Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a participação de S.Exa. na quarta sessão de debates da Subcomissão de Acompanhamento da Rio+20.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre a participação de S.Exa. na quarta sessão de debates da Subcomissão de Acompanhamento da Rio+20.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2011 - Página 26736
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, SESSÃO, SUBCOMISSÃO, ACOMPANHAMENTO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DEBATE, ASSUNTO, COMBATE, POBREZA, NECESSIDADE, ORADOR, AUMENTO, OFERTA, QUALIDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, SETOR, SAUDE, EDUCAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem à noite, nós realizamos a quarta sessão de debates promovidos pela Subcomissão que cuida do assunto da Rio+20, dentro da Comissão de Relações Exteriores, presidida pelo Senador Collor. E ontem nós discutimos pobreza, como superá-la, como resolver esse problema no mundo inteiro.

            Veio depois de uma que fizemos sobre água, como conservá-la, e de outra sobre energia, como e por que consumir e produzir.

            Na próxima semana, vamos discutir economia verde. O que é isso? É uma saída para a realidade de crise ambiental que o mundo vive?

            Mas quero tocar no assunto da pobreza e dizer que, daqui a pouco, vamos ter uma reunião, no Ministério das Relações Exteriores, de todos os envolvidos com a Rio+20, para trabalharmos em conjunto, o Ministério, o Governo do Rio e também o Congresso. O Presidente Sarney nomeou representantes do Senado para esta reunião. Eu vou estar na reunião.

            Ontem, Sr. Presidente, na discussão de como superar o quadro de pobreza, vimos alguns pontos que vale a pena discutir aqui. O primeiro é que não se justifica a ideia de manter o equilíbrio ecológico com uma parte imensa da população na pobreza. Manter o equilíbrio ecológico para poucos fere os sentidos e os sentimentos de humanismo, de humanidade, de solidariedade. Não se pode discutir o futuro da humanidade do ponto de vista ambiental esquecendo-se do problema da pobreza. É preciso trabalhar junto o problema da pobreza e o problema ambiental.

            Se nós vamos conseguir incluir na discussão dos Chefes de Estado o assunto da pobreza, o que não será fácil, como colocar esse assunto? E aí vem a primeira coisa que, ontem, vimos no debate. O puro e simples crescimento econômico, mesmo destruindo o meio ambiente, não vai resolver o problema da pobreza hoje e vai agravar o problema da pobreza dos nossos netos, dos nossos bisnetos e até mesmo dos nossos filhos. Temos de enfrentar o assunto da pobreza diferentemente da velha tradição de que o crescimento econômico resolve o problema da pobreza. Não é verdade. Isto foi uma mentira vendida aqui ao longo de anos, para todos os lados: “cresça que depois a gente distribui”. Primeiro, a distribuição só vem se for de bens distribuíveis. Quando a economia produz bens que não são distribuíveis... Por exemplo, se o automóvel chegar a todos, vai ser um engarrafamento tão grande que será como se ninguém o tivesse. Só se distribui, quando é um produto distribuível, que pode se distribuir para todos. Segundo, o crescimento só distribui quando cria emprego, e o crescimento hoje não gera emprego na proporção de antes. Hoje, quem produz são mais as máquinas que nós, seres humanos. Então, o crescimento, por ele, não vai gerar uma distribuição nem vai erradicar a pobreza.

            Em alguns casos vai erradicar, porque a gente vê que muitas vezes, quando chega o crescimento econômico no campo, expulsam-se os pobres camponeses que tinham que o comer, que produziam pouco para o mercado e que são expulsos para as cidades, onde vão sobreviver na pobreza.

            Então, não é a economia. E economia é uma condição necessária para a gente enfrentar o quadro de pobreza, mas não suficiente. Não basta o crescimento econômico, embora seja necessário o crescimento econômico. Por exemplo, crescimento econômico com inflação não resolve a pobreza, porque a inflação rouba todos os meses dinheiro dos assalariados.

            E, se não é o crescimento econômico, automaticamente, o que seria? A transferência de renda? Não. A transferência de renda é tão positiva, um pouquinho melhor do que o simples crescimento econômico. Agora, só a transferência de renda dá o alimento; no máximo, dá a possibilidade de comprar alguns bens. No máximo, mas não tira da pobreza. O que vai tirar da pobreza é uma quantidade de políticas públicas que levem para que as pessoas que hoje são pobres tenham o que elas precisam para saírem da pobreza.

            E aí temos duas discussões: Quais são esses bens e serviços necessários para tirar uma família da pobreza? Como faz com que ela tenha isso? E, ontem, a gente pôde discutir esse assunto. Primeiro, a definição que vimos lá é a de que ser não pobre é você ter uma vida digna, porque apenas uma vida os animais do zoológico têm; apenas uma vida qualquer ser vivo tem. O ser humano não pode se contentar, para dizer que está fora da pobreza, com uma vida. Tem que ser uma vida digna, digna do ser humano. Aí vamos discutir o que caracteriza uma vida digna? O que caracteriza uma vida digna, em primeiro lugar, é comer, obviamente, porque também somos animais. Agora, como é que a gente tem a comida? Através do salário. A pura e simples transferência de renda pode dar a comida, mas não dá a saída da pobreza.

