Discurso durante a 108ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à Medida Provisória 527/2011 que trata, entre outros assuntos, da flexibilização de licitações para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 e prevê o sigilo do orçamento das obras.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. ESPORTE.:
  • Críticas à Medida Provisória 527/2011 que trata, entre outros assuntos, da flexibilização de licitações para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 e prevê o sigilo do orçamento das obras.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2011 - Página 25482
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. ESPORTE.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), RELAÇÃO, FLEXIBILIDADE, LICITAÇÃO, OBRAS, DURAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, OLIMPIADAS, DEFESA, ORADOR, ABERTURA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, PROPOSIÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia os eguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, breve estará nesta Casa mais uma medida provisória que tem que ser rechaçada. Diz respeito à Copa e à Olimpíada, flexibilização de licitações, inclusive com a chamada cláusula de segredo.

            Eu tenho advogado que o Presidente Sarney, Presidente do Congresso Nacional, deveria, em nome da autonomia deste Poder, devolver medida provisória dessa natureza ao Palácio do Planalto. O Governo poderia adotar o expediente de projeto de lei em regime de urgência para resolver situações que dizem respeito à necessidade de rapidez, de agilização na execução de obras no País.

            Certamente, com o recuo que houve de que o segredo deve ser mantido - ouvi hoje pronunciamentos do Presidente Sarney e de outras lideranças do PMDB nessa direção -, se isso se concretizar, somos obrigados a mais uma vez recorrer ao Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade.

            Nesse ano, já são uma, duas, três, quatro, cinco, seis ações diretas de inconstitucionalidade que a Oposição protocolou no Supremo Tribunal Federal.

            Aquela que autoriza a criação da Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A., o trem-bala, com uma ação direta de inconstitucionalidade do PSDB e do DEM, que tem como relator o Ministro Dias Toffolli.

            Outra, referente à mesma Medida Provisória nº 511, do PPS, que tem como relatora a Ministra Ellen Gracie.

            O PSDB protocolou também ação direta de inconstitucionalidade em relação à medida provisória do Governo que cria a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Nós apresentamos esta ação direta de inconstitucionalidade antes da deliberação e, nesse caso, a ação direta perde sentido, porque nós, por decurso de prazo, levamos essa medida provisória ao Arquivo, naquela sessão em que a Oposição adotou a obstrução como expediente para derrubar duas medidas provisórias. Esta foi uma delas.

            A outra Ação Direta de Inconstitucionalidade diz respeito à medida provisória que abre crédito extraordinário no valor de mais de R$26 milhões. O Ministro Ayres Britto é o Relator dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade. A outra, que também diz respeito a essa medida provisória, foi protocolada pelo DEM e tem o Ministro Ayres Britto também como Relator.

            E, finalmente, a primeira das ações de inconstitucionalidade que protocolamos no Supremo Tribunal Federal diz respeito ao Projeto do Salário Mínimo. O que nós questionamos é o dispositivo que autoriza o Poder Executivo a definir o salário mínimo por meio decreto-lei. Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade tem como Relatora a Ministra Cármem Lúcia. Certamente, nos próximos dias, protocolaremos mais uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, referente a esta medida provisória da Copa.

            Nós gostaríamos, Sr. Presidente, de fazer um apelo ao Supremo Tribunal Federal, para que agilize os procedimentos a fim de que essas ações de inconstitucionalidade possam ser julgadas no menor espaço de tempo possível, até para que providências possam ser adotadas pelo Poder Executivo se, eventualmente, essas medidas provisórias forem consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

“Todo setor público que manuseia recursos públicos está compelido a prestar contas. Prestar contas a si mesmo não é prestar contas”, avalia o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, para quem o sigilo dos orçamentos de obras para a Copa do Mundo no Brasil é “inconstitucional”.

            Bem, Sr. Presidente, nós já tivemos várias manifestações referentes à inconstitucionalidade dessa medida provisória: o Procurador-Geral da República, o Comitê de Procuradores, que está encarregado de acompanhar as ações desenvolvidas nesse projeto de Copa do Mundo 2014, e, agora, o Ministro Marco Aurélio.

            Portanto, seguramente, esse é um voto que derruba esta medida provisória. O Ministro define a medida como “escamoteamento”, “mal exemplo”, “absurda”. Isso porque, para ele, manter orçamentos em sigilo “é uma sinalização péssima, que tem uma leitura terrível e cáustica por parte dos cidadãos em geral”. E conclui: “É um retrocesso”. Portanto, foi fulminante o Ministro Marco Aurélio.

