é claro que agora ninguém volta à origem da discussão dos royalties. Na Constituinte, aqui nesta Casa, na questão do petróleo, na hora de ver se o ICMS era na origem ou no destino, tiraram o ICMS da origem do petróleo e foi colocada a discussão dos royalties no mesmo centro desse debate.

            Aqui, há pouco, o Senador Randolfe falou sobre FPE. E a gente sabe que o Estado do Rio de Janeiro paga e o FPE não vem para o Estado do Rio de Janeiro.

            Estou falando tudo isso para dizer o seguinte...

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - V. Exª me permite um segundo aparte? V. Exª tem toda razão. Eu quero só dizer que, do mesmo bojo que tiraram o ICMS na produção do petróleo e puseram na distribuição, no consumo, fizeram com a energia. Então o Pará é exportador de energia e quem cobra o ICMS é o Estado que distribui. O Pará não vê. Aí a diferença é a seguinte: deram ao petróleo um royalty de 10% sobre o preço bruto, mais uma compensação de 10% - tem uma outra condição. E para os minérios dos quais o Pará é exportador: 2%.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Tinha que ter royalty lá também, Senador.

            O Sr. Flexa Ribeiro (Bloco/PSDB - PA) - É CFEM, é a mesma coisa. São 2% que, na realidade, acabam ficando 0,5 pelo motivo que já expliquei. A utilização de meios até legais, mas não corretos, de não pagar sobre o preço do produto que chega ao consumidor final lá fora. Eles fazem uma chicana para driblar e pagar menos para os Estados mineradores.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Então, só para concluir este tema, acho o seguinte: há toda essa discussão sobre dívida dos Estados, FPE, ICMS - temos uma discussão sobre isso, sobre guerra fiscal e royalties. Por isso, acho que o Governo Federal tem também que entrar, para fazer uma mediação que seja boa para todos os Estados da Federação. Não tem sentido uma briga federativa. Esse Estado é integrado. Sentimento contra o Rio de Janeiro não vejo em canto algum. Os Senadores que visitam o Rio de Janeiro, o povo brasileiro, a relação com o Rio de Janeiro... Sou um paraibano que está no Rio de Janeiro; 30% da população do Rio de Janeiro são de nordestinos. Então, não há espaço neste Brasil para uma guerra federativa.

            V. Exª veja que são vários temas. Então, acho que há um momento adequado para o Governo Federal, com paciência, e este Senado, por ser a Casa da Federação, tentarem construir um acordo. E, ao final de tudo isso, celebrarmos um acordo que vai ser bom para todos os Estados. Acho que é isso. Nesse debate, não pode haver nem vencidos, nem vencedores.

            Muito obrigado pelo aparte, Senador Flexa Ribeiro. V. Exª é um Senador trabalhador, atuante. V. Exª sai daqui a esta hora, vai ver o resto do jogo do Santos, e, amanhã, às 9h, estaremos na Comissão de Infraestrutura, brigando, duelando no bom sentido, discutindo, debatendo temas. Parabéns a V. Exª!

            Quero garantir ao Senador que vou fazer meu pronunciamento com o máximo de brevidade possível e aos funcionários que nos olham aqui também.

            Volto a esta tribuna para debater sobre o Código Florestal. Tenho dito que o texto aprovado na Câmara dos Deputados não está à altura da magnitude dos desafios que enfrenta. O Senado tem a oportunidade e o dever de qualificar o processo de interlocução e deliberação, ouvindo todos os setores da sociedade com menos paixões, preconceitos e arcaísmos.

            A bem da verdade, o que aconteceu na Câmara lembra o que ocorreu em Estocolmo, em 1972. Naquela primeira conferência mundial sobre meio ambiente, o desentendimento foi generalizado. Preservacionistas dos países mais ricos e desenvolvimentistas das nações emergentes passaram o tempo se digladiando em torno de teses dogmáticas e irreconciliáveis.

