Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a necessidade de revisão das leis que tratam da divisão de receitas entre os entes federativos, tendo em vista a situação fiscal dos Estados.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Considerações sobre a necessidade de revisão das leis que tratam da divisão de receitas entre os entes federativos, tendo em vista a situação fiscal dos Estados.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2011 - Página 26753
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, LIMITE DE ENDIVIDAMENTO, ESTADOS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, LEIS, FISCAL, REGISTRO, PROJETO, AUTORIA, ORADOR, REDUÇÃO, CALCULO, SUPERAVIT, SETOR, INVESTIMENTO PUBLICO, OBRAS, INFRAESTRUTURA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco/PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste semestre, o Senado Federal assistiu à retomada de uma das discussões mais importantes de sua agenda dos últimos tempos: trata-se da situação fiscal agonizante de nossos Estados comprometidos por dívidas de difícil solução.

            Todos sabemos que o Governo Fernando Henrique Cardoso empenhou-se em resolver o problema fiscal dos Estados, estabelecendo quadros normativos que o Governo atual sabiamente soube preservar. Nesse sentido, dois instrumentos foram fundamentais:

            Em primeiro lugar, a Lei nº 9.496, de 1997, que estabeleceu critérios para a consolidação, a assunção e o refinanciamento, pela União, da dívida pública mobiliária de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal.

            Por meio dela, foi estabelecido o Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, que saneou as finanças estaduais e estabeleceu condições para uma gestão fiscal sustentável.

            Três anos depois, esses princípios, que valorizavam o encontro de contas e o saneamento fiscal dos entes da Federação, foram regulamentados e definidos de forma mais precisa na Lei de Responsabilidade Fiscal.

            Essas duas leis constituem marcos decisivos da história econômica recente do nosso País. No curto prazo, diminuíram os encargos das dívidas estaduais e estabeleceram a cultura da disciplina fiscal, o que colocou o Brasil na trilha da responsabilidade fiscal e da solidez nas contas públicas.

            Isso não significa, contudo, que essas leis não possam ser reconsideradas após quase uma década de existência. Hoje, na verdade, a situação econômica do país é outra. Se o escopo daquela legislação permanece válido, devemos ponderar se ela não está a merecer ajustes, e esta é precisamente uma das funções principais do legislador: estar atento à necessidade de adequação das leis ao seu tempo histórico e propor soluções quando esse diapasão se modifica exigindo outra providência legal.

            E quais são os sinais de que o Programa de Reestruturação e de Ajuste fiscal necessita ser aprimorado? Precisamente o que ele propôs a modificar: a dívida dos Estados e a sua repercussão na gestão dos entes federados.

            A queixa é geral. Não procede apenas de uma região ou de Estados administrados por governos de oposição.

            Com o endividamento corrigido pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas - um índice sensível às pressões do mercado e dos preços internacionais -, as unidades da Federação iniciaram o ano de 2011 pagando mais juros do que nos mesmo período do ano passado.

            Depois da renegociação das dívidas no fim da década de 90, os Estados passaram a ter a dívida corrigida pelo IGP-DI mais 6% a 9% ao ano, conforme o caso. Com a alta da inflação, o IGP-DI já está em 10,84% no acumulado nos últimos 12 meses, o que pode fazer a dívida disparar até 20% neste ano e criar dificuldades para as contas dos Estados.

            Segundo levantamento da Agência Brasil, as despesas estaduais com os juros da dívida aumentaram, em média, 30,7% nos dois primeiros meses de 2011, em comparação com o mesmo período do ano passado.

            E a pressão sobre os juros da dívida não é compensada pelo aumento da arrecadação decorrente da inflação. De acordo com esse levantamento, as receitas totais dos Estados aumentaram 13,01% no mesmo período.

            Os Estados mais afetados pelo aumento dos juros da dívida são: Tocantins, cuja despesa subiu 150% no primeiro bimestre; Minas Gerais, com a alta de 124%; e Rio de Janeiro, com 63%.

            Outra prova de que não se trata de um problema isolado foi a declaração conjunta dos Governadores, em 23 de maio deste ano, que sugeriram, ostensivamente, em citação literal, “reorganizar o perfil da dívida dos Estados com a União, de molde a promover - até mesmo para compensar eventuais perdas decorrentes da reforma tributária - uma redução razoável dos repasses dos juros e amortizações que são feitos mensalmente”.

            Mais recentemente, em 14 de junho deste ano, todos os Governadores do Nordeste e da Amazônia Legal, reunidos em Brasília, estabeleceram, entre os pré-requisitos necessários à deflagração de qualquer discussão sobre reforma tributária, a necessidade de “alteração do atual indexador da dívida dos Estados, passando a adotar o índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 2% ao ano”.

