Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da abertura, ontem, da Feira de Literatura Internacional de Paraty (Flip); e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL. HOMENAGEM.:
  • Registro da abertura, ontem, da Feira de Literatura Internacional de Paraty (Flip); e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2011 - Página 28148
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, ABERTURA, FEIRA, LITERATURA, AMBITO INTERNACIONAL, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, PARATY (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SOLICITAÇÃO, ORADOR, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, PROGRAMAÇÃO.
  • HOMENAGEM, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), ATUAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, LITERATURA BRASILEIRA, LEITURA, ORADOR, TRECHO, ENTREVISTA, PROFESSOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mozarildo Cavalcanti, em primeiro lugar, quero cumprimentar o Senador Ricardo Ferraço, Relator da Subcomissão de Reforma Administrativa, pelo seu empenho e dedicação. Ao longo dos últimos quatro meses, ele resolveu estudar em profundidade a complexidade da estrutura administrativa do Senado Federal e conseguiu fazer com que nós, os demais membros da Comissão de Reforma Administrativa, e eu os cumprimento a todos - Senadores Cícero Lucena, 1º Secretário da Casa, Benedito de Lira e Vital do Rêgo -, pudéssemos contribuir com ideias e sugestões.

            O Senador Ricardo Ferraço acatou nada menos do que vinte proposições de emendas e ontem, por volta das 22 horas e 30 minutos, conseguimos concluir e aprovar por consenso esse relatório que agora será examinado pela Comissão de Constituição e Justiça e, em seguida, pelo Senado Federal.

            Senador Ricardo Ferraço, meus cumprimentos a V. Exª e a todos os membros da Comissão. Queremos encontrar hoje o Senador Eunício Oliveira para, se possível, entregar em mãos o seu parecer, que foi votado por consenso por toda a Comissão. Parabéns a V. Exª e a todos os membros.

            Gostaria, Sr. Presidente, de aqui saudar um dos eventos de maior importância na área cultural do Brasil hoje, a Flip - Feira de Literatura Internacional de Paraty, que se desenvolve desde ontem, com uma programação muito especial que tem tido enorme repercussão nos meios literários, culturais de todo o Brasil.

            E ontem, em especial, houve a abertura, com a conferência sobre Oswald de Andrade: Devoração e Mobilidade, pelo professor Antonio Candido de Mello e Souza e como debatedor o seu discípulo José Miguel Wisnik.

            Peço a transcrição do programa inteiro da Flip. A Feira vai até domingo e ira encerrar com a peça Macumba Antropófaga, do Teatro Oficina Uzyna Uzona, que vai justamente lembrar a contribuição de Oswald de Andrade.

            Mas eu queria aqui registrar a belíssima e comovente entrevista de Antonio Candido de Mello e Souza, que nasceu em 1918 e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, simultaneamente nos cursos de Ciências Sociais e Direito, mas não colou grau neste último. Nos anos de estudos universitários, conheceu Gilda de Moraes Rocha, posteriormente chamada Gilda de Mello e Souza, com quem se casou, a sobrinha de Mário de Andrade.

            Em 1942, ingressou no corpo docente da USP, onde se aposentou em 1978. Em 1943, iniciou sua carreira de crítico literário no então jornal Folha da Manhã, atual Folha de S.Paulo, atividade que desempenhou por 24 anos. É professor-emérito da USP e da UNESP e doutor honoris causa da Unicamp. É autor de trabalhos clássicos e basilares para se entender o funcionamento da sociedade e da literatura brasileiras, tais como Formação da Literatura Brasileira e Literatura e Sociedade.

            Crítico atuante não só na vida literária como também na política, foi um dos fundadores - e eu tive a honra de estar ao seu lado - do Partido dos Trabalhadores, em 1980.

            Sua obra, respeitada até mesmo pelos que discordam de suas análises, constitui-se como um marco para a compreensão não somente da literatura, mas do próprio pensamento brasileiro. Possuidor de uma leitura dotada de extrema sensibilidade e de uma argúcia, foi capaz de identificar, entre a multidão de produções literárias, aquelas que se tornaram fundamentais para a cultura brasileira como nos casos de Clarice Lispector, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, entre outros.

