Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao economista Celso Furtado e à ex-Senadora Marina Silva.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Homenagem ao economista Celso Furtado e à ex-Senadora Marina Silva.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2011 - Página 28957
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ECONOMISTA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, IMPORTANCIA, PENSAMENTO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • HOMENAGEM, MARINA SILVA, EX SENADOR, COMENTARIO, VIDA PUBLICA, IMPORTANCIA, PENSAMENTO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PAIS, EXPECTATIVA, RETORNO, EX-CONGRESSISTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • ANALISE, CRISE, REPRESENTAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, PARLAMENTO, NECESSIDADE, BUSCA, LEGITIMIDADE, CONGRESSO NACIONAL, IMPORTANCIA, FORTIFICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, DEMOCRACIA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para prestar minha homenagem a dois grandes brasileiros: o economista Celso Furtado e a ex-Senadora Marina Silva.

            Celso Furtado, assim como eu, era paraibano. Nasceu no dia 26 de julho de 1920 e, infelizmente, faleceu no dia 20 de novembro de 2004, no  
Rio de Janeiro.

            Esse paraibano de Pombal foi o maior economista brasileiro de todos os tempos.

            Celso furtado teve sua vida dedicada ao desenvolvimento. Em 1949, ajudou a construir a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão das Nações Unidas que se tornou um dos mais importantes centros de debates para o desenvolvimento do mundo. Na década de 1950, presidiu o Grupo Misto Cepal-BNDE, que elaborou um estudo sobre a economia brasileira que serviria de base para o plano de metas do Governo de Juscelino Kubitscheck. No ano de 1953, assumiu uma diretoria do BNDE.

            Depois de uma rápida passagem pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, onde escreveu Formação Econômica do Brasil, clássico da historiografia econômica brasileira, Celso Furtado, tornou-se nosso primeiro Ministro do Planejamento, quando a Pasta foi criada durante o Governo de Juscelino Kubitscheck.

            A pedido do Presidente JK, criou, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), visando a descentralização do desenvolvimento brasileiro. Mais tarde, Celso Furtado, também se tornaria Ministro da Cultura do Governo do Presidente Sarney e membro da Academia Brasileira de Letras.

            Celso Furtado era um progressista, reformista radical, democrata e humanista. Suas idéias formam um dos mais importantes pilares dos movimentos críticos e transformadores da América Latina. Sua grande percepção era que estruturas sociais e econômicas eram resultantes de estruturas de poder. Portanto, o rompimento da concentração de renda e riqueza, assim como as desigualdades sociais e regionais, eram decorrentes de vontades estabelecidas pelas elites econômicas e intelectuais. Para enfrentar essas vontades estabelecidas, seria necessário planejamento e uma estratégia de desenvolvimento auxiliada pelo Estado.

            Furtado nunca acreditou que as forças de mercado fossem capazes, por si só, de desenvolver um país. Ele nunca aceitou que houvesse um caminho natural, inexorável que levaria um país de estágio de subdesenvolvido ao caminho do desenvolvimento. Muito pelo contrário, as forças naturais de mercado levariam ao aumento das desigualdades regionais e sociais: regiões e indivíduos ricos ficariam cada vez mais ricos e regiões e indivíduos pobres ficariam cada vez mais pobres.

            Celso Furtado, que era um técnico, tinha consciência de que a estratégia de desenvolvimento deveria ser primordialmente uma equação política e não apenas uma agenda econômica.

            Portanto, para Furtado uma estratégia de desenvolvimento deveria buscar a construção de uma hegemonia democrática e desenvolvimentista, capaz de enfrentar usinas de consensos pré-fabricados que reproduzem, de forma exaustiva, que juros devem ser altos para que a inflação seja baixa; que os aumentos do salário mínimo incentivam o trabalho informal; que as famílias não podem ter acesso ao crédito (somente as grandes empresas e os ricos) e que as políticas de transferências de renda incentivam a preguiça. Tudo isso, para Celso Furtado, eram inverdades que têm força somente porque são repetidas de forma incessante.