            Os primeiros, entrincheirados no Clube de Roma, alegavam que o desenvolvimento estava esgotando os recursos naturais, eliminando os biomas e a biodiversidade e colocando em risco o futuro do Planeta.

            A única solução, diziam, era reduzir o desenvolvimento, colocar um freio no crescimento econômico, de modo a não sobrecarregar ainda mais o meio ambiente, em célere processo de degradação.

            Os desenvolvimentistas, como seria de se esperar, reagiram com dureza. Eles se insurgiram contra as teses do Clube de Roma, argumentando, com razão, que a redução do desenvolvimento impediria a solução dos seus graves problemas sociais e econômicos e congelaria as imensas desigualdades e assimetrias existentes na ordem mundial. Diziam, também, não ser justo que os países desenvolvidos, os quais haviam predado os seus biomas à exaustão, quisessem, agora, impedir os países em desenvolvimento de usar os seus recursos naturais como bem entendessem.

            Esse desentendimento profundo, construído com base em dogmatismos e visões estreitas da realidade, perdurou, tragicamente, por décadas. Na realidade, o impasse só começou a se resolver com a Eco 92, conferência que instituiu, oficialmente, o conceito de desenvolvimento sustentável, isto é, a ideia simples, mas poderosa, de que desenvolvimento e preservação ambiental, ao contrário do que transpareceu em Estocolmo, são perfeitamente conciliáveis.

            Em Brasília, em 2011, ocorreu algo muito semelhante na votação do Código Florestal. O resultado geral foi a aprovação de um texto confuso e doutrinariamente preso a uma concepção ultrapassada das relações entre desenvolvimento e meio ambiente; um texto que reproduz o trágico impasse de Estocolmo e que desconhece todo o progresso teórico, prático e político que foi realizado nas últimas quatro décadas sobre o assunto.

            Há problemas graves, inclusive de redação. Alguns artigos são contraditórios entre si e há lacunas que criam uma imensa insegurança jurídica. Tanto é assim que ambientalistas, ruralistas e analistas independentes interpretam de maneira antagônica as mesmas cláusulas. Cito um exemplo: a introdução intempestiva, no art. 3º, do conceito de área rural consolidada, que admite quaisquer atividades agrossilvopastoris até 22 de julho de 2008, induz a possibilidade de que tais empreendimentos sejam regularizados e legitimados, independentemente de estarem em APPs ou em reservas legais. A referência explícita à possibilidade de legitimação dessas áreas, no art. 33, que se refere à recuperação dos danos ambientais, suscita dúvidas quanto à necessidade de que os proprietários dessas áreas as recomponham. Desse modo, perpetua-se o passivo ambiental.

            Como já me manifestei em pronunciamento recente, a malfadada Emenda nº 164, aprovada pela Câmara, deu ao art. 8º uma redação muito complicada. O caput desse artigo inclui a citação “manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008”, e remete a exigência da lei para as hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto. Com isso, o artigo cria uma dificuldade adicional para os casos de utilidade pública, de interesse social ou baixo impacto, que precisarão de lei específica. O Poder Público terá que administrar uma situação bastante delicada, já que, até a edição dessa lei, não haverá qualquer previsão que possibilite a autorização de supressão de vegetação em APP para obras de utilidade pública e interesse social, o que, por certo, trará sérios problemas, remetendo à paralisação de obras essenciais e atrasando a execução de outras previstas ou em curso.

            Ademais, o caput do art. 8º faz a complementação dessas hipóteses, acrescentando “atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, observado o disposto no § 3º”. Essa ampliação abre a possibilidade de supressão de vegetação em APPs de forma tão ampla que descaracteriza sua condição como tal, equiparando, sob todos os aspectos, as demais áreas do imóvel - esse ponto, para nós, significa a destruição do conceito de APPs.

