Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da necessidade da elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento do semiárido nordestino.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Considerações acerca da necessidade da elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento do semiárido nordestino.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2011 - Página 24774
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO SEMI ARIDA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, COMBATE, SECA, MISERIA, REGIÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero iniciar, antes do meu discurso, fazendo dois registros.

            Primeiro, saudar, dar boas-vindas aos Senadores Vanessa Grazziotin e Vital do Rêgo, que participaram da última reunião da OIT e que trouxeram, em especial a Senadora Vanessa, a este Senado tão boas notícias, principalmente no que diz respeito ao entendimento internacional da necessidade de ampliarmos os direitos dos trabalhadores domésticos no Brasil e no mundo, esta que é uma bandeira há muitos anos abraçada pelo movimento de mulheres em nosso País. Eu própria já me pronunciei, por mais de uma vez neste plenário, nesta Casa, no sentido de que pudéssemos avançar na direção de garantir todos os direitos dos trabalhadores brasileiros aos trabalhadores e trabalhadoras domésticas. Inclusive com uma proposição da extensão do salário família para os trabalhadores domésticos.

            Segundo, Sr. Presidente, convocar todos as Srªs e os Srs. Senadores a participar, no próximo dia 4 de julho, segunda-feira, às 11 horas, no plenário do Sendo Federal, da nossa Sessão Especial em Comemoração ao Dia da Independência da Bahia, que se realiza em 2 de julho.

            Também encaminhei a todos os Srs. Senadores um pequeno histórico a respeito da data de 2 de julho na Bahia, para que o conjunto dos Srs. Senadores possa tomar conhecimento da importância dessa data para a Independência do Brasil e da Bahia.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, com o lançamento do Programa Brasil sem Miséria ficou claro que a pobreza no Brasil tem territorialidade, a pobreza no Brasil é nordestina e é nortista, especialmente. E, de forma também muito destacada, o meu Estado da Bahia, com 2,7 milhões de pessoas vivendo na linha abaixo da pobreza, dos seus em torno de 14 milhões de habitantes, revela as dificuldades que nós, nordestinos, temos de conviver, de viver, de sobreviver e de ingressarmos nesse Brasil que surge, que desponta com muita força no conjunto, no mundo, de forma especial, e se inserindo na economia global.

            “De sorte que, sempre evitado, aquele sertão, até hoje desconhecido, ainda o será por muito tempo”.

            Essa afirmação profética de Euclides da Cunha sobre o semi-árido nordestino, por ele tão minuciosamente descrito em Os Sertões, nos longínquos primeiros anos do século XX, permanece tristemente atual no Brasil de nossos dias. Mesmo já percorridos um século e uma década desde então, o nosso sertão e os sertanejos seguem assistindo a sucessivas políticas públicas praticadas pelo Estado brasileiro que se revelam, ao longo dos anos, insuficientes e equivocadas muitas delas.

            É fato cantado em prosa e verso que grande parte do Nordeste do Brasil é afetada pela seca, especialmente a região do semiárido, cuja média de precipitação é inferior a 800 mm por ano. Padece o nosso sertão ainda da má distribuição das chuvas e de solos rasos e pobres, fenômeno por demais conhecido por seu anacronismo e inclemência, objeto de abordagens historicamente controversas, abrangendo 57% da região e afligindo 40% da sua população, segundo o último censo do IBGE.

            Esses fatores, aliados a questões mais complexas e de caráter eminentemente político, têm produzido situações de pobreza extrema, chegando, nos períodos prolongados de seca, a cenários de verdadeira calamidade.

            Nos dias de hoje, grande parte da população sobrevive da pecuária e da agricultura em pequenas propriedades desprovidas de meios efetivos à geração de produtos para a sua segurança alimentar, carecendo amplamente de programas de transferência de renda, a exemplo do Bolsa Família.

            Estudos do professor Luiz Paulo Neiva, da Universidade do Estado da Bahia, Uneb, colocam em evidência que os problemas históricos do semiárido relacionados à seca estão imbricados em uma estrutura de crescimentos regionais desiguais e em uma estrutura fundiária perversa, conjunção que, sem dúvida, tornou o chamado sertão nordestino o espaço sócioeconômico mais problemático do Brasil e, em consequência, um locus marcado não só pela adversidade climática, mas também por equívocos, incompreensões e a implementação de políticas públicas inócuas.