            O pensamento de Celso Furtado segue atual também no que concerne ao debate do petróleo. Senador Eduardo Suplicy, em seus Ensaios sobre a Venezuela, Furtado ensinou:

“Poucas vezes um desafio tão sem ambigüidades se apresentou a um grupo de dirigentes, ampliando abruptamente o campo do possível [...]. Nos próximos dois decênios, a Venezuela poderá ter saltado a barreira que separa subdesenvolvimento de desenvolvimento, sendo quiçá o primeiro país da América Latina a realizar essa façanha, ou terá perdido a sua chance histórica. Pelo menos sobre um ponto básico existe consenso: a inação ou a omissão do Estado não constitui uma opção.”

            Celso Furtado escreveu essa passagem em 1974, quando o grande aumento do preço internacional do petróleo criou condições objetivas para que a Venezuela e outras economias exportadoras do petróleo pudessem dar um salto de qualidade em seu desenvolvimento. Na época, muitos economistas, como Furtado, consideravam que tais nações poderiam ascender, em pouco tempo, à condição de países plenamente desenvolvidos.

            Contudo, passados mais de três decênios, é lamentável constatar que essa oportunidade histórica foi perdida por muitas dessas nações, que ficaram presas à “doença holandesa”, e à dependência do petróleo. Escolhas erradas ou a omissão do Estado levaram-nas a desperdiçar o que Furtado classificou como a “ampliação abrupta do campo do possível”.

            Boa parte desses países desperdiçou a sua notável riqueza em consumo de bens importados e gastos perdulários, criou gigantescas burocracias e não construiu os fundamentos destinados a promover o desenvolvimento sustentado. Foram vítimas de uma abundância esterilizante.

            Ora, o mesmo “desafio sem ambiguidade” que Furtado anteviu para a Venezuela em 1974 apresenta-se agora para o Brasil. As descobertas do pré-sal são extraordinárias. Os megacampos do pré-sal ampliaram o nosso campo do possível. Eles tornam possível o Brasil com educação de qualidade, logística apropriada e inclusão social.

            Mas, para tanto, é necessário, como advertia Furtado, que o Estado não se omita. Mais: é preciso que a sociedade não se omita.

            As idéias de Celso Furtado são a base necessária para a estratégia de desenvolvimento nacional que está em construção no Governo, na sociedade, no Parlamento, nos movimentos sociais, nos debates, nas universidades. Ela é uma das minhas inspirações para a construção do que tenho chamado de grande democracia popular, fundada no crescimento econômico, na distribuição de renda, na inovação tecnológica e na sustentabilidade ambiental.

             Estou convencido, Srª Presidente, de que se Celso Furtado é o pai do conceito de desenvolvimento, Marina Silva é a sacerdotisa do desenvolvimento sustentável.

            Mas, justiça seja feita, já em 1974, em seu também clássico O Mito do Desenvolvimento, Celso Furtado nos alertava sobre os impactos do processo econômico no meio ambiente, tema que, à época, era completamente alheio à ciência da economia. Furtado considerava que o PIB representava a “vaca sagrada dos economistas”, por ser um “conceito ambíguo, amálgama considerável de definições mais ou menos arbitrárias”, entre as quais a exclusão no cálculo do produto dos impactos ou custos ambientais. E questionava:

“Por que ignorar na medição do PIB, o custo para a coletividade da destruição dos recursos naturais não-renováveis, e o do solo e florestas (dificilmente renováveis)? Por que ignorar a poluição das águas e a destruição total dos peixes nos rios em que as usinas despejam seus resíduos?

            Celso Furtado sustentava que o modelo econômico em expansão destrói e degrada em larga escala o meio ambiente, além de criar a ilusão de que, crescendo a economia, tem-se desenvolvimento.