            Ele contou um episódio tão interessante ontem em sua entrevista ao mencionar que havia recebido um livro para ler de pessoa que ele não conhecia: “Clarice Lispector? Mas que nome é esse? Lispector!” Para depois vir a conhecer que era uma das maiores promessas e realidades da literatura brasileira.

            Também formou várias gerações de críticos literários e professores - como Roberto Schwarz, José Miguel Wisnik, Walnice Nogueira Galvão - que ainda hoje aplicam em seus estudos as lições aprendidas com o mestre.

            Ele inaugurou uma crítica sociológica moderna no Brasil; suas análises sabem dar prioridade ao texto, iluminando-o em suas múltiplas faces, sem submetê-lo a ideologias prévias ou reduzi-lo a teorias e contextos. Trata-se da maior figura da crítica e da pesquisa em literatura dos séculos XX e XXI no Brasil.

            Ontem, antes de proferir a sua conferência sobre Oswald de Andrade, na Feira Literária Internacional de Paraty, concedeu uma saborosa entrevista coletiva à imprensa, cumprindo com desenvoltura o papel de entrevistado e professor. Ele só não quis falar sobre política brasileira atual, afirmando que “não me provoque, eu sou Candido mas não cedo a provocações”, nem sobre literatura contemporânea, pois disse que não está atualizado. Sobre os demais temas foi possível relembrar a erudição, a sensibilidade e a precisão conceitual do querido mestre e amigo. Um homem de 92 para 93 anos, que vive, sente e pensa o seu tempo.

            Quando li essa entrevista ontem publicada pela Globo.com, fiquei tão comovido - até mostrei ao Senador Pedro Simon - e gostaria aqui de dizer alguns dos principais momentos da entrevista, Senador Mozarildo Cavalcanti. Tenho a certeza de que todos os Senadores e os que ouvem a TV Senado e a Rádio Senado vão também ficar comovidos. Permita-me, Senador Mozarildo, avançar um pouco.

            Sobre o convite da Flip... Aliás, eu falei agora mesmo com o Diretor da Flip, Mauro Munhoz, que me disse que há cinco anos vinha convidando Oswald de Andrade ou Antonio Candido de Mello e Souza e, infelizmente, sempre por algumas razões - sua esposa não estava bem de saúde e, infelizmente, veio a falecer -, ele não pôde vir. Depois, era a dificuldade de transporte na sua idade e tudo. Mas eis que, pelo carinho que ele tem para com a filha de Oswald de Andrade, Antonieta Marília Oswald de Andrade, ele resolveu dessa vez ir. E veja que presente ele nos deu, prezado Presidente Mozarildo Cavalcanti.

Sou muito idoso, daqui a uns dias faço 93 anos. Considero minha vida intelectual completamente encerrada. Sou um sobrevivente. Não dou entrevista, não dou curso, não publico mais nada. Mas eu fui muito amigo do Oswald de Andrade, e me dei conta de que provavelmente eu sou o último amigo vivo dele. Não sou da geração dele, sou 30 anos mais moço, quase. Achei que era uma espécie de obrigação contar como eu e minha geração víamos aquela personalidade vulcânica do Oswald de Andrade. Combinei com José Miguel Wisnik, meu aluno, meu grande amigo, que falará sobre como a geração dele viu Oswald. Só faltou uma pessoa da geração do Oswald de Andrade. Vim para dar o meu testemunho. Porque só quem conheceu Oswald de Andrade pessoalmente pode testemunhar sobre a personalidade raríssima que ele era.