            Na entrevista, o Ministro comenta o recuo do Governo em cumprir com a promessa de dar publicidade aos gastos da Copa do Mundo, que será sediada no Brasil em 2014, e dos Jogos Olímpicos em 2016, no Rio de Janeiro.

            Marco Aurélio diz:

A publicidade é um princípio básico na administração pública. E é ela que permite aos contribuintes em geral acompanharem o dia a dia da administração pública. A 'coisa pública' não pertence a quem quer que seja, ela é do coletivo, do povo. E evidentemente tem que se primar pela transparência. Eu não concebo o sigilo em qualquer setor. Também não concebo, por exemplo, essas despesas do Planalto, que não vêm à tona e são guardadas, de certa forma, a sete chaves a partir de um pretexto.

            Faz referência o Ministro Marco Aurélio às despesas efetuadas com cartões corporativos, pela Presidência da República, em sigilo absoluto, sem prestação de contas à população do País.

O pretexto de preservar a segurança de um dignitário, um dirigente. Meu Deus do céu! O dia em que eu não puder sair à rua, não puder estar na vitrine sendo visto por todos, terei que reexaminar meus atos para ver onde errei. Esse problema das obras da Copa peca de início pelo escamoteamento que querem fazer e pela falta absoluta de razoabilidade. Foi o que o procurador geral da República (Roberto Gurgel) disse, é um absurdo, não entra na cabeça dos cidadãos, que hoje vivem sob os ares constitucionais da Carta de 1988.

            Diante de tantos argumentos fulminantes, fica difícil imaginar que o Senado Federal possa subscrever uma medida provisória desta natureza.

            Aonde queremos chegar em matéria de descrédito diante da população brasileira?

            Se continuarmos agindo dessa forma, certamente jamais sairemos do chão da descrença popular que campeia pelo Brasil hoje.

Aí diz mais o Ministro Marco Aurélio sobre o segredo dos orçamentos:

A quem interessa esconder o jogo, usando uma expressão futebolística? A quem atende esse sigilo? Ao interesse público? Não. Aí, se seguir o sigilo, é possível até mesmo proceder-se de forma extravagante, com desvios e outras coisas. A publicidade tem o objetivo de buscar a eficiência mediante um acompanhamento pela imprensa, população...

            Diz o Ministro sobre a flexibilização das licitações:

Isso é péssimo porque abre um buraco. Hoje, se excepciona para isso, amanhã para outra coisa e daqui a pouco não teremos mais parâmetros. Nós não podemos cogitar de flexibilização de lei que busca justamente a lisura.

Penso que o mercado tem uma saída política: a concorrência.

Eu não posso, a priori, partir do excepcional. Não posso pressupor que todos sejam salafrários até que provem o contrário. Vamos adotar o mecanismo para evitar esses conluios. Mas não o mecanismo do sigilo. A transparência é um valor que fala mais alto.

            Faz referência ele exatamente ao argumento do Governo de que a adoção do sigilo evitaria a formação de cartel pelos empreiteiros interessados em executar as obras.

            Perguntado se esse sigilo é inconstituciona,l ele diz:

Sim, a menos que se feche a Carta da República a qual todos se submetem. A publicidade é um princípio básico e que está na Constituição Federal. Podem coabitar o mesmo teto a publicidade e o sigilo? São coisas antagônicas.

             

            E para a democracia, o que significa isso?

Paga-se um preço e o preço é o respeito às regras estabelecidas. É uma sinalização péssima, que tem uma leitura terrível e cáustica por parte dos cidadãos em geral. É um retrocesso.

            Se essa mudança for mantida, os órgãos controladores como o Tribunal de Contas da União só saberão das previsões, dos gastos se o governo achar conveniente. Como o senhor avalia o tratamento dado aos órgãos de controle?

            Responde o Ministro:

Pois é... Não tendo acesso, você vê que o sistema feito para a publicidade está primando pelo sigilo. Todo homem público e setor público que manuseia recursos públicos está compelido a prestar contas. Prestar contas a si mesmo não é prestar contas.

            É evidente. O sigilo implica prestar contas para si mesmo. E isso não é prestação de contas.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco conversei com o Presidente do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, o Pedro Paulo, uma entidade que congrega os profissionais que atuam em auditoria, controle e fiscalização obras públicas. Portanto, não é a opinião de empreiteiros, não é o posicionamento das empresas empreiteiras de obras públicas, é de quem faz a auditoria dessas obras, e faz referência a esta medida provisória.