            A noção atual de desenvolvimento sustentável representa, em certa medida, uma vindicação do pensamento de Celso Furtado: não é qualquer crescimento que leva ao desenvolvimento; o crescimento econômico que deve ser perseguido é aquele (ecologicamente) sustentável, ou seja, possível, durável, realizável.

            Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Lindbergh Farias, que belo pronunciamento, em que V. Exª reúne duas pessoas de excepcional qualidade e firmeza de propósito, de seriedade e com a qualidade de Celso Furtado e Marina Silva, como suas fontes de inspiração e modelo. Certamente, Celso Furtado, sempre a nos alertar de que era importante o crescimento acompanhado da justiça social e da erradicação da pobreza, com a preocupação como a de Marina Silva de que esse desenvolvimento possa ser sustentável, V. Exª aqui nos traz exemplos do bom caminho a seguir. Meus cumprimentos a V. Exª! O seu discurso é tão belo que vou restringir o meu aparte, para que continue.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, estou aqui num dilema, porque, na verdade...

(Interrupção do som.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Mais um minuto, Senadora.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Para encerrar, Sr. Senador.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Esse é um pronunciamento que, de fato, tenho muito orgulho de estar fazendo esse pronunciamento aqui. Eu ia entrar agora na parte da ex-Senadora Marina, que também considero um pronunciamento, para mim, muito importante. E eu dediquei muito tempo, com a minha equipe, construindo esse pronunciamento.

            De forma, minha Presidenta Marta Suplicy, que eu não vou ter o tempo suficiente. Presidenta, eu queria, inclusive, fazer um questionamento, e tentar ver se eu consigo concluir. Senadora Marta, infelizmente, vou dar como lido, pois não vai dar para concluir o meu discurso. Eu queria consultar V. Exª se seria possível, pois é um pronunciamento tão importante para mim, em que eu junto Celso Furtado e Marina Silva, que eu queria ler esse discurso de forma plena. Se eu poderia, dada a limitação do tempo - e eu não quero pedir o prolongamento, porque há vários outros oradores -, depois da Ordem do Dia, em que temos um tempo mais amplo, de vinte minutos, não é isso?

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Estou sendo informada de que só se pode falar uma vez por dia. Então, vamos fazer o seguinte, vamos dispor de mais dois minutos e o Senhor tenta agilizar.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - É que não vai dar mesmo.

            A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. Bloco/PT - SP) - Então, está bom. Sinto muito.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Eu vou ficar justamente no meio.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas fale esses dois minutos adicionais, porque assim nós vamos apreciar. Prossiga.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - É exatamente, Senador Suplicy, essa bandeira que é projetada no mais alto bastão pela nossa ex-Senadora Marina Silva. Como Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva perseguiu a mudança de paradigma de atuação da política ambiental, superando a lógica do “pode-se fazer tudo” ou “não se pode fazer nada” para engendrar outra lógica, a de “como fazer”. Esse “como fazer” diz respeito exatamente à idéia do desenvolvimento sustentável.

            Em 2009, essa grande brasileira desfiliou-se do PT. Lamentei muito, embora respeitasse a decisão; respeitasse e compreendesse. Acompanho, como todos nós, a trajetória de Marina há muito tempo. Admiro sua coerência política, sua integridade pessoal. Ela se firmou, ao longo das últimas duas décadas, como uma liderança popular excepcional. Por tudo isso, considerei sua saída do PT uma perda inestimável.

            Estou convencido de que Marina não se move por ambições individuais, não se deixa conduzir por projetos oportunistas e jamais instrumentalizou sua adesão a causas visando a cargos e poder. Sendo assim, abandonar o partido que ajudara a fundar não se reduziu a uma operação circunstancial em uma conjuntura muito particular. Pelo contrário, aquele gesto transmitiu uma mensagem forte e teve um significado inquietante para nós, seus companheiros de travessia. Refiro-me aos que ficamos no PT, buscando extrair lições da perda para aprimorar o partido.