            Sobre a filosofia de Oswald de Andrade, disse Antonio Candido:

Era um homem que tinha traços de gênio. Ele não lia muito, mas o que ele pegava era extraordinário. Há pessoas assim. Ele pegava. Eu vi um exemplar do Oswaldo (Candido alternou “Oswald” e “Oswaldo” durante a conversa) de um livro difícil de filosofia, que é “O ser e o nada”, do Sartre. Estava anotado, mas havia páginas ainda fechadas. Ele pegava, pulava, depois voltava, mas sabia falar perfeitamente sobre “O ser e o nada”. “A marcha das utopias” e “A crise da filosofia Messiânica” eu acho livros muito interessantes. Oswald é um precursor. Sobre o papel da mulher, por exemplo. A visão que ele tem eu acho extraordinária. A ligação que ele faz da visão masculinha com a propriedade privada. A mulher é fonte de vida, a mulher dá a vida, e não tem o senso de posse que o homem tem. Para o homem, tudo é dele: minha mulher, meu filho, minha casa, meu automóvel. A mulher é muito mais do nosso. Então ele dizia que a sociedade futura só será uma sociedade igualitária quando a mulher tiver predominância. Nós estamos caminhando para isso. Uma das coisas mais positivas do nosso tempo é a presença da mulher. Isso Oswaldo viu perfeitamente. Essa visão dele é muito bonita.

Ele era muito inteligente. Fulgurante. Uma vez ele queria fazer um concurso de filosofia. Eu disse: “não faça isso Oswaldo, você não é filósofo”. Ele: “por que não? Sou brasileiro, vacinado, maior de 21 anos, posso fazer”. Eu falei: “esse negócio de existencialismo, fenomenologia hoje em dia tem uma terminologia muito complicada que você não domina.

Certamente irá para a banca o professor Fulano de Tal, que te pega com uma pergunta complicada e você não sabe responder’. ‘Então faça uma pergunta para mim’ [disse Oswald]. [Então] disse [Antonio Candido]: ‘não sei, não sou filósofo’, e ele: ‘inventa, inventa uma complicada’. Eu fiz então uma pergunta bem pernóstica, do tipo que poderiam fazer no exame: ‘Senhor candidato, diga-me vossa senhoria qual é a empostação hodierna da problemática ontológica’. Ele respondeu assim: ‘Está vossa excelência muito atrasado. Na nossa era de devoração universal a problemática não é ontológica, é odontológica’. Isso ele fazia assim na hora. Era genial.

BRIGA E RECONCILIAÇÃO. Tínhamos boas relações depois escrevi uns artigos sobre ele que ele não gostou e ele desceu a lenha em mim - ele era terrível, me chamou de mineiro malandro -, mas depois eu vi que tinha sido um pouco injusto nos artigos e fiz um ensaio maior (embora eu sempre tenha mantido a crítica severa que fiz sobre a última parte da obra dele. Acho que o comunismo fez muito mal para o Oswald de Andrade, ele quis fazer literatura política participante. Não era o gênero dele.)

            Senador Lindbergh Farias, veja, então, o que disse Antonio Candido sobre Oswald de Andrade:

Ele gostou do ensaio, e aí ficamos amigos, mas muito amigos mesmo. Ele gostava muito de mim, e eu gostava muito dele. Como os senhores sabem, uma das coisas mais importantes na vida é a gente ter certeza que a pessoa gosta da gente, [Presidente Mozarildo]. Saber que uma pessoa gosta realmente da gente é muito reconfortante. Ele tinha uma coisa extraordinária: não tinha rancor.

Estou completamente fora do mundo literário. Inclusive doei grande parte da minha biblioteca. Não sei nem quais são os autores atuais. Eu saio perdendo, evidentemente. Mas há cerca de vinte anos não leio coisa nova nenhuma nem do Brasil nem do estrangeiro. Eu leio coisas do passado, sobretudo. Autores como Dostoievski, Tolstói, Proust, Machado de Assis, Eça de Queirós. Não quer dizer que os atuais não sejam do mesmo nível. Só que eu não os conheço.

            Senador Mozarildo Cavalcanti, eu gostaria de ler tudo, mas eu tenho que respeitar. Portanto, solicito, respeitando o Regimento Interno, que possa ser transcrito o restante dessa belíssima e comovente entrevista de Antonio Candido.

            Quero cumprimentar esse extraordinário brasileiro, bem como os dirigentes da Feira de Literatura Internacional de Parati, por terem promovido esse evento e tantos outros que serão assistidos por milhares de pessoas, que agora frequentam aquela bela cidade portuária e histórica do Rio de Janeiro.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- Uma entrevista-aula com Antonio Candido na Flip 2011.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2011 - Página 28148