Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a falta de argumentos do governo para justificar a fusão dos grupos Pão de Açúcar e Carrefour.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • Preocupação com a falta de argumentos do governo para justificar a fusão dos grupos Pão de Açúcar e Carrefour.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2011 - Página 28163
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • CRITICA, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, FUSÃO, EMPRESA DE COMERCIO VAREJISTA, QUESTIONAMENTO, INTERESSE, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), APREENSÃO, ORADOR, RISCOS, REDUÇÃO, CONCORRENCIA, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, agradeço, em primeiro lugar, a cortesia do meu querido amigo de tantos anos, nobre Senador Cristovam Buarque, que me cedeu sua vez, uma vez que vai falar logo mais, pela liderança do seu partido.

            Sr. Presidente, venho novamente à tribuna, hoje, para tratar do tema da fusão Pão de Açúcar-Carrefour. O assunto continua nos jornais, uma briga de foice entre grupos econômicos, e, até o momento, o Governo não conseguiu produzir um único argumento, para justificar a sua intervenção nesse episódio, que eu poderia classificar como um desvio de finalidades na aplicação de recursos públicos. Os R$4,5 bilhões para beneficiar um meganegócio, que só beneficia interesses privados.

            A notícia da fusão, até agora, apenas confirma que as decisões do Governo do PT são feitas, normalmente, sob sigilo, sem que a sociedade seja informada do real objetivo de suas ações.

            O argumento de que se criará uma multinacional verde-amarela faz pouco da inteligência do brasileiro. Chega a ser, Sr. Presidente, ridícula a afirmação de que a fusão entre dois supermercados abrirá a porta para os produtos brasileiros no exterior. E mais ridículo ainda é querer que acreditemos que o preço para os consumidores, em função disso, cairá.

            Como isso se dará? Como o Governo, que está promovendo verdadeira concentração no setor, agirá ao mesmo tempo para aumentar a concorrência? É a quadratura do círculo.

            A consequência que se vislumbra é que negócios em setores que têm uma lógica estritamente privada - carne de boi, frangos, papel e celulose, e agora o grande varejo - passam a ser estatizados.

            O Estado brasileiro já atua direta ou indiretamente em 675 empresas. E, mais uma vez, a sociedade não tem conhecimento de quais são essas empresas e as razões que levaram o Governo a se tornar, em muitos casos, o maior acionista delas. O BNDES, hoje, é o maior acionista do setor de carnes no Brasil. A sua fatia no mercado na JBS passou de 20% para 30%, e as ações estão em viés de baixa há meses.

            O que o consumidor brasileiro ganha com isso? O que a economia nacional ganha com isso, em termos o BNDES, um banco de desenvolvimento, vendendo carnes?

            Se o argumento do Governo de que as fusões garantem o surgimento de “campeões nacionais” para fazer frente à concorrência internacional, no caso da fusão Pão de Açúcar/Carrefour não há o menor sentido nessa afirmação, e ela exige muitas explicações.

            Qual a razão de o BNDES pretender tornar-se sócio minoritário de um supermercado francês? E se o negócio é tão bom como dizem o Governo e governistas, porque o governo francês, então, não se torna sócio de um supermercado brasileiro? Se o negocio é tão bom, por que o maior sócio do Pão de Açúcar, o Casino, que se tornaria o maior controlador da rede em 2012, não foi informado das negociações e agora que tomou conhecimento pela imprensa francesa está furioso com a hipótese da fusão? Se o negocio é tão bom por que os bancos privados não se interessam por este negócio?

            Ouço o aparte do nobre Senador Randolfe Rodrigues.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - V. Exª traz um tema - a questão da fusão - relacionado à última atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, uma atuação que, talvez, “temerário” seja o adjetivo mais leve...