            O Marrocos, Sr. Presidente, este país árabe, acaba de criar o programa bolsa escola. E, como me ligam muito, sobretudo do exterior, sobre o Bolsa Escola, que se iniciou aqui no Distrito Federal no meu governo, e antes a ideia, num grupo que eu coordenada na Universidade de Brasília, eles me procuraram e me disseram o nome do bolsa escola para eles. E fiquei surpreso com o nome. É um nome em que nenhum de nós chegou a pensar.

            É uma palavra árabe, que, portanto, eu não sei, cujo significado traduziram para mim e quer dizer “abrir a porta”. Bolsa escola no Marrocos chama-se “abrir a porta”, porque eles não querem apenas dar a comida que a transferência de renda produz; eles querem abrir a porta para que a pessoa não precise da transferência de renda daqui a algum tempo.

            No Brasil, quando criamos o programa era Bolsa Escola; esquecemos a escola e ficamos com a bolsa, tanto que se mudou o nome para Bolsa Família, para retirar a ideia de escola.

            E o que acontece hoje, Senador Mozarildo? Eu não vi nenhum estudo ainda, mas, com certeza, já há filhos do Bolsa Família que são pais, vivendo do Bolsa Família. Se uma pessoa atravessa a infância, a adolescência, a juventude, casa-se, tem filhos vivendo do Bolsa Família e continua do Bolsa Família para seus filhos é porque o Bolsa Família fracassou como instrumento de erradicar a pobreza, embora tenha sido um grande instrumento da eliminação da fome. Ou seja, prestou-se positivamente à ideia de fome zero, mas não se prestou à ideia de erradicar a pobreza daquela família.

            Se não é a transferência de renda, pura e simples, o que podemos imaginar que eliminaria a pobreza ao garantir vida digna a cada família? Quero colocar duas coisas, porque penso que nós temos que ir além da pobreza: a saúde e a educação. Não saiu da pobreza a pessoa que não tenha acesso aos serviços de saúde, mesmo que tenha acesso à comida. Não saiu da pobreza a pessoa que tenha dor de dente e não sabe a hora nem o dia, nem a semana que vai ter seus dentes tratados; e, quando chega a hora, depois de uma longa espera para tratar os dentes, o dentista simplesmente os arranca e a deixa sem dentes. Isso é pobreza, mesmo que tenha uma renda, mesmo que tenha um emprego! Por isso é preciso oferecer saúde para poder dizer que aquela família saiu da pobreza.

            As classes médias e altas resolvem esse problema com seguro privado ou pagando ao médico. Isso não vai ser possível para quem tem uma renda, por exemplo, inferior a dois mil reais por mês. E os nossos pobres vão demorar muito a ter isso. Só tem um jeito: um sistema de saúde pública de qualidade. Não é só a ideia de universalizar, mas a de universalizar a qualidade.

            Hoje comemoramos a universalização da educação, mas estamos universalizando a matrícula apenas, não a frequência, não a permanência, não o aproveitamento em escolas sem qualidade.

            É preciso que a gente entenda que a oferta de qualidade da educação e da saúde é a primeira condição depois da alimentação, obviamente, para garantir uma vida digna.

            Não vamos sair da pobreza enquanto não houver um sistema de qualidade da educação e da saúde.

            Agora, como eu disse, é preciso ir mais longe. Não é apenas uma questão de tirar da pobreza. É imoral um país ter pessoas que vão viver mais ou vão viver menos conforme a renda que tem. É imoral! Isso não é apenas desigualdade, isso é uma imoralidade. É diferente!

            Venderam a ideia de que nós temos desigualdade na qualidade do sistema de saúde. Não é apenas desigualdade, é imoralidade. Não é decente uma pessoa viver mais ou menos de acordo com o dinheiro que tem. Não é decente uma pessoa desenvolver mais ou menos o seu cérebro conforme o dinheiro que tem para pagar uma escola ou o dinheiro que não tem para pagar uma escola.

            Esse assunto de erradicar a pobreza garantindo saúde e educação de qualidade vai além da pobreza. Exige, para que a sociedade seja decente, que a gente ofereça escola e saúde com a mesma qualidade para todos.

            Sr. Presidente, é capaz de ter muita gente rindo dessa minha afirmação. É capaz de ter muita gente dizendo que isso é absurdo. Quero dizer que, durante 350 anos neste País, as pessoas riam quando alguém dizia que era preciso abolir a escravidão. São 350 anos dos 500 anos que nós temos. As pessoas riam. Como abolir a escravidão? A agricultura vai falir, vai faltar comida para todos. Um dia, com a assinatura de uma princesa, nós resolvemos o problema da desigualdade entre os ricos e os pobres.