            Além disso, a observação ao disposto no § 3º implica a possibilidade de o Programa de Regularização Ambiental ampliar essa previsão, viabilizando a supressão e intervenção em APP para implantação ou manutenção de outras atividades. Na prática, o único resguardo previsto seria o de “áreas de risco”, significando assim que as tipificações de “áreas de preservação permanente” deixam de ter importância ou mesmo significado no espaço rural.

            Cabe destacar, Sr. Presidente, que o artigo 8º não trata essa possibilidade de supressão e intervenção em APP como exceção, eliminando inclusive a previsão de adoção de medidas mitigadoras e compensatórias, bem como a de tratamento diferenciado em caráter emergencial para atividades e obras de defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes.

            O art. 14, I, estabelece que o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) estadual poderá reduzir a Reserva Legal de imóveis situados na Amazônia Legal para até 50% da propriedade, para fins de regularização da área rural consolidada. A regra atual prevê essa possibilidade “exclusivamente para fins de recomposição”. Ao prever para fins de regularização da área rural consolidada, e considerando que o ZEE estabelece a diretriz para uma determinada área e não propriedades específicas, a medida fará com que áreas de florestas que teriam sua proteção conferida pela condição de Reserva Legal, ao perderem essa condição com a redução do percentual exigido, se transformam em áreas passíveis de desmatamento. Isso porque uma propriedade que tenha 80% de floresta, cuja regularização dependa somente da comprovação da averbação da Reserva Legal, poderá fazê-la agora destinando 50% da área, restando os 30% restantes como área passível de solicitação formal para desmatamento regular.

            O art. 28 estabelece que, “nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie”.

            Sr. Presidente, concluo dizendo que tenho insistido, e coloquei pontos aqui específicos sobre o debate do Código Florestal, sei que para alguns que estão nos escutando pela TV Senado pode parecer um debate em cima de artigos, mas fiz assim dessa forma porque o debate está sendo travado dessa forma nesta Casa e sei que há uma rede criada neste País que discute esse tema e quer aprofundar.

            Estou fazendo a discussão desses pontos aqui, desses artigos, porque sei que há pessoas que estão acompanhando esse debate, entidades ambientais espalhadas pelo Brasil afora, e a TV Senado é uma oportunidade de falarmos sobre isso.

            Mas tenho insistido, Sr. Presidente, que o Brasil vai sediar, no próximo ano, a Rio + 20. Como país signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica, o Brasil se comprometeu a garantir a sobrevivência das suas espécies. A Lei nº 11.428, de 2006 (Lei da Mata Atlântica), veda o corte, a supressão de vegetação que abriga espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção (art. 11, I, a). Desse modo, a previsão do art. 28 não apenas reduz a proteção já prevista na legislação nacional como também contraria compromisso já assumido pelo País.

            O art. 49, parágrafo único, dispõe que, “ao proprietário ou possuidor de imóvel rural inscrito no CAR, regularizado e que adote práticas agropecuárias conservacionistas do solo e da água, poderão ser concedidos incentivos financeiros adicionais no crédito agrícola, em todas as modalidades, conforme regulamentação específica”. A medida é contraditória em essência. A regularização pressupõe a observância de normas legais que deverão ser observadas por todos os proprietários. O apoio à busca da regularização é louvável, contudo, conceder incentivos financeiros adicionais no crédito agrícola aos que promoveram ações irregulares não é razoável, notadamente se tais “incentivos adicionais” se referem às condições e aos critérios exigidos do proprietário que agiu regularmente.

            São muitos os aspectos complicados nesse Código, Sr. Presidente.

            Lembro esta Casa que, recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), entidade séria e representativa, publicou um relatório intitulado “Rumo a Uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”. O relatório parte de uma constatação que já é óbvia: a economia baseada no carbono, também chamada de “economia marrom”, é insustentável. Essa falta de sustentabilidade não se refere apenas à área ambiental, mas também à área social e à própria racionalidade econômica de longo prazo.