            Refletindo sobre nossa cultura política, não foi difícil reconhecer - e aqui eu falo da minha cultura política também, da minha história, da minha tradição - que a preservação do meio ambiente, os problemas referentes a políticas do clima, a complexa questão da sustentabilidade não estiveram - eu faço aqui uma avaliação da minha história - entre os pontos prioritários de nossa agenda.

            Crescemos e amadurecemos como indivíduos, cidadãos e agentes políticos obcecados pela temática do desenvolvimento com democracia e justiça social. Aliás, obcecados por ótimos motivos. As teses da sustentabilidade chegaram depois, integraram nosso ideário como anexos, apêndices, complementos, quase como os adjetivos que qualificam os substantivos. Muitas vezes, ingressaram mais em nossa retórica do que em nossa prática. E quando se tratava de implementar políticas e propor caminhos, eventualmente sacrificamos a sustentabilidade em nome do crescimento dos benefícios sociais e econômicos para a maioria.

            Imaginamos que a preocupação com a sustentabilidade acabaria por impedir os avanços, desperdiçando oportunidades e provocando danos sociais. O fato é que nem sempre esteve claro para nós que sustentabilidade não bloqueia o desenvolvimento, mas ao contrário o torna verdadeiro.

            Muito obrigada, Senadora Suplicy.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LINDBERGH FARIAS.

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           O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para prestar minha homenagem a dois grandes brasileiros: o economista Celso Furtado e a ex-senadora Marina Silva.

           Celso Furtado, assim como eu, era Paraibano. Nasceu no dia 26 de julho de 1920 e, infelizmente, faleceu no dia 20 de novembro de 2004, no Rio de Janeiro. Esse paraibano de Pombal foi o maior economista brasileiro de todos os tempos.

           Celso Furtado teve sua vida dedicada ao desenvolvimento. Em 1949, ajudou a construir a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas, que se tornou um dos mais importantes centros de debates sobre o desenvolvimento do mundo. Na década de 1950, presidiu o Grupo Misto CEPAL-BNDE, que elaborou um estudo sobre a economia brasileira que serviria de base para o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek. No ano de 1953 assumiu uma diretoria do BNDE.

           Depois de uma rápida passagem pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, onde escreveu Formação Econômica do Brasil, clássico da historiografia econômica brasileira, Celso Furtado tornou-se nosso primeiro ministro do planejamento, quando a pasta foi criada durante o governo de Juscelino Kubitschek. A pedido do presidente JK, criou, em 1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), visando à descentralização do desenvolvimento brasileiro.

           Mais tarde, Celso Furtado também se tornaria Ministro da Cultura do governo do Presidente Sarney e membro da Academia Brasileira de Letras (1997).

           Celso Furtado era um progressista, reformista radical, democrata e humanista. Suas idéias formam um dos mais importantes pilares dos movimentos críticos e transformadores da América Latina. Sua grande percepção era que estruturas sociais e econômicas eram resultantes de estruturas de poder. Portanto, o rompimento da concentração de renda e riqueza, assim como as desigualdades sociais e regionais, eram decorrentes de vontades estabelecidas pelas elites econômicas e intelectuais. Para enfrentar essas vontades estabelecidas seria necessário planejamento e uma estratégia de desenvolvimento auxiliada pelo Estado.

           Furtado nunca acreditou que as forças de mercado fossem capazes, por si só, desenvolver um país. Ele nunca aceitou que haveria um caminho natural, inexorável, que levaria um país do estágio de subdesenvolvido ao caminho do desenvolvimento. Muito pelo contrário, as forças naturais de mercado levariam ao aumento das desigualdades regionais e sociais: regiões e indivíduos ricos ficariam cada vez mais ricos e regiões e indivíduos pobres ficariam cada vez mais pobres.

           Celso Furtado, que era um técnico, tinha consciência que uma estratégia de desenvolvimento deveria ser primordialmente uma equação política - e não apenas uma agenda econômica.

