Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da condição da agricultura familiar no Brasil.

Autor
Benedito de Lira (PP - Progressistas/AL)
Nome completo: Benedito de Lira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • Análise da condição da agricultura familiar no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2011 - Página 28169
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • REGISTRO, INICIATIVA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, SAFRA, ANO, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
  • DEFESA, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, REGISTRO, DEBATE, MATERIA, COMISSÃO DE AGRICULTURA, REFORMA AGRARIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco/PP - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago um tema, na tarde de hoje, que reputo da maior importância para este País e, particularmente, para aqueles que estão diretamente envolvidos nesse procedimento.

            Quero trazer para o Senado da República, para conhecimento da população brasileira, exatamente o que representa a pequena agricultura ou a agricultura familiar do nosso País.

            A Presidenta Dilma anunciou, recentemente, a destinação de R$16 bilhões para a safra 2010/2011, além da redução das taxas de juros do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, que passará a operar com taxas entre 0,5% e 2% - hoje, como se sabe, essas alíquotas chegam a até 4%.

            Obviamente, é uma boa notícia para os pequenos produtores rurais, que, a despeito de produzirem 70% de todo o alimento consumido no Brasil, enfrentam toda sorte de dificuldades para garantir sua própria sobrevivência.

            Entretanto, Sr. Presidente, essas medidas não devem alcançar um grande contingente dos pequenos produtores rurais - ou pelo menos não chegarão a representar para eles um alívio. Refiro-me àqueles que, por circunstâncias climáticas ou de mercado, não conseguiram ainda se desfazer de antigas dívidas junto aos bancos que operam o sistema nacional de crédito rural, basicamente o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia. A situação aflitiva desses pequenos produtores tem sido levada aos citados bancos e a diversos outros foros, e aqui mesmo, no Senado Federal, foi tema de seminário realizado, no dia 8 de abril próximo passado, pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.

            A discussão ocorrida nesta Casa sobre o endividamento rural, proposta pelo ilustre Senador e Presidente daquela Comissão, Acir Gurgacz, demonstrou que o Governo e o sistema financeiro precisam adotar medidas mais eficazes na renegociação das dívidas do setor rural.

            Seria falso e até descabido, Srs. Senadores e Senadoras, dizer que nossas autoridades têm se omitido no tratamento dessa questão. Não se trata disso. O que pretendo deixar claro é que as leis e demais normas relacionadas com o endividamento rural têm se revelado paliativas.

            A renegociação das dívidas, nos últimos anos, foi objeto da Lei nº 11.322, de 2006, que possibilitou a renegociação das operações contratadas na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste; da Lei nº 11.775, de 2008, que, ao instituir medidas de estímulo à liquidação ou à regularização das dívidas, simplesmente fez uma rolagem desses débitos; aí veio a Lei nº 12.058, de 2009, que promoveu ajustes no processo de renegociação; e a de nº 12.249, de 2010, oriunda do projeto de dei de conversão da Medida Provisória nº 1/2010, que autorizou novo fomento de renegociação, com ênfase também na área da Agência de Desenvolvimento do Nordeste.

            Essas leis propiciaram um alívio ao setor, mas não resolveram efetivamente a questão do endividamento. Nesse ponto, valho-me de um depoimento do advogado Carlos Alberto Pereira, especialista em operações rurais. Diz ele:

O endividamento do setor rural somente será definitivamente solucionado se, para fins de renegociação, os valores dos saldos devedores dos contratos rurais forem apurados corretamente, com a aplicação integral dos critérios e metodologias de cálculo fixadas nas normas pertinentes, a contar dos contratos de origem. De fato [continua o especialista], de nada valerá prorrogar o vencimento das operações rurais se os valores forem superiores ao realmente devido, pois assim implicará em ônus futuros insuportáveis aos produtores e apenas um adiamento do problema.

            Essa condição de inadimplência já vem sendo apontada há tempos, Sr. Presidente. Há três anos, os Governadores do Nordeste foram acionados pela Confederação Nacional da Agricultura, que alertou para as graves consequências da situação. Lembrando que o endividamento rural superava a simples relação entre produtores devedores e instituições financeiras, a CNA advertia que sua dimensão “ocasiona graves consequências econômicas e sociais, pois reduz a renda regional, compromete a geração de empregos e expulsa trabalhadores do campo, inviabilizando novas aplicações de recursos do FNE e de outras fontes de financiamento da atividade rural”.

            No documento, a CNA informava que o endividamento rural nordestino alcança 1 milhão e 260 mil contratos de financiamento apenas no âmbito do Banco do Nordeste, além de outros 360 mil junto ao Banco do Brasil. Os valores monetários passíveis de renegociação, à época, somavam cerca de R$16 bilhões 200 milhões, o que correspondia ao faturamento bruto de toda uma safra da região.

            Assim, na melhor das hipóteses, argumenta a CNA, se considerado um período ininterrupto sem secas ou enchentes, além de bom comportamento dos preços e uma rentabilidade otimista de 10% sobre o faturamento bruto, seriam necessários dez anos para pagar a dívida se calculada sem o acréscimo de juros.

            Esses argumentos são suficientes para demonstrar a situação de angústia e penúria de numerosas famílias inscritas no Pronaf. Apesar da falta de transparência no que concerne à renegociação das dívidas rurais, estima-se que 700 mil famílias de pequenos e micro agricultores endividados estão sendo executadas pelo Banco do Nordeste do Brasil. As informações referem-se a um tratamento inflexível por parte do agente financeiro, pois as dívidas de pequena monta, mesmo amortizadas dentro dos prazos contratuais, alcançam patamares inviáveis, especialmente para um tipo de atividade como a lavoura, que se desenvolve a céu aberto e é absolutamente sazonal e sujeita - ainda mais do que os outros setores, dada a perecibilidade de sua produção - às oscilações do mercado.