            A história do País tem demonstrado de forma eloquente o quanto o sertão tem servido de palco para conflitos de trágica magnitude, provocados por esse desenvolvimento desigual e pelo quase desconhecimento de sua realidade pela grande maioria dos brasileiros. A Guerra de Canudos, o cangaço e as ligas camponesas em resposta à grilagem são referências emblemáticas de uma região que, por possuir características sumamente especiais, deveria ser objeto de políticas especiais.

            Em seu estudo denominado Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semiárido, o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Professor Roberto Marinho Alves da Silva, considera que as alternativas para o desenvolvimento sustentável do sertão devem levar em consideração, por um lado, a trajetória e o contexto histórico das políticas de governo para a região e, por outro, os pensamentos e conhecimentos já produzidos sobre aquela realidade. Para o Professor Roberto Marinho, o semiárido nordestino é uma realidade tanto complexa quanto incompreendida, o que vem provocando desequilíbrios ambientais e a cristalização da pobreza e miséria local.

            Historicamente, a estrutura fundiária ali desenvolvida se caracteriza em perspectiva ambivalente: por um lado, a extrema concentração de terras em latifúndio; pelo outro, a existência pulverizada de numerosos minifúndios. Ambos os estudos, tanto do Professor Roberto Marinho, sobre o semiárido, quanto do professor Luiz Paulo, a respeito da região de Canudos, na Bahia, apontam para a necessidade de problematizar as políticas públicas de combate à pobreza e aos efeitos da seca na região.

            Para o Professor Luiz Paulo, os diagnósticos realizados para a implementação de políticas públicas nos sertões baseiam-se tradicionalmente em dados secundários, sendo desconsiderada a participação das comunidades. A miopia dessa percepção tem levado muitas vezes a resultados inversos aos objetivos declarados. Mais que isso, o repertório de projetos costuma ser influenciado, ou mesmo definido, e cooptado pelas oligarquias locais.

            Os primeiros sinais efetivos da ação do Governo Federal no Nordeste brasileiro começaram a aparecer, ainda que tardiamente, no início do século XX, com a criação do Iocs (Inspetoria de Obras contra as Secas), que se transforma em Ifocs (Instituto Federal de Obras contra as Secas) e, posteriormente, em 45, no Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas).

            Observa-se, entretanto, que as ações desenvolvidas por esses órgãos constituem-se basicamente no que tem sido denominado de “fase hidráulica do desenvolvimento”, com a construção, sobretudo, de barragens para o abastecimento humano e animal. Posteriormente, desenvolve-se também a preocupação com a irrigação.

            O repertório de órgãos, programas, projetos e ações oficiais de combate à pobreza rural da região é certamente tão longo quanto o repertório de análises e de avaliações desses fenômenos. Nesse mesmo sentido, todo novo projeto oficial apresentado ao público inclui sempre dois elementos: uma análise crítica de tudo que precede e afirmação de que com aquele projeto, enfim, todo problema da pobreza rural será resolvido.

            Poderíamos mesmo periodizar as diversas abordagens em cinco fases fundamentais, quais sejam: a primeira já citada, a fase hidráulica, marcada pela construção de açudes que se prolongou até os anos 50 com relevante papel para o Dnocs.

            A segunda fase, que denominaríamos de “transição para o desenvolvimento”, teve início ainda durante os anos 40 com a criação da Chesf e da CVSF (Comissão do Vale do São Francisco), que depois se transformou em Codevasf; seguida da fase de “modernização reformista”, marcada pela criação da Sudene, em 1959, quando as ações de desenvolvimentos se destacaram por um processo pioneiro de planejamento regional, emergência da questão regional ou chamada questão Nordeste.

            Com a ditadura militar, assistimos à fase de modernização conservadora, que se estendeu de 1964 a 1985, período em que as secas voltam a ser determinantes principais da pobreza regional; é a fase do desenvolvimento rural integrado, em que os programas mais importantes foram, numa primeira fase, o Polonordeste e, em seguida, o projeto Nordeste e, já em 1985, o PAPP - Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural. Nesse período histórico, as ações para o desenvolvimento da região do semiárido nordestino voltam a ser centralizadas no Governo Federal.