           Portanto, para Furtado, uma estratégia de desenvolvimento deveria buscar a construção de uma hegemonia democrática e desenvolvimentista, capaz de enfrentar as usinas de consensos pré-fabricados que reproduzem de forma exaustiva que juros devem ser altos para que a inflação seja baixa; que os aumentos do salário mínimo incentivam o trabalho informal; que as famílias não podem ter acesso ao crédito (somente as grandes empresas e os ricos) e que as políticas de transferências de renda incentivam a preguiça. Tudo isso, para Celso Furtado, eram inverdades, que têm força somente porque são repetidas de forma incessante. 

           O pensamento de Celso Furtado segue atual também no que concerne ao debate do petróleo. Em seus Ensaios sobre a Venezuela, Furtado ensinou:

           Poucas vezes um desafio tão sem ambigüidades se apresentou a um grupo de dirigentes, ampliando abruptamente o campo do possível […]. Nos próximos dois decênios, a Venezuela poderá ter saltado a barreira que separa subdesenvolvimento de desenvolvimento, sendo quiçá o primeiro país da América Latina a realizar essa façanha, ou terá perdido a sua chance histórica. Pelo menos sobre um ponto básico existe consenso: a inação ou a omissão do Estado não constitui uma opção.

           Celso Furtado escreveu essa passagem em 1974, quando o grande aumento do preço internacional do petróleo criou condições objetivas para que a Venezuela e outras economias exportadoras do petróleo pudessem dar um salto de qualidade em seu desenvolvimento. Na época, muitos economistas, como Furtado, consideravam que tais nações poderiam ascender, em pouco tempo, à condição de países plenamente desenvolvidos.

           Contudo, passados mais de três decênios, é lamentável constatar que essa oportunidade histórica foi perdida por muitas dessas nações, que ficaram presas à “doença holandesa” e à dependência do petróleo. Escolhas erradas ou a omissão do Estado levaram-nas a desperdiçar o que Furtado classificou como a “ampliação abrupta do campo do possível”.

           Boa parte desses países desperdiçou a sua notável riqueza em consumo de bens importados e gastos perdulários, criou gigantescas burocracias e não construiu os fundamentos destinados a promover o desenvolvimento sustentado. Foram vítimas de uma abundância esterilizante.

           Ora, o mesmo “desafio sem ambigüidades” que Furtado anteviu para a Venezuela em 1974 apresenta-se agora para o Brasil. As descobertas do pré-sal são extraordinárias. Os megacampos do pré-sal ampliaram o nosso campo do possível. Eles tornam possível o Brasil com educação de qualidade, logística apropriada e inclusão social. Mas, para tanto, é necessário, como advertia Furtado, que o Estado não se omita. Mais: é preciso que a sociedade não se omita.

           As idéias de Celso Furtado são a base necessária para uma estratégia de desenvolvimento nacional que está em construção no Governo, na sociedade, no parlamento, nos movimentos sociais, nos debates nas universidades. Ele é uma de minhas inspirações para a construção do que tenho chamado de grande democracia popular, fundada no crescimento econômico, na distribuição de renda, na inovação tecnológica e na sustentabilidade ambiental.

           Estou convencido, Senhor Presidente, de que se Celso Furtado é o pai do conceito de desenvolvimento, Marina Silva é a sacerdotisa do desenvolvimento sustentável.

           Mas, justiça seja feita, já em 1974, em seu também clássico “O Mito do Desenvolvimento”, Celso Furtado nos alertava sobre os impactos do processo econômico no meio ambiente, tema que, à época, era completamente alheio à ciência da economia. Furtado considerava que o PIB representa a “vaca sagrada dos economistas”, por ser um “conceito ambíguo, amalgama considerável de definições mais ou menos arbitrárias”, entre as quais a exclusão no cálculo do produto dos impactos ou custos ambientais. E questionava:

           Por que ignorar na medição do PIB, o custo para a coletividade da destruição dos recursos naturais não-renováveis, e o dos solos e florestas (dificilmente renováveis)? Por que ignorar a poluição das águas e a destruição total dos peixes nos rios em que as usinas despejam seus resíduos?