            Não era desigualdade, era imoralidade ter escravo. Não era desigualdade.

            É imoralidade a desigualdade, como nós temos no Brasil, do acesso à saúde e à educação. Tendo educação e saúde, tendo a comida, nós precisamos resolver o problema de que a comida não chegue pela transferência de renda assistencial, mas, sim, pelo emprego.

            É o emprego de uma pessoa que vai dar a comida de que ela precisa, salvo, obviamente, aquelas que estão incapacitadas para o trabalho, que, por razões de certas deficiências que carregam, precisam, sim, que nós asseguremos a comida a ela. Mas essas são as exceções das diversas deficiências que cada um de nós tem.

            Ontem o que achei interessante foi a idéia de como resolver os dois problemas: a falta de emprego para poder comprar o que precisa e a falta de bens e serviços como educação e saúde que, sem serem ofertados a todos, provocam a pobreza e a imoralidade.

            O que nós vimos que o que vai resolver esses dois problemas é uma só coisa. É como duas pessoas solitárias: quando elas se encontram, as duas solidões, se é que se pode colocar no plural, se anulam. A solidão de um e a solidão do outro se anulam quando eles se encontram.

            Pois bem, o problema do desemprego e o problema, por exemplo, da falta de saneamento neste País se anulariam se nós contratássemos os desempregados para que eles colocassem água e esgoto nas suas ruas. Isso foi feito no Distrito Federal, entre 95 e 98, por um sistema chamado Saneamento Condominial, que não foi inventado aqui; foi inventado em Recife, por um engenheiro chamado José Carlos de Melo, e que está disponível para quem quiser fazer.

            Uma das características da vida na pobreza é a má qualidade da habitação. Por que a gente não emprega a pessoa que mora na casa e os vizinhos para que reconstruam as casas onde eles moram? Você pode empregar e você pode oferecer aquilo de que eles precisam. Essa concepção de empregar para produzir o que os pobres precisam, para mim, é o grande achado dos debates que estamos fazendo. É a ideia que estamos chamando de “keynesianismo social e produtivo”, diferente daquele que se faz nos Estados Unidos, que é tipo o Bolsa Família. Nós damos dinheiro, com o dinheiro a pessoa compra, com a compra, o consumo aumenta; e, o consumo aumentando, a indústria volta a funcionar, e a pessoa nem precisa mais da transferência de renda. Essa foi a ideia inicial. Alguns ficaram condenados aos vales-alimentação que os americanos dão até hoje.

            Pois bem, nós acreditamos, Sr. Presidente, que essa ideia de pagar aos pobres para que eles produzam o que eles próprios precisam, para mim, essa é a saída que a Presidenta Dilma pode levar para o grande encontro dos Chefes de Estado e de Governo que vai acontecer em julho do próximo ano.

            Eu lembro, Senador Mozarildo - e não vou tomar muito mais tempo -, que no Distrito Federal, quando implantamos a Bolsa Escola vinculada à educação, eu costumava dizer: “Nós não estamos dando nenhuma ajuda à mãe que recebe essa Bolsa; estamos contratando essa mãe para que ela garanta que o seu filho vá à escola”. Isso dá dignidade! Você contratar dá dignidade à pessoa que é contratada. É diferente de receber, pois você foi contratado, você deu em troca um serviço. O seu serviço é o seu filho ir à escola.

            Aqui, nós contratamos 2.300 carroceiros; e para alguns que não eram desempregados financiamos uma carroça, sim, de cavalos, para que eles coletassem o lixo nas ruas, ensinando a eles como ganhar dinheiro com o lixo, por meio da reciclagem, garantindo um salário mínimo. Ficou mais barato, ficou mais eficiente, porque eles entravam em ruas em que os caminhões não entram. Empregamos e limpamos a rua. As duas solidões desapareceram: o lixo na rua e o desempregado na esquina, empregando o desempregado para recolher o lixo.

            A gente fala tanto aqui em reflorestamento. Por que não fazemos um grande programa de reflorestamento de emprego, um grande programa de emprego para que os empregados plantem árvores em todos os lugares onde for possível? Essa é uma solução que é possível.

            Esperamos que, com a contribuição que estamos dando com esses debates às quintas-feiras, às 6 horas da noite, sobre um tema, a Presidenta Dilma possa nos representar levando soluções para a grande crise que o mundo vive. Temos muitos temas para debater lá, mas hoje quero ficar apenas, Senador Mozarildo, para não tomar mais tempo, neste assunto da pobreza que ontem discutimos.

            Vou me ausentar daqui a pouco para esta reunião no Itamaraty em que vamos discutir a organização, os temas, nossa contribuição, do Congresso brasileiro, para a reunião de junho de 2012 chamada Rio+20.

            Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo.

            Era isso que tinha para colocar nesta sexta-feira de manhã.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2011 - Página 26736