            Eu vou resumir e destacar:

“Além de atribuir ao Poder Executivo a discricionariedade de decidir quais os empreendimentos que possam ser enquadrados, como atingidos pelo RDC, é preocupante o desrespeito à Constituição Federal, que no seu art. 37, zela, entre outros, pela isonomia dos licitantes e pela escolha da proposta mais vantajosa para a administração. Por outro lado, o regime de contratação proposto, se aprovado, incentiva a realização de licitações sem a perfeita definição de seus objetos, ou seja, sem a utilização de projetos completos de engenharia. Essa situação é amplamente conhecida pelo controle externo como a principal causa do insucesso das obras públicas e, na realidade, apenas posterga a fase de planejamento, para que seja feita,concomitantemente, à fase de execução”.

            O Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas ainda ressalta que “a celeridade na realização de obras de engenharia se consegue com planejamento adequado e projetos bem elaborados, antes da licitação, conforme preconizados na Lei Federal nº 8.666/93 que, ao nosso ver, tem plenas condições de utilização para a contratação de qualquer obra pública, inclusive as necessárias à Copa do Mundo ou aos Jogos Olímpicos. O que não se pode aceitar é que por simples falta de planejamento se deixe exaurir os prazos hábeis e se realize contratações de última hora, a qualquer preço”.

            Conclui o Instituto:

[...] em que pese a boa intenção de agilizar as contratações, é inegável que a proposição legislativa contém dispositivos que podem favorecer desvios e mau uso do dinheiro público, bem como proporcionar questionamentos jurídicos capazes de criar ainda mais obstáculos à efetivação dos procedimentos. Neste sentido, o Ibraop posiciona-se contrário à aprovação desta Medida Provisória, na forma que se encontra redigida. 

            Além de ouvir esse especialista, que é Presidente do Instituto de Auditoria de Obras Públicas, fui ouvir também outro especialista, um amigo que atuou, durante muitos anos, em empreiteiras de obra públicas, e transcrevo aqui o que me disse ele:

A licitação é publicada com a planilha de custos aberta apenas para as quantidades de obras e serviços, cabendo ao licitante cotar o preço em cada item e fechar o valor final com o “bdi” respectivo. Isto tem sido muito usado por órgãos e entidades que desejam direcionar o contrato para algum escolhido, que recebe o orçamento dito como “fechado” previamente. Às vezes outros concorrentes conseguem comprar de algum funcionário o dito orçamento e também entram no jogo com vantagem. Os demais licitantes ficam às escuras, têm que ralar para orçar preço a preço todos os itens e ficam à mercê do acaso, porque a variação de um e outro orçamento, de uma para outra empresa, pode variar em percentual expressivo quando a licitação é por menor preço. Assim, concluindo, as licitações de orçamento fechado são conduzidas na modalidade de menor preço global e não admitem desconto linear, porque os descontos têm que ser dados item a item. Portanto, quem conhece o orçamento do órgão ou da entidade previamente, tem uma excepcional vantagem competitiva. Em toda a minha vida de empreiteiro [ele diz], nunca vi um orçamento “fechado” que fosse realmente fechado. Todos esses orçamentos acabam nas mãos de alguém antes da licitação.

            E nós sabemos nas mãos de quem cai esse orçamento. É o propósito de dirigir para favorecer. Trata-se do exercício do tráfico de influência, da retribuição a eventuais favores concedidos durante a campanha eleitoral ou depois dela. E é por essa razão que sempre afirmamos que boa parte da corrupção na Administração Pública começa quase sempre durante a campanha eleitoral.

O que está ocorrendo agora é que, como as obras da Copa vão ser licitadas sem projeto básico, os órgãos e entidades não terão condições de fazer o dito orçamento e terão que contratar em cima de estimativas a partir de meros termos de referência. Logo, os empreiteiros alcançaram o paraíso em vida. Isso é tudo o que eles sempre sonharam.

            Sr. Presidente, são argumentos fulminantes de todas as áreas. Veja que os argumentos e os adjetivos utilizados pelo Procurador-Geral da República foram veementes. Da mesma forma, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Duas autoridades: uma, do Ministério Público, e outra, do Poder Judiciário, da Suprema Corte.

            De outro lado, nós trouxemos aqui o depoimento do Instituto de Auditoria de Obras Públicas. Quem teria autoridade maior para expor a realidade do que estão pretendendo com essa medida provisória, do que esse instituto que realiza auditoria nas obras públicas e que, portanto, conhece todas as espertezas desse setor?

            Depois, buscamos até mesmo a palavra e o testemunho de um experiente empreiteiro de obras públicas, hoje não mais militando no setor. Ao longo de sua trajetória, trabalhou em grandes empreiteiras, tem larga experiência e apresentou esse testemunho que acabei de ler, dizendo que esse é o paraíso que os empreiteiros sempre sonharam.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2011 - Página 25482