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Mais suave.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - ...mais suave a ser apresentado. O mais absurdo é que, sob o argumento de desenvolvimento da economia nacional, o que estamos vendo é um claro saque aos recursos que deveriam ser destinados concretamente ao nosso desenvolvimento econômico e social. Veja: já foi dito aqui em um debate, inclusive na semana passada, da medida provisória, e se não me engano suscitado por V. Exª, que a fusão do Pão de Açúcar e do Carrefour será com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador e que vai resultar na demissão de trabalhadores. Além disso, nós vamos ter o agravante de essas medidas ampliarem nossa absurda dívida pública, que consome, Senador Aloysio, nada mais nada menos que 45% do Orçamento da União. Em todos os sentidos, o adjetivo temerário é o mínimo a ser dito para esse tipo de operação. Essa operação não é de defesa dos interesses nacionais. Aliás, se fosse de defesa dos interesses nacionais... Aliás, se tivesse a participação de euros franceses, aí eu diria que haveria interesses nacionais sendo defendidos nessa operação. Mas, veja, o Carrefour não foi atrás de recursos para essa fusão junto ao Ministério da Economia francês. E V. Exª advertiu por quê. Porque uma operação desse tipo, na França, não teria possibilidade alguma de ser admitida, de ser aceita. É uma fusão que não defende nenhum interesse nacional. É uma fusão que é feita para construir um holding que vai tomar 30% do mercado nacional de supermercados, que vai demitir trabalhadores e que vai ajudar a ampliar riqueza de uma meia dúzia de capitalistas. E alguns nem brasileiros são.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado, Senador Randolfe. V. Exª enriquece o meu discurso com argumentos substantivos e também adjetivos. Muito obrigado.

            De fato, meus caros colegas, as explicações são fragílimas, e algumas delas, que vêm de ministros importantes do Governo, contraditórias entre elas. Por exemplo, a Ministra Gleise Hoffmann, da Casa Civil, mais uma vez, diz que os brasileiros podem dormir sossegados porque é uma transação de mercado e nada tem a ver com uma decisão de governo. Ela se esqueceu de combinar com o seu colega Ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, porque esse Ministro Pimentel argumentou que o negócio tem importância estratégica para o Brasil. Cito o Ministro: “As gôndolas europeias terão produtos brasileiros”.

            Srs. Senadores, ou é o cúmulo do provincianismo ou então os Ministros fazem pouco da nossa inteligência. Fazem tábula rasa da natureza dos fatores que tornam nossos produtos pouco competitivos no mercado externo - nós já sabemos: câmbio, juros, tributação, infraestrutura sucateada, corrupção. E eles fingem ignorar também o feroz protecionismo europeu, especialmente em relação aos produtos agrícolas e aos produtos do agronegócio.

            É claro que o Governo - e inclusive a Presidente - está metido até a alma na concretização da operação, só não afinou ainda o discurso. O que fica claro na nota patética do BNDES sobre o assunto, para uma operação que conta com um volume expressivo de recursos públicos e que representa quase 8% do montante de recursos que a Europa dará para salvar a economia grega. Com uma diferença gritante: para receber 28 bilhões de euros, a Grécia terá que tomar medidas altamente restritivas e impopulares, enquanto os empresários brasileiros não terão que fazer nenhum sacrifício. Pelo contrário, para eles é só alegria.

            Segundo...

            Ouço o aparte do Senador Cristovam Buarque, porque meu tempo já está por se esgotar.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador, sem cobrar nada, porque eu tive a honra de lhe ceder o horário.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - É verdade.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Mas eu fico satisfeito que o senhor traga esse assunto.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Sinceramente, o senhor está falando até como quem se preocupasse com a imagem da Presidenta, porque isso não vai deixar bem a Presidenta. Por duas razões, eu diria: uma é que o senhor está falando mais; unificar grandes empresas de distribuição de alimentos é colaborar com a inflação.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Exatamente.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Não há a menor possibilidade de essa unidade ajudar. O Presidente do Banco Central esteve aqui, o Dr. Tombini, e fiz uma pergunta a ele.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Eu me lembro.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - O senhor estava lá.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Estava.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - E eu disse a ele - como ele é meu ex-aluno, a gente tem que ser mais gentil ainda -: “Não responda se não quiser”. Mas ele respondeu, Senador Randolfe, sabe como? Ele disse: “Essa pergunta eu prefiro não responder”. No fundo, foi uma resposta.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Uma resposta eloquente, Senador.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - É verdade. Uma resposta eloquente. Se o Governo não estivesse colocando nem um real, se essa coisa fosse só do setor privado, ainda assim, ele deveria entrar no Cade para tentar impedir, em defesa do consumidor. Mas o outro ponto são os gastos. Queira ou não, esse gasto tem a ver com o setor público. Se não for um dinheiro que saia do Tesouro, digamos que é um setor paraestatal, não é totalmente estatal, mas é. Qualquer continha rápida aqui, a gente percebe que, com esse dinheiro, dava para financiar sete ITAs (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) por dez anos. Nos gastos de hoje, não nos gastos médios. Na verdade, daria muito mais, porque se a gente criar um ITA da nanotecnologia, um ITA da biotecnologia, a gente vai começar gastando muito pouquinho. Então, daria para financiar vinte, trinta anos, 7,5, na verdade, pelas minhas contas, porque são 60 milhões o ITA. Com 4,5 bilhões, você faz as contas, dá sete ITAs por 10 anos. Então, não é uma operação satisfatória para o Brasil e não vai ficar bem para o Governo. Eu digo isso como quem é do bloco de apoio e o Senhor está falando como quem é da oposição. Nesse ponto, estamos unidos.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado, Sr. Senador. Estamos unidos na defesa do que nos parece o melhor rumo para a economia nacional. Realmente, esse dinheiro, aplicado no investimento em setores de alta tecnologia, de inovação da economia brasileira a que o Senhor se referiu hoje, na Comissão de Relações Exteriores, seria muito bem-vindo. Agora, diz o Ministro Pimentel que o BNDES vai entrar no negócio porque os bancos privados não quiseram entrar. Se os bancos privados não quiseram entrar é porque não viram vantagem ou pelo menos não estão vendo vantagens que até agora só o BNDES está vendo.

