Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à criação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) - incluído na Medida Provisória 527, de 2011.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à criação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) - incluído na Medida Provisória 527, de 2011.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2011 - Página 27031
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ZERO HORA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRIAÇÃO, REGIME ESPECIAL, CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS, ATENDIMENTO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, OLIMPIADAS, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, LICITAÇÃO, INCENTIVO, CORRUPÇÃO, DESVIO, FUNDOS PUBLICOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Cara Presidenta Marta Suplicy, Senadores e Senadoras, telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, muitos de nós, Senadores, temos nos revezado nesta tribuna para combater alguns aspectos do instrumento das medidas provisórias que julgamos serem prejudiciais ao processo legislativo e ao ordenamento jurídico brasileiro.

            Um desses aspectos, comumente mencionados em pronunciamentos desta Casa, diz respeito ao fato de que muitas medidas provisórias são enviadas pelo Poder Executivo com um conteúdo extenso e complexo, onde são colocados muitos temas que, normalmente, não possuem relação entre si. Aí é uma das origens da crítica, pois, ao que parece, essa é uma preocupação não compartilhada pela Câmara dos Deputados.

            A Medida Provisória nº 527, enviada ao Congresso Nacional pela Presidência da República no dia 18 de março, tratava, inicialmente, de promover a criação da Secretaria Nacional de Aviação Civil e fazer modificações na Anac e na Infraero.

            Mas, durante a tramitação dessa medida provisória na Câmara dos Deputados, foi incluída na medida provisória a criação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para as obras da Copa do Mundo, em 2014, e também das Olimpíadas, em 2016, no Rio de Janeiro.

            Srªs e Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, o Regimento Diferenciado de Contratações que chega a esta Casa para deliberação é, pode-se dizer, um retrocesso legislativo que contraria os avanços da Lei nº 8.666, a Lei das Licitações. O Regime Diferenciado de Contratações legaliza vedações da Lei de Licitações, estabelecendo a permissão para, primeiro, tornar sigilosos os orçamentos das obras. Esse dispositivo é contrário ao principio da publicidade na Administração Pública, sob o argumento de que a divulgação de valores máximos ou mínimos para contratação de obras inflaciona o mercado. Na prática, esse dispositivo valoriza ainda mais o vazamento de informações privilegiadas, podendo ser utilizado para induzir até o resultado da licitação.

            Associado à desclassificação das propostas com preços inferiores a um valor mínimo, o sigilo gera a possibilidade de direcionamento de uma obra, bastando ao responsável pela licitação utilizar um valor mínimo alto, informando-o ao seu concorrente preferido para que este inflacione o orçamento da obra, vencendo a licitação e lesando os cofres públicos ou o dinheiro do contribuinte.

            Segundo, o Regime Diferenciado de Contratações também permite a utilização de critérios subjetivos no julgamento das propostas. Sob pretexto de seleção por critérios técnicos, ambientais e econômicos, o art. 4º da medida provisória estabelece parâmetros pouco objetivos para o julgamento das propostas, como a economia de energia, o incômodo à vizinhança e proteção do patrimônio histórico e cultural.

            Esses e outros parâmetros, Srª Presidente, de difícil mensuração, poderão servir de argumento para a escolha de um ou de outro concorrente, mas é impossível avaliar se esses compromissos assumidos por empreiteiras poderão ser cumpridos na fase de elaboração dos projetos. Na prática, tais critérios servirão para a desclassificação de concorrentes.

            Terceiro, há, no texto do RDC, a possibilidade de contratação integrada. O que vem a ser isso? O Regime Diferenciado de Contratações permite juntar, na mesma licitação, a realização do projeto e da obra. Essa prática não é permitida pela Lei nº 8.666. De acordo com o Regime Diferenciado de Contratação, os elementos da licitação são divulgados trinta dias antes do prazo estabelecido para entrega das propostas. Dessa maneira, as informações privilegiadas podem beneficiar concorrentes. Além disso, o prazo de trinta dias não é hábil para a elaboração de um projeto para obras de tamanha envergadura, diminuindo a qualidade dos projetos apresentados e pondo em risco a realização das referidas obras.