            Feitas essas considerações, quero dizer a todos que o pequeno agricultor não é inadimplente por malandragem, por frouxidão ou por falta de compromisso. Pelo contrário, o pequeno produtor só se torna inadimplente por absoluta falta de condições de honrar seus compromissos.

            Essa percepção não é somente minha, Sr. Presidente. Ela é corroborada por ninguém menos que o Diretor de Financiamento e Proteção da Produção Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário, João Guadagnin. No já aludido seminário promovido pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, no mês de abril, aquele dirigente afirmou que discutir endividamento, embora seja uma coisa dolorosa, é importante e necessário. E acrescentou: “Agora, quando se trata de agricultura familiar, de Pronaf, não é tão desagradável assim, porque a agricultura familiar brasileira é a que mais paga. A inadimplência no Pronaf é uma das mais baixas em todo o sistema de crédito que nós temos hoje no Brasil.” Informou, na ocasião, que há ainda cerca de 3 milhões e 300 mil contratos no âmbito do Pronaf, em todas as suas modalidades, e estimou que o índice de inadimplência médio nacional não chega a 4%, índice que é menor do que o de qualquer outra linha ou programa de crédito neste País.

            O pequeno produtor, Sr. Presidente, presta um serviço inestimável ao Brasil. Aliás, diria que o setor agropecuário presta um serviço inestimável, mostrando-se pujante e competitivo apesar da elevada carga tributária.

            É absolutamente inacreditável e inaceitável que ainda nós tenhamos de pagar juros para produzir alimentos neste País, Sr. Presidente. Era interessante que a Presidenta Dilma pudesse fazer uma reflexão através do seu setor financeiro para evitar que os pequenos produtores do nosso País pagassem juros dessas dívidas.

            Esse setor, que nos países desenvolvidos é tratado com pompa e subsídios, não é valorizado como deveria em nosso País. Alega o Ministério do Desenvolvimento Agrário que tem se empenhado em socorrer os produtores rurais, mas que há limitações técnicas para o alongamento das dívidas.

            Não ficou suficientemente claro o que são essas limitações técnicas, mas é difícil acreditar que sejam de ordem financeira. Afinal, a União está com os cofres cheios. Nunca se arrecadou tanto em nosso País, conforme a mídia noticia periodicamente.

            No primeiro quadrimestre do ano, a Receita Federal registrou um aumento real de 11,5% de arrecadação em relação ao mesmo intervalo de 2010 - nada menos que R$311 bilhões, Sr. Presidente, incluindo impostos, contribuições federais e contribuições previdenciárias.

            A prodigalidade do Governo brasileiro se manifesta também na ajuda internacional a países como o Haiti, o Paraguai, com instalação de fábricas de medicamentos contra a Aids em Moçambique, fazendas experimentais no Senegal e em Mali ou capacitação de docentes no Timor Leste. O volume de recursos destinados à cooperação internacional, apenas no período de 2005/2009, chegou a US$2 bilhões e 900 milhões.

            Não critico esse tipo de ajuda, Sr. Presidente, nem acho que devemos renegar nosso espírito de solidariedade. Apenas cito esse fato para dizer que, se podemos ajudar outros povos em dificuldade, podemos e devemos muito mais salvar da insolvência os nossos pequenos produtores.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco/PP - AL) - Sr. Presidente, peço a paciência de V. Exª, porque o assunto é, a meu ver, muito importante e estou encerrando.

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, nossa agricultura tem demonstrado a sua pujança no mundo. Dada a importância dessa atividade em nosso País - seja para equilibrar nossa balança de pagamentos nos tempos de crise, seja para garantir o alimento nas mesas das famílias brasileiras -, o Governo deveria dar a ela tratamento idêntico ao que tem sido concedido a outros segmentos do setor produtivo.

            O endividamento do setor agrícola, especialmente da agricultura familiar, exige uma pronta e efetiva resposta de nossas autoridades. Lembro, mais uma vez, que o produtor rural é bom pagador, mas as dificuldades por ele enfrentadas, seja em função das oscilações do mercado, seja em consequência das intempéries, são agravantes da sua saúde financeira. A simples rolagem das dívidas, com o acúmulo dos encargos financeiros anteriores, acabará por sufocar muitos produtores familiares.

            Por tudo isso, apelo, nesta oportunidade, às nossas autoridades, especialmente à Presidenta Dilma, para que não sejam executadas as dívidas do pequeno produtor, porque as condições da safra anterior não foram suficientes para ele salvar as suas dívidas e, muito menos, para alimentar e vender para que isso pudesse acontecer. Só assim poderemos evitar a insolvência desse segmento; só assim poderemos evitar o desemprego e o êxodo rural; só assim poderemos garantir o abastecimento dos lares brasileiros, Sr. Presidente.

            Eu queria, para encerrar, agradecer a V. Exª a paciência, aos meus pares, e dizer que esta Casa tem o compromisso maior de resolver essa situação. Eu não posso acreditar nessa história de renegociação de dívida. Temos de encontrar o caminho para minimizar essas dificuldades.

            Melhor dizendo, Sr. Presidente, vamos encontrar caminhos, através desta Casa e da equipe econômica do Governo, para fazer uma anistia aos débitos dos pequenos produtores da agricultura familiar do Brasil.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2011 - Página 28169