            Esse mal-estar coletivo é corroborado pelas estimativas existentes sobre a progressão da dívida estadual. Os Estados brasileiros alinharam-se às determinações legais, produzindo superávit fiscal e pagando os juros e amortizações previstos.

            Isso permitiu que se interrompesse a trajetória explosiva de progressão da dívida, porém não resultou na sua diminuição.

            De acordo com o economista Danilo Jorge Vieira, a Dívida Líquida do Setor Público Estadual acumulou variação real de 18,3% entre 1997 e 2007, ampliando em 6% a sua participação nominal no PIB, apesar de os Estados desembolsarem, em valores constantes de 2007, aproximadamente R$276 bilhões com os serviços da dívida. O principal componente deste aumento foi o passivo renegociado por meio da Lei nº 9.496, que registrou elevação real de quase 38%.

            Isso explica a reclamação de tantos governadores que, tendo pago valores correspondentes aos da dívida principal, não viram diminuir o saldo devedor, no chamado “efeito BNH”, em que o mutuário financiava a casa própria pelo Sistema Financeiro de Habitação e, ao final do contrato, pagava duas ou três vezes o valor do imóvel em juros de financiamento bancário.

            A consequência mais perversa desse problema, Srªs e Srs. Senadores, é a baixa capacidade de investimentos dos Estados. Como boa parte dos gastos dos Governos Estaduais é carimbada na origem, os Governadores se veem forçados, para cumprir o superávit fiscal, a canalizar rubricas de investimento para o pagamento da dívida. Agrava esse quadro o fato de que, nos últimos anos, o aumento do ICMS, principal imposto de sustentação dos Estados, não acompanhou o crescimento do PIB, de forma que os Governos Estaduais estão cada vez mais dependentes da União para investimentos.

            Percebendo a trágica situação vivida nos Estados, propus o Projeto de Lei do Senado nº 392, já em 2007. O foco da minha proposta era autorizar a União e os Estados, no âmbito do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, a abater do cálculo do superávit primário despesas com investimentos em obras de infraestrutura, definidas em comum acordo dos Estados e União. Com isso, os Estados poderiam recuperar sua capacidade de investimento, ajudando a potencializar o desenvolvimento econômico com obras de infraestrutura. Em um país com relação de taxa de investimento e PIB tão baixa como o Brasil, parece claro que a União e os Estados seriam fartamente recompensados com geração de renda, de emprego e de impostos, cujos valores tenderiam a superar aqueles depositados nos investimentos geradores.

            O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, porém recebeu parecer contrário da Comissão de Assuntos Econômicos. Quando seria sepultado na reunião dessa comissão, em 24 de maio de 2011, o colegiado irrompeu em protestos sobre a importância do problema, impedindo, desta forma, que ele fosse rejeitado.

            O ponto alto daquela reunião da CAE foi a manifestação contundente de muitos Senadores, de partidos da base do Governo e também da oposição, de diversos Estados, no sentido de reconhecer a gravidade do problema e exigir soluções. Vários deles, como os Senadores Blairo Maggi, Eduardo Braga e Luiz Henrique, deram testemunho na condição de ex-Governadores, com vasta experiência na gestão das dívidas dos seus Estados. Tiveram oportunidade de apresentar dados concretos que corroboram o que temos dito aqui.

            Daquela discussão, surgiu ainda a inspiração ao Senador Luiz Henrique, que apresentou projeto sobre essa mesma questão: o PLS nº 335, de 2011.

            O ponto de partida é o mesmo do nosso projeto: conciliar o compromisso dos Estados com o pagamento de suas dívidas e o desenvolvimento de sua capacidade de investimento.

            Srªs e Srs. Senhores, estamos em um momento privilegiado para atender as demandas dos Estados, que têm sofrido com o pesado fardo do pagamento das dívidas, cuja evolução, no ritmo em que se encontra, estrangula as suas finanças com limitações orçamentárias severas.

            Há um clamor da sociedade, verbalizado na queixa coletiva dos governadores de vários Estados e nos protestos que temos ouvido aqui, no Senado.

            Podemos facilmente constatar que há um movimento claro nessa direção. Até mesmo o Ministro Mantega, antes tão inflexível na negociação sobre o tema, sinalizou, em notícia divulgada em 15 de junho de 2011, a disposição do Governo de limitar a correção da dívida, declarando que alternativas estão em estudo.

            Não podemos perder a oportunidade. O Senado Federal, que, por princípio, alinha-se à causa federativa, na qualidade de representante constitucional dos Estados, tem o dever de oferecer soluções para este problema que ameaça o desenvolvimento equilibrado da Federação.

            Concluo meu pronunciamento, conclamando meus colegas Senadores e Senadoras em defesa da autonomia de nossos Estados federativos, de forma a que todos participemos ativamente do debate, na busca de soluções para essa questão decisiva.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada pelo tempo que me concedeu.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2011 - Página 26753