            A partir dos anos 90, temos a quinta fase: a do “desenvolvimento sustentável”, fundada nos conceitos de descentralização, participação e privatização. O caráter eminentemente social que marcava as fases anteriores é substituído por outro, de cunho mais econômico.

            Evidencia-se, assim, que, a despeito dos programas e projetos elaborados e das obras executadas durante o século XX, pouca coisa mudou no semiárido, demonstrando a incapacidade dos governantes para enfrentar efetiva e eficazmente os problemas da região. Ademais, interesses clientelistas e de grupos passaram a se privilegiar com as obras promovidas para o combate à seca, situação analisada em demasia por Celso Furtado e batizada como “indústria da seca”. Mais ainda: nos diagnósticos para a implementação de políticas públicas não são levados em conta o conhecimento local e a participação efetiva das comunidades locais. O Município de Canudos, na Bahia, constitui-se exemplo emblemático. Uma cidade que é cidade por três vezes: primeiro, a Centenária, que foi dizimada 114 anos atrás, de Antonio Conselheiro; depois a cidade encoberta pelo Cocorobó; e finalmente a nova Canudos, que tem apenas 25 anos.

            Em meados da década de 40, o Governo Federal, na tentativa de resgatar a imensa dívida com o povo daquele lugar, inicia os estudos para a construção do açude Cocorobó, exatamente no local onde foram massacrados cerca de 20 mil seguidores do beato Antonio Conselheiro pelo Exército brasileiro, comandado pelo governo de uma República recém-fundada, que assim se apresentou pela primeira vez aos sertanejos.

            Esse episódio epopeico, trágico e basilar - conquanto insuficientemente reconhecido - da História do Brasil, ocorrido no final do século XIX, foi magnificamente relatado no Livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, hoje um clássico universal de nossa literatura.

            Novamente nos apoiando nos estudos do Professor Luiz Paulo, esse açude, que à época da inauguração, em 1969, era o segundo maior do País, teria capacidade para estimular a economia municipal e regional, a pesca de subsistência e comercial e a irrigação e abastecimento de áreas para a produção agrícola e consumo de animais. No entanto, a ausência recorrente de uma reestruturação fundiária e de uma política de utilização plena do açude sonegou aos moradores da região os frutos do portentoso investimento, perdurando, incompreensivelmente, o quadro de anacronismos históricos.

            Assim é que, até o presente, o açude não tem suas múltiplas potencialidades econômicas acionadas à disposição da população no que tange à irrigação, produção pesqueira e potencial turístico, dentre outras, fato que põe em xeque a ação pública empreendida, flagrantemente incapaz de - ou pouco interessada em - oferecer às comunidades sustentabilidade e demarragem social, ambiental e econômica.

            Nos anos recentes, novas iniciativas têm contribuído para equacionar os entraves e oferecer soluções conjuntas com a comunidade, buscando explorar potenciais e oportunidades e melhorar a vida no semiárido.

            Dentre essas iniciativas, Sr. Presidente, destaca-se o projeto-piloto desenvolvido pela Universidade do Estado da Bahia, que agora, no Governo Jaques Wagner, recebe mais impulso ainda.

            Essas iniciativas pautam-se no entendimento da necessidade de convivência com a região, ou seja, na superação da ideia de que o problema da seca é apenas hídrico e de que nós devemos dar soluções hídricas a todos os problemas da região, buscando apenas a organização de açudes e a garantia de água. É preciso, principalmente, estudar as formas de vida, de sobrevivência no semiárido, as culturas possíveis no semiárido, que podem garantir a sobrevivência da região e, de lá, fazerem brotar novas soluções, inclusive soluções não-agrícolas, soluções que demonstrem o potencial até mesmo turístico da região do semiárido brasileiro - no meu caso, do semiárido baiano.

            Portanto, é preciso ter em mente essa necessidade de convivência com a região - condições de solo, vegetação, restrição hídrica - para aproveitar suas potencialidades; é importante o conhecimento das comunidades locais para delinear um grande projeto que torne realidade a grande potencialidade de produção da região.

            Sobre esses novos paradigmas, Sr. Presidente, caras Srªs e Srs. Senadores, pretendo me aprofundar em um pronunciamento que farei amanhã, destacando, de forma mais organizada e detalhada, as experiências da Universidade do Estado da Bahia, naquela região de Canudos, no Parque Histórico de Canudos.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2011 - Página 24774