            Ora, se o BNDES captou dinheiro junto ao setor privado ou mobilizou recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, como lembrou o Senador Randolfe, para realizar a operação, por que esse mesmo setor privado não financiou diretamente as empresas de supermercado? Na hipótese remota de que isso venha a ocorrer, quem perderá será o supermercado, que estaria captando recursos mais caros via BNDESPar, porque esse teria de cobrar o mesmo que o mercado financeiro acrescido do spread administrativo e do risco do próprio BNDESPar.

            Não custa lembrar que, na semana passada, o Senado aprovou Medida Provisória, com o voto contrario da oposição, mais um empréstimo da União para o bancão de fomento: são R$55 bilhões, perfazendo um total de R$230 bilhões desde 2009. Esse dinheiro, disseram os governistas, vem do BNDESPar. Ora, o BNDESPar é uma empresa utilizada para comprar e vender ações e outros papéis no mercado financeiro. É uma empresa e não é uma instituição financeira (logo não disputa o mercado bancário, como alega o Ministro do Desenvolvimento). Há tempos nem contrata mais funcionários, não tem instalações próprias, não tem pessoal próprio: ela só se presta para separar os resultados da intervenção do BNDES no mercado acionário das transações tradicionais do mercado bancário.

            O BNDESPar não tem recursos próprios e de forma permanente: só funciona graças ao que o BNDES lhe repassa, ora como capital, ora como empréstimos; ou seja, o BNDESPar vive de tomar empréstimos do BNDES. Por isso, o dinheiro do BNDESPar é dinheiro público, uma vez que o capital do BNDES é mobilizado junto ao público, aumentando nessas operações a dívida pública.

            Em termos contábeis e patrimoniais, isso tem pouco significado, porque são sempre consolidados nos balanços de todas as empresas do mesmo grupo, e aí o crédito do BNDES anula o débito do BNDESPar. De fato, o BNDESPar capta recursos privados junto ao mercado de capitais através de operações de debêntures. Essas têm que ser de longo prazo, porque a empresa também aplica no longo prazo. Como não existe tal mercado no Brasil, isso representa uma parcela ínfima do BNDESPar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - No site do BNDESPar encontramos documentos abundantes para comprovar a ligação umbilical entre os recursos do BNDES, muitos deles captados via emissão do Tesouro Nacional, que, por sua vez, os capta com a emissão de títulos públicos. Isso está amplamente documentado no próprio site do BNDES.

            É por essa razão, meus caros Senadores, que hoje a Comissão de Fiscalização e Controle aprovou um requerimento de minha autoria convidando para vir ao Senado, para dar explicações sobre essa operação tão nebulosa, o Presidente do BNDES, professor Luciano Coutinho; convidamos também...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - ... o Presidente da Associação Brasileira de Supermercados e também um advogado especialista em Direito do Consumidor, o Sr. Roberto Pfeiffer, que, até pouco tempo, foi presidente do Procon em São Paulo.

            Eu espero possamos contribuir nessa audiência pública para afastar, pelo menos um pouco, as brumas que envolvem esse negócio.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2011 - Página 28163