            Ademais, ao licitar conjuntamente os projetos e as obras, o RDC onera a participação das empresas que desejarem disputar a licitação, pois somente o projeto da empresa vencedora será aproveitado. Esse dispositivo do RDC vai contra o princípio da economicidade e privilegia a participação das grandes empreiteiras nas obras. Somente grandes empresas têm capacidade para participar de uma licitação nessas condições, configurando esse instrumento do RDC em reserva de mercado, prejudicando a concorrência e o ingresso de muitas empresas nessa disputa.

            Quarto, a possibilidade da remuneração variável. O Regime Diferenciado de Contratações permite o pagamento de remuneração variável às empreiteiras, visando ao cumprimento de prazos, padrões de qualidade e sustentabilidade ambiental.

            Mais uma vez, critérios subjetivos abrem brechas para o pagamento de comissões indevidas por governantes mal intencionados. Essa prática não é permitida pela Lei nº 8.666.

            O pagamento da remuneração variável é perigosíssimo e abre brechas para a corrupção de grandes somas do Erário, tendo em vista que as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas são obras de bilhões de reais, como uma delas que visitamos há pouco, aqui em Brasília.

            Srªs e Srs. Senadores, esses são apenas alguns exemplos de pontos negativos do tal Regime Diferenciado de Contratações. Utilizei-os, nesta tribuna, dada a complexidade da matéria e a dificuldade que o cidadão comum tem para perceber as armadilhas que a aprovação de uma legislação como essa apresenta, especialmente se feita de afogadilho por uma medida provisória, que no meio tem outros assuntos. Aos olhos da população, o Brasil tem urgência para a realização de obras para a Copa do Mundo e das Olimpíadas, o que, em tese, justificaria as modificações propostas.

            É compreensível que o Governo empreenda esforços nesse sentido, procurando conceder agilidade à realização de tais obras. Mas não podemos retroceder de maneira alguma. A Lei de Licitações foi concebida para conter um dos principais problemas históricos do Brasil: a corrupção e o desvio de dinheiro na realização de obras públicas!

            Abrir precedentes para o descumprimento da Lei nº 8.666 é abrir brechas para a má utilização do dinheiro público. Criticar a lei vigente é papel daqueles que não aceitam a moralidade e a impessoalidade na Administração Pública!

            Atualmente, quase a totalidade das demandas judiciais nas licitações acontece quando estas são desenhadas de modo a privilegiar alguma empresa. Se quisermos que as obras da Copa e das Olimpíadas sejam realizadas com rapidez, a preços justos e com qualidade, basta que as licitações sejam elaboradas com respeito à Lei nº 8.666 e que as empresas participantes cumpram os requisitos estabelecidos nessa lei.

            Se há lacunas na legislação e se há pontos em que a lei pode ser melhorada, certamente há outros caminhos para fazê-lo. Esses caminhos passam pela discussão e pela construção de alternativas, mas nunca pela criação de um regime diferenciado.

            Enquanto o Governo Federal propõe lacunas na legislação para driblar a Lei nº 8.666, as prefeituras de todo o País têm seus recursos de emendas restringidos por não conseguirem vencer a burocracia existente para a contratação de obras.

            Se há de se criar um regime especial de contratação, que seja para vencer os desafios de infraestrutura em saúde, educação e logística, que são questões muito mais relevantes para a sociedade brasileira do que a construção de novos estádios de futebol! Embora se reconheça que na pátria de chuteiras isso também seja muito importante. E não ficará apenas para os jogos da Copa, mas também para toda a população.

            É por esses motivos que protocolei, e foi aprovado hoje, no âmbito da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o requerimento de audiência pública para que esse assunto seja debatido com a presença do ex-Deputado Constituinte e ex-Ministro, Luís Roberto Ponte, autor da Lei de Licitações, que data de 1992. O Sr. Luís Roberto Ponte escreveu artigo que foi publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no dia 29 de junho, tratando desse assunto.

            Solicito, portanto, Srª Presidente Marta Suplicy, que a íntegra desse artigo seja incluída nos Anais do Senado.

            É uma contribuição mínima que eu, como Senadora, posso dar em relação a esse tema tão complexa e que a sociedade acompanha com tanto interesse.

            Muito obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA ANA AMÉLIA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

            - RDC: um escárnio aos princípios éticos da Lei 8.666, de Luis Roberto Ponte.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2011 - Página 27031