Discurso durante a 119ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do endividamento da população brasileira, registrando proposta, apresentada por S.Exa., de audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos para debater o tema.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • Considerações acerca do endividamento da população brasileira, registrando proposta, apresentada por S.Exa., de audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos para debater o tema.
Aparteantes
Ataídes Oliveira, Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2011 - Página 28853
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • REGISTRO, PEDIDO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, DEBATE, CRESCIMENTO, DIVIDA, BRASILEIROS, GASTOS PESSOAIS, BENS DE CONSUMO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nesta última semana eu tenho repetidamente falado aqui em torno de uma ideia: que a economia brasileira está bem, mas vai mal.

            Ela está bem porque os indicadores que nós temos para hoje são positivos, um a um; ela vai mal porque esses indicadores e outros carregam a semente de desequilíbrios no futuro.

            Eu lembro que falei aqui do problema da inovação. Uma economia que não é capaz de inovar é uma economia que não é capaz de crescer muito tempo. Mais dia, menos dia, os outros países vão deixar de comprar o nosso ferro, deixar de comprar a nossa soja, e nós vamos ter que continuar comprando os chips, os iPads, os computadores, os aparelhos médicos, os remédios fabricados lá fora. Não temos capacidade de inovação.

            Como consequência disso, temos um problema sério de competitividade, Senador Mozarildo. Muitos aí falam que nós não temos competitividade porque o custo Brasil é muito alto, porque a infraestrutura é ruim, porque a carga fiscal é alta. E tudo isso é verdade, mas é sobretudo porque não somos capazes de criar produtos novos. Nós hoje produzimos um produto de 500 anos, que é o ferro. Nós exportamos os produtos e fabricamos automóveis, um produto de cem anos. Nós não estamos fabricando aquilo que gera um mercado dinâmico na economia mundial.

            Nós temos sim o problema dos juros. Nós temos o problema da carga fiscal. Nós temos um problema dos gastos públicos e um problema sério do câmbio. Mas esses quatro problemas se entrelaçam, e isso ameaça a economia brasileira no futuro. A taxa de câmbio está relacionada com a taxa de juros, a taxa de juros com a taxa de câmbio. A taxa de juros está relacionada com os gastos públicos altos, e os gastos públicos terminam também sendo contaminados pela taxa de juros.

            Temos um sério problema de finanças daqui para frente. Temos um problema da burocracia que atrapalha o funcionamento da economia. Nós temos o problema da infraestrutura, que não está bem no Brasil e não é capaz nem de acompanhar o crescimento da economia. Há setores e momentos em que a gente consegue produzir e não consegue transportar o produto, ou consegue transportar até o porto e demora um tempão para que isso avance.

            Esta semana vimos uma carreta parada durante uma semana em uma estrada dentro de São Paulo, dentro da própria cidade, porque não sabíamos, não tínhamos a estrada capaz de levar isso sem problema e, depois que aconteceu o desastre, não sabíamos como retirar a carreta da vala onde caiu.

            Mas, de todos esses problemas, há um em que quero tocar hoje, não por ser mais ou menos importante, mas por ser dramático também. É o problema do endividamento que hoje toma conta do Brasil. Sessenta e quatro por cento das famílias brasileiras, hoje, têm algum tipo de dívida. E o pior é que a maior parte dessas dívidas são dívidas para o consumo, não são dívidas para o investimento; são dívidas para produtos que durarão, muitos deles, menos tempo do que o tempo do financiamento para pagar o que se comprou. Se fosse um investimento imobiliário, para você comprar casa, Senador Ataídes, tudo bem. Se fosse um endividamento para montar um negócio, você poria o dinheiro ali e, com a renda, você pagaria. Mas, no endividamento para comprar nossos equipamentos domésticos, eles não geram renda para pagar o empréstimo; então, condena o comprador.

            E alguns dizem que esse empréstimo foi o caminho para crescer a economia, que esses empréstimos foram o motor do crescimento. E é verdade, mas esses empréstimos, quando forem pagos, reduzem o consumo. Portanto, vão reduzir o crescimento.

            Quando você pega o empréstimo - cada um que está me ouvindo - e usa o empréstimo para comprar uma geladeira, você conseguiu que a indústria vendesse geladeira e a gente criasse emprego na indústria de geladeira, mas, quando, ao longo dos meses e anos daqui para frente, a gente tem de tirar dinheiro do salário, que já é curto, para pagar os juros do banco, a gente está tirando dinheiro de comprar agora outro produto de que a gente precisa. E aí o aumento da dívida, que, neste momento, serviu para dinamizar a economia, no futuro, vai impedir o crescimento da economia, a não ser que a gente consiga que o Produto Interno Bruto e a renda total cresçam tanto que fique pouco, pequena a taxa da dívida em função do produto.

            Se o salário cresce, muito bem, aí você pode pagar a dívida sem problema, mas os salários só crescem quando existem vendas; essas vendas só ocorrem quando há empréstimo; esse empréstimo cobra uma taxa de juros e uma devolução do chamado principal daquilo que foi emprestado.

            Hoje, 25% da renda das famílias brasileiras, um quarto é comprometido com o pagamento da dívida. Então, quem ganha mil tem que reservar 250 para pagar dívidas em média. Cada brasileiro hoje deve pelo menos R$1 mil. E é claro que para aqueles 10% de renda mais alta dever R$1 mil não é muito, o problema é que eu estou falando na média. Então, significa que, nessa média, até quem não tem renda nenhuma está devendo R$1 mil, quem tem renda alta está devendo R$1 mil. É a média, é um comprometimento grande para as famílias, que ficam com o risco de amanhã sua renda, seu salário não poder ser gasto porque têm que pagar ao banco. Tem gente que já está deixando de comer para poder pagar o empréstimo que pegou para comprar um eletrodoméstico, até mesmo gente que pegou empréstimo para comprar automóvel e não consegue hoje comprar direito a própria comida da família. Esse é um risco que a economia brasileira está vivendo.

            A soma total de empréstimos que nós temos hoje no Brasil já chegou a R$1 trilhão e 80 bilhões, vem crescendo a 1,6% ao mês, cresceu 20,4% em 12 meses, 20%. O PIB cresceu quase que um quarto disso, um quinto disso. Então, a massa de dívida está crescendo muito mais do que o Produto. Sabe qual é a consequência disso? É aquilo que hoje em dia se fala muito por aí e poucos não entenderam ainda o que é: bolha. A bolha vai crescendo, crescendo, crescendo e aí há dois caminhos, Senador Ataídes, e os dois são dramáticos para o Brasil: um é com antecedência esvaziarmos a bolha, de maneira organizada; o outro é a bolha explodir, estourar como aconteceu nos Estados Unidos com a bolha imobiliária, como aconteceu agora na Grécia com a bolha da dívida pública.

            Nós não estamos livres disso. E os jornais dessa última semana, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países, estão alertando que o Brasil tem uma bolha. Não sabem é se vai desarmar, esvaziando, ou se vai explodir, criando crise de algum tempo.

            As pessoas esquecem, mas em 1999 nós tivemos uma espécie disso. Em janeiro de 1999, logo depois da posse, no segundo mandato, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, nós tivemos uma crise desse tipo com o câmbio. Nós estávamos iludidos, iludidos, iludidos, porque o dinheiro entrava, o dinheiro entrava, o dinheiro entrava. De repente, o dinheiro foi embora, em parte até pelo medo do Presidente Lula, antes de sua posse. Depois de sua posse, esse medo passou.

            Eu falei 1 trilhão e 800 bilhões, é o total de operações de crédito do Sistema Financeiro. Mas se a gente pegar só as pessoas físicas, pessoas como o senhor, Senador, como eu, como quem está me ouvindo, hoje chega a quase 600 bilhões. Seiscentos bilhões é o saldo que nós tivermos nas carteiras de financiamento, isso crescendo a 1,7% - 1,7% é um crescimento bastante elevado no curto prazo, Senador.

            Nós estamos diante de um entulho aí adiante, que pode fazer com que a economia, que está bem, fique mal. Por isso eu digo: a economia está bem, mas a economia não vai bem. Vai é no movimento, olhando lá na frente para onde ela está indo. Está é analisando-a estaticamente, neste instante. Está bem, mas não vai bem.

            O crédito direcionado, aquele que vai com certos objetivos bem definidos, totalizou 625 bilhões, avançando 1,6% ao mês, 6% no ano e 25,1 em relação a maio de 2010. Essa é uma situação ameaçadora. É preciso acender uma luz - eu não digo ainda vermelha, mas amarela bem piscante - para dizer para todos nós: a economia está bem, mas ela não vai bem. Ela exige algumas decisões que temos que tomar para desarmar essa bomba, para esvaziar essa bolha do crédito, para reduzir o nível do endividamento. E um dos indicadores disso é o tamanho da inadimplência, que não cresceu, como aqui disse bem o Presidente do Banco Central, até 90 dias, mas a inadimplência daqueles que devem por mais de 90 dias tem crescido, e esse crescimento é um alerta que a gente deve tomar em conta. A crise da Grécia acontece, sobretudo, porque, em vez de percebermos a luz amarela, o governo tapou a luz amarela para que ninguém soubesse, nem dentro da Grécia nem fora da Grécia. O pior serviço que a gente pode prestar a uma economia é não mostrar a realidade dela, ignorar o que está por trás do que aparece, deixar de olhar lá na frente para poder ficar prestando atenção apenas nos bons indicadores do presente.

            Olha, a taxa média geral das operações com as famílias permaneceu no mesmo patamar. É verdade, mas um patamar de 46,8% e com os juros altos que nós temos. E juros - é preciso dizer - não podem ser baixados facilmente. É ilusão acreditar que juro depende da vontade da Presidenta, ou mesmo da vontade do Presidente do Banco Central, ou mesmo do conselho técnico, que define a tal da taxa Selic de vez em quando. Não. A taxa de juros é amarrada. Ela é amarrada à taxa de câmbio, que é amarrada à quantidade de dólares que entra, que é amarrada a quanto dólar a gente precisar atrair. Por isso, joga o juro interno lá para cima para que os estrangeiros mandem dólar para aqui e com os reais invistam no mercado financeiro. E, se a taxa de juros baixar rapidamente, esses dólares vão embora. A taxa de juros é amarrada aos gastos públicos, porque, se os gastos públicos estão elevados, o governo só tem uma maneira: recorrer ao mercado financeiro para tomar empréstimo para cobrir a dívida mais velha e poder usar nos gastos atuais, que é o que está acontecendo hoje nos Estados Unidos, que está deixando o Presidente Obama numa situação muito difícil, porque o congresso americano está negando ao Presidente Obama aumentar o limite do seu endividamento. E, se isso durar até agosto e ele não puder aumentar o endividamento, vai ter que fazer uma moratória, vai ter que deixar de pagar gastos do governo norte-americano, vai ter que fechar agências. Isso vai ser um desastre completo. Pode vir a deixar de pagar juros. Isso vai ser um desastre completo. E os que têm títulos norte-americanos, especialmente a China, o que vão fazer com isso?

            E o país que dá calote, a gente já sabe a consequência disso. O calote faz com que ninguém queira emprestar mais, pelo menos por muitos anos, até isso ser ignorado. Uma das vantagens do Brasil hoje é que as pessoas lá fora já esqueceram os dois calotes que a economia brasileira deu nos últimos 50 anos, porque isso provocou uma retração. Aos poucos esquecem, como estão esquecendo o que a Argentina fez também, porque já faz mais de dez anos.

            Por isso, Srª Presidenta, sem querer tomar mais o tempo, quero dizer que isso merece um estudo detalhado. Foi com essa intenção que propus, na Comissão de Assuntos Econômicos, uma audiência com o objetivo único de debater o quadro do endividamento brasileiro. Veja que conseguimos nos livrar daquela tragédia do endividamento externo brasileiro. Hoje, a dívida externa brasileira não é um problema; nós temos reservas suficientes para cobrir a dívida que temos, e ainda sobra dinheiro.

            São dois os nossos problemas; um deles, o endividamento de empresas brasileiras em dólar, e vimos isso em 1999, quando empresas grandes deste país de repente se viram com uma carteira para pagar em dólar, e o dólar havia se valorizado quase quatro vezes. Então, quem tinha tomado US$100,00 de empréstimo e tinha de pagar R$100,00 de empréstimo, porque era 1 para 1, de repente, teve de pagar R$400,00 em vez de pagar R$100,00. Foi uma tragédia aquilo!

            Isso existe hoje nas empresas. Alguns dizem: “Mas não é o Governo”. Mas são as empresas brasileiras. E o que vem acontecendo por aí afora é que, quando as empresas não conseguem pagar, elas recorrem ao Governo, porque, se elas quebram, é o País que perde. Ao recorrer ao Governo, é o povo que perde porque o Governo deixa de investir naquilo que está certo.

            Na Grécia estão demitindo funcionários públicos. Em Portugal, Espanha, Irlanda e Islândia reduziram os salários dos funcionários públicos. E aí vem outro problema: as economias hoje são globais, mas os Estados, felizmente, são nacionais. Somos eleitos pelos eleitores brasileiros, não pelos eleitores globais. Não existe isso.

            Então, na Grécia, o que está acontecendo? A economia global está sendo levada porque tem uma moeda igual à dos outros países. Portanto, a moeda é globalizada, não podem desvalorizar a moeda, mas as aspirações dos eleitores são nacionais. O que acontece? O povo vai para a rua quebrar as coisas, vai para a rua dizer, como disseram na Argentina: “Que se vayan todos”; ou seja, que todos os políticos voltem para casa, porque a visão deles é nacional, e a visão dos governos é global.

            Somos quase que globais. Felizmente, ainda temos a nossa moeda, e moeda forte, porque está bem, mas não vai bem se a gente analisa cinco ou dez anos adiante. Alguns dizem que, em vez de dizerem anos, como eu disse, podemos dizer meses. Não sou pessimista dessa maneira. O Financial Times, de Londres, começou a levantar esse risco.

            Nós temos, por exemplo, uma vantagem: a quantidade de dólares que entram. Esses dólares conseguem servir como âncora inclusive para que a inflação não suba, porque mantém a taxa de câmbio lá embaixo. Como cada coisa que a gente compra tem um conteúdo importado, a gente paga em reais, mas lá dentro tem o custo em dólar. Esse dinheiro, vindo para cá, ajuda a manter a inflação sob controle até que eles saiam de repente.

            E o que se fala hoje é que o capital estrangeiro, o capital financeiro, está especulando em cima do Brasil. Manda para cá, aplica em real, pega o dinheiro que ganha em juros e amanhã leva embora o dólar para outro país, para fazer a mesma coisa.

            O Banco Central e o Ministério da Fazenda, temos de reconhecer, estão sendo muito cuidadosos. A decisão tomada pelo Ministro Mantega, de cobrar uma taxa chamada IOF sobre o capital que entra, foi corretíssima para ver se diminui o fluxo. Não conseguiam. Alguns perguntam por que não aumenta mais isso. Porque, se aumentar mais, deixa de trazer o benefício positivo da entrada do dólar aqui, porque é como se estivesse desvalorizando o real.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Por isso, quero passar a palavra, Srª Presidente, se a senhora permitir, a dois inscritos para aparte: ao Senador Ataídes e ao Senador Lindbergh.

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Meu Senador Cristovam, muito obrigado pelo aparte que me concede. Sou empresário, meu Senador, há mais de 25 anos; a minha formação acadêmica é Direito e Contabilidade, e, ao longo desses anos, venho analisando a nossa economia. Pela segunda vez, estou tendo a oportunidade de assistir às suas belas palavras nesta tribuna. O senhor fez uma colocação muito interessante sobre a nossa dívida interna. Surpreende-me, Senador, que, nesta década, a nossa dívida interna, em 2000, era algo em torno de US$800 milhões.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Hoje, a nossa dívida interna já está batendo na casa dos US$3 trilhões, e o nosso País, nesses dez anos, não cresceu mais de 40%, salvo melhor juízo. Então, isso me deixa uma interrogação imensa: a de que a coisa está sendo administrada erradamente. E o senhor disse que isso é uma bolha e que uma hora vai explodir. E eu concordo plenamente com meu professor, Senador Cristovam Buarque. Uma hora essa bolha vai estourar. Eu não sou pessimista, como o senhor também percebo que não é, mas temos a visão de que a coisa é perigosa. Somente agora em 2010, o Brasil pagou, de dívida, R$195,369 bilhões. Isso representa 5,34% do PIB nacional. Ou seja, que país vai dar conta de sustentar isso aí? Haja carga tributária para suportar o pagamento de uma dívida dessas! Outra coisa muito interessante que o senhor disse há poucos dias e hoje repetiu foi o problema da dívida do povo brasileiro. Isso é muito grave. Está aí o que aconteceu na Europa, o que aconteceu nos Estados Unidos. Eu não me esqueço de um amigo europeu que era empregado de uma revenda de automóveis e até Ferrari ele tinha na porta da casa dele. A bolha explodiu, e hoje ele não tem um Fusca para andar. Então, esse é um quadro que vai acontecer aqui no nosso País se não tivermos muito cuidado. E há tantas outras coisas que o senhor disse aí, mas o tempo é curto e eu não quero tomar o seu tempo, a respeito da nossa economia, professor - permita-me chamá-lo de professor. Também vejo que nossa economia tem ido por osmose. Como empresário, eu posso dizer isso: ela tem ido por osmose. Eu acho que nós perdemos uma grande oportunidade, nesta década, de um crescimento imenso! Mas, por fatores de incompetência, sei lá, ou de iniciativa, sei lá, nós deixamos de crescer. Pelo contrário, crescemos por osmose. Eu tenho muito mais coisa para falar, meu Senador, mas infelizmente o nosso tempo é limitado. Eu quero agradecer o aparte que o senhor me permitiu.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Senador Ataídes, agradeço muito, e lamento que não possa falar mais ainda, com sua experiência, não profissional apenas, mas também empresarial, e quero lembrar aqui que há duas dívidas, e uma delas se divide em duas. Nós temos a dívida pública: quanto o Governo deve, o que no Brasil é perigoso.

            Mas não tem explodido. Temos tido quase que um certo controle, graças ao superávit fiscal, que nos permite pelo menos pagar os juros. Até pouco tempo sobrava um pouquinho -- e aí a gente faz com que ela não cresça. E nós temos outra dívida, que é a privada, e essa se divide em duas, a das empresas e a das famílias.

            A dívida das empresas, embora seja preocupante, tem um papel positivo, a longo prazo, porque ela se transforma em investimento, que se transforma em emprego, que se transforma em renda, e permite com isso pagar a própria dívida.

            A das famílias é que é preocupante, porque, se a dívida das famílias não cresce, o consumo não cresce, porque, como as pessoas têm renda baixa, não conseguem pagar a vista aquilo que compram. Quantos brasileiros podem comprar a vista um automóvel?

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Quantos podem comprar uma boa geladeira ou uma televisão de ponta? Então, é preciso o endividamento. Mas ele ameaça o consumo futuro, e, mais do que isso, ameaça a estabilidade psicológica da família; ameaça a sociedade inteira. Por isso, é um problema, é um problema amarrado, Senador Lindbergh. Esse é que é o terrível problema.

            Todos falam da taxa de juros alta no Brasil, e é alta. Mas o mais grave é que é difícil baixar no Brasil, mais do que em outros países, por causa da soma desses fenômenos: taxa de câmbio, que nós temos de fazer com que o real valha muito - para atrair dinheiro para cá, a gente tem que fazer com que a taxa de juros seja alta -, o gasto público e o endividamento das pessoas, porque, se com a taxa de juros alta, as pessoas buscam tanto financiamento, imagine se a taxa de juros baixar! Aí é que vamos ter um endividamento maior....

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) -...embora ficasse mais fácil pagar a dívida. Mas essa é outra discussão, e eu prefiro passar a palavra agora ao Senador Lindbergh.

            O Sr. Lindbergh Farias (Bloco/PT - RJ) - Senador Cristovam, V. Exª sabe que eu sou o seu admirador, mas queria colocar aqui algumas observações sobre o seu pronunciamento e misturar economia com o social. Eu acho que o momento nosso hoje... E o último estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que 39 milhões de brasileiros deixaram as classes “d e “e” e passaram para a classe “c”; entraram na classe média. E de que forma o Governo do Presidente Lula criou esse grande mercado de consumo de massas? De que forma nós criamos isso? Por algumas políticas. Estou convencido de que o aumento do salário mínimo foi uma, a formalização de empregos foi outra, as transferências dos programas sociais, outra. Mas queria chamar a atenção de V. Exª sobre a ampliação na concessão de crédito para as famílias. Esse foi um fator fundamental. Nós saímos de 26%, em dezembro de 2002, e passamos para 46,9% do PIB de crédito para essas famílias. V. Exª tem uma preocupação correta quanto ao endividamento das famílias. Mas, veja bem, na última visita do Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ele mostrou a situação do Brasil comparada com outras economias. Aqui nós estamos com 42% só da renda líquida das famílias. A Itália tem 88%, a Alemanha - não estou falando da Grécia - tem 99%, os Estados Unidos têm 104%, a França tem 107%, o Japão tem 126%, o Canadá tem 148% e o Reino Unido tem 171%. A preocupação de V. Exª é pertinente, mas creio que essa mudança foi fundamental para que nós criássemos este momento novo no País. Encerro a minha intervenção, Senador Cristovam, dizendo que acho que este Brasil tem de se constituir em uma grande democracia popular, tem de abrir esse mercado de consumo de massa. Temos de discutir a democratização do acesso às pessoas, em especial, à juventude negra da periferia. Esse é outro debate. Queria, para finalizar a minha intervenção, só responder, rapidamente, ao Senador Ataídes: segundo os números que nós temos, a nossa divida interna é de R$1,5 trilhão, no caso, e não R$3 trilhões. É preciso dizer que, no último ano do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a relação do PIB com a dívida era de 60,4%, e nós estamos hoje com 39,8%. O nosso déficit nominal, que era de 9,6%, está agora em 2,24% do PIB. A briga na comunidade europeia é que os países se enquadrem em menos de 3% do PIB em relação ao seu déficit nominal. Eu só queria fazer essa observação. Queria parabenizar V. Exª, mas colocar esse ponto. A construção desse grande mercado de consumo de massa no País, com todas as preocupações, foi o feito mais fantástico do governo do ex-Presidente Lula, abrindo possibilidades de mudanças concretas na vida das pessoas.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Quero aproveitar e agradecer a colocação do Senador Lindbergh. Primeiro, porque o que V. Exª coloca comprova o que eu digo. A economia está bem, graças a essa política de ampliação do crédito, que levou a uma ampliação da produção, para poder permitir a ampliação da venda. A economia está bem, mas ela não vai bem quando nós analisamos, dissecamos e olhamos as suas entranhas. 

            Por exemplo, o dado do Presidente Tombini, pessoa pela qual tenho toda confiança e respeito, não por ter sido meu aluno na UnB, mas porque é um profissional brilhante. Ele colocou, sim, que estamos melhores do que Itália, Alemanha, Estados Unidos, no que se refere à percentagem da renda líquida comprometida com a dívida. Mas o que ele não mostrou é que, quando a gente toma o serviço da dívida, o quanto a gente tem que pagar, dividido pela renda mensal, nós estamos piores que esses países, até por causa da taxa de juros. Esse é o problema, quando a gente analisa por dentro é que a gente vê que o que parecia bom pode ficar ruim.

            E aí eu queria mostrar um só dado. Temos dois Senadores do Rio de Janeiro. O endividamento das famílias do Rio de Janeiro em um ano, percentagem de família endividada, passou de 57% para 61%. É preocupante isto: de maio a junho do ano passado, 57% das famílias cariocas estavam endividadas; de maio a junho de 2011, 61%. Se isso continua crescendo, em dois anos mais, chegaremos a 70%. É claro que isso é preocupante.

            E por que é possível chegar a 70% em dois anos mais? Primeiro, porque a dívida leva à dívida, a dívida provoca a dívida, porque você começa a pegar emprestado para pagar a dívida. Então, quando o endividamento fica grande, ele aumenta, ele puxa mais dívida. Segundo, porque nós continuamos com o incentivo do bom programa, da boa tática do Presidente Lula, por um momento, não pode durar muito, mas nós continuamos com o incentivo total ao endividamento. Propaganda na televisão de cartão de crédito, propaganda de que viaje, de que compre, de que compre, de que viaje. Isso tem um limite.

            E estou aqui, repito, para dizer, feliz e orgulhoso, que a economia está bem, graças ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e ao ex-Presidente Lula. A economia está bem, mas ela não vai bem. E é preciso que a gente arregale os olhos, preste atenção, analise as entranhas da economia e comece a esvaziar coisas que são boas mas que não acenam no bom caminho.

            É isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar, agradecendo pelos dois apartes. 


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