           Celso Furtado sustentava que o modelo econômico em expansão destrói e degrada em larga escala o meio ambiente, além de criar a ilusão de que, crescendo a economia, tem-se desenvolvimento.

           A noção atual de desenvolvimento sustentável representa, em certa medida, uma vindicação do pensamento de Celso Furtado: não é qualquer crescimento que leva ao desenvolvimento; o crescimento econômico que deve ser perseguido é aquele (ecologicamente) sustentável, ou seja, possível, durável, realizável.

           É exatamente essa bandeira que é projetada no mais alto bastão pela nossa grande ex-Senadora Marina Silva. Enquanto Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva perseguiu a mudança de paradigma de atuação da política ambiental, superando a lógica do “pode-se fazer tudo” ou do “não se pode fazer nada”, para engendrar uma outra lógica, a do “como fazer”. Esse “como fazer” diz respeito exatamente à idéia de desenvolvimento sustentável.

           Em 2009, essa grande brasileira desfiliou-se do Partido dos Trabalhadores. Lamentei muito, embora respeitasse a decisão. Respeitasse e compreendesse.

           Acompanho a trajetória de Marina há muito tempo. Admiro sua coerência política e sua integridade pessoal. Ela se firmou, ao longo das últimas duas décadas, como uma liderança popular excepcional.

           Por tudo isso, considerei sua saída do PT uma perda inestimável.

           Estou convencido de que Marina não se move por ambições individuais, não se deixa conduzir por projetos oportunistas e jamais instrumentalizou sua adesão a causas visando cargos e poder. Sendo assim, abandonar o Partido que ajudara a fundar não se reduziu a uma operação circunstancial, em uma conjuntura muito particular. Pelo contrário, aquele gesto transmitiu uma mensagem forte e teve um significado inquietante para nós, seus companheiros de travessia. Refiro-me aos que ficamos no PT, buscando extrair lições da perda para aprimorar o partido.

           Refletindo sobre nossa cultura política, não foi difícil reconhecer que a preservação do meio-ambiente, os problemas referentes às políticas do clima, a complexíssima questão da sustentabilidade não estiveram entre os pontos prioritários de nossa agenda.

           Crescemos e amadurecemos como indivíduos, cidadãos e agentes políticos obcecados pela temática do desenvolvimento com democracia e justiça social. Aliás, obcecados por ótimos motivos. As teses da sustentabilidade chegaram depois e integraram nosso ideário como anexos, apêndices, complementos, quase como os adjetivos que qualificam os substantivos. Muitas vezes, ingressaram mais em nossa retórica do que em nossa prática. E quando se tratava de implementar políticas e propor caminhos, eventualmente sacrificamos a sustentabilidade em nome do crescimento e dos benefícios sociais e econômicos para a maioria. Imaginamos que a preocupação com a sustentabilidade acabaria por impedir os avanços, desperdiçando oportunidades e provocando danos sociais. O fato é que nem sempre esteve claro para nós que sustentabilidade não bloqueia o desenvolvimento, mas, ao contrário, o torna verdadeiro, isto é, o faz fonte de qualidade de vida e o transforma em uma dinâmica capaz de garantir a continuidade das conquistas sociais e econômicas.

           Algumas vezes, cometemos um equívoco diferente mas comparável àquele dos economistas conservadores, para os quais só seria possível dividir o bolo depois de fazê-lo crescer. De nossa parte, em alguns momentos, pensamos que a sustentabilidade viria como a cereja do bolo: primeiro, seria preciso promover o crescimento com inclusão social, qualquer que fosse o custo ambiental; depois, cuidaríamos do meio-ambiente, da biodiversidade, do clima: enfim, do futuro. Em outras palavras: ao futuro, a agenda do futuro. A cada dia, sua agonia.