            De fato, a “economia marrom” vem esgotando recursos ambientais estratégicos, como a água doce, destruindo a biodiversidade, concentrando renda e riqueza, produzindo escassez de alimentos e inviabilizando o desenvolvimento de longo prazo.

            Contudo, o relatório é otimista. De acordo com as simulações feitas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, investimentos de somente 2% do PIB mundial na “economia verde” conduziriam a um maior desenvolvimento econômico e a uma maior redução da pobreza, comparativamente à manutenção do paradigma exaurido da “economia marrom”.

            Os investimentos na agricultura com elevada produtividade e refratária a intervenções predatórias, na reciclagem dos resíduos, nos serviços ambientais, no reflorestamento, nas energias renováveis, na construção de prédios mais eficientes, no turismo e no transporte menos poluente poderiam impulsionar o crescimento econômico e gerar ocupação e renda para um enorme número de trabalhadores, especialmente os mais pobres.

            Portanto, a economia verde poderia mudar a face do Planeta, aumentando a nossa qualidade de vida, sem sacrifício do crescimento econômico. Assim como os investimentos no Estado do bem-estar social alteraram a face do capitalismo ao final da Segunda Guerra Mundial, os “investimentos verdes” poderiam acelerar a recuperação econômica e contribuir para que as Metas do Milênio propostas pela ONU sejam atingidas. A transição para a economia verde apresenta, desse modo, mais oportunidades do que riscos.

            Em outras palavras, a sustentabilidade ambiental pode ser, sim, um excelente negócio, especialmente para o Brasil. De fato, o Brasil tem tudo para ser, ao mesmo tempo, uma potência econômica e agrícola e uma potência ambiental.

            Para muitos países, a imprescindível transição para o paradigma da agricultura verde poderá ser custosa e difícil. Para o Brasil, ao contrário, a transição para o novo paradigma verde e produtivo é muito mais fácil, justamente porque nós ainda não exaurimos os nossos recursos naturais. Nossa grande vantagem comparativa, nosso diferencial estratégico, o que nos assegura um grande futuro é exatamente o fato de não termos copiado o erro alheio.

            Sr. Presidente, o Brasil tem tudo para ser, cada vez mais, um grande produtor e exportador de alimentos saudáveis e de qualidade e, ao mesmo tempo, uma extraordinária potência ambiental, de inestimável valor global. Ao mesmo tempo, nossa megadiversidade poderá constituir a fonte de uma indústria de biotecnologia sem paralelo no Planeta.

            Para que esse destino se realize, precisamos de um Código Florestal que proteja solos, água, biodiversidade.

            A Presidenta Dilma Rousseff, em sua pertinente crítica ao texto da Câmara, lembrou a necessidade de que o Brasil cumpra seus compromissos internacionais. Temos de lembrar também um compromisso ainda maior: a responsabilidade intergeracional de legar aos nossos filhos e netos - inclusive aos filhos e netos dos agricultores - um Brasil melhor, com equilíbrio ambiental e qualidade de vida.

            Assim sendo, Sr. Presidente, o Senado, em vez de olhar para trás, em vez de olhar para Estocolmo, em 1972, deve olhar estrategicamente para o futuro, olhar para a Rio+20 em 2012, olhar para o Brasil em que nossos descendentes terão de viver no futuro.

            Nosso dever é aprovar um código comprometido com o que a Presidenta Dilma denominou “verde produtivo”, em cujo âmbito, crescimento da agricultura e preservação ambiental deixem de ser termos contraditórios, formando uma equação de soma zero, e passem a ser duas faces de uma mesma moeda, a moeda do desenvolvimento sustentável, a moeda do futuro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador João Vicente Claudino. Eu agradeço a V. Exª por ter ficado aqui. Agradeço e peço desculpas a todos os funcionários, às taquigrafas, mas para mim era muito importante voltar, nesta semana, a falar sobre o Código Florestal.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/2011 - Página 23867