           A saída de Marina do PT me alertou para a constatação de que a sustentabilidade não é um adendo, um detalhe, uma cláusula suplementar. Muito menos um tema para o futuro. Tem de estar no centro de nosso pensamento e de nossas ações, sempre. Ou não haverá futuro.

           Apesar de deficiências em nossa cultura política e das contradições inevitáveis, naturais em todos os partidos, o PT foi e continua sendo um partido democrático, aberto, capaz de acolher diferenças. Tanto que nele permanecem inúmeros ambientalistas plenamente conscientes da prioridade dos temas relativos à sustentabilidade.

           Se a saída de Marina provocou reflexões auto-críticas em mim e em tantos companheiros de jornada, seu novo passo, desfiliando-se do Partido Verde, suscita novas inquietações, dessa vez relativas a nosso sistema político.

           Não se trata de avaliar sua opção de deixar o PV, muito menos de julgar a escolha de manter-se, pelo menos temporariamente, fora do universo dos partidos. Seria pretensioso avaliar ou julgar. Só posso manifestar meu respeito por sua decisões, uma vez que, corretas ou incorretas, segundo quaisquer critérios, não tenho dúvida de que as motivações são respeitáveis. Como é de seu estilo, a ex-senadora Marina Silva não hesita em arriscar o patrimônio político-eleitoral em nome de seus ideais. Essa coragem não é comum. Na verdade, é raríssima.

           Assim como sua saída do PT suscitou reflexões positivas, eu acredito que o rompimento de Marina com o Partido Verde pode nos despertar de uma certa letargia frente à crise da representação parlamentar. Letargia que tem caracterizado o ambiente político - e aqui não me refiro exclusiva nem principalmente ao PT. Marina saiu do PV, criticou o partido -é verdade--, mas o que interessa a todos nós foram suas palavras sobre o sistema político brasileiro, em seu conjunto. Não foram palavras sectárias, agressivas, doutrinárias ou destrutivas. Ela fez uma análise serena mas rigorosa sobre a precariedade da representação política, a escassez de confiança popular nas instituições parlamentares, a incapacidade dos partidos de se conectarem com a população e de se colocarem à altura do dinamismo da sociedade brasileira.

           Não sei se o novo capítulo de sua biografia, fora dos partidos, produzirá mais benefícios ao país e às suas causas do que sua longa e produtiva trajetória partidária, no interior das instituições parlamentares. Espero que ela nos ajude a vislumbrar soluções criativas no âmbito da democracia representativa e do Estado democrático de direito, como deseja fazer. Confesso, inclusive, que ainda tenho esperança de que, um dia, no futuro próximo, Marina e o partido dos trabalhadores, ao qual ela dedicou tantos anos de sua vida, se reencontrem: ambos amadurecidos e transformados, graças às iniciativas corajosas da ex-senadora, por um lado, e à abertura criativa, auto-reflexiva e generosa do próprio PT.

           Mas para que esse reencontro seja um dia possível e para que as transformações desejáveis ocorram, o melhor a fazer é aproveitar a oportunidade que Marina mais uma vez nos oferece para despertarmos da letargia, olharmos para nós mesmos no espelho do ceticismo popular, encararmos a crise do sistema político com franqueza, sem ressentimentos e atitudes defensivas, e longe de qualquer dogmatismo.

           Não pretendo falar sobre a reforma política que tem sido objeto de debates no Congresso Nacional, até porque acho que os dilemas que ela envolve, sem prejuízo de sua relevância, estão distantes da problemática mais funda que pode ser definida como crise da representação e que se refere ao divórcio entre o mundo político profissional e a vida social.

           Às vezes tenho a impressão de que olhamos para o Congresso Nacional como olhamos para as estrelas e nos iludimos com sua presença imponente como se a representação política fosse natural e como se ela portasse em si mesma as virtudes que justificam sua existência. Entretanto, como sabemos, várias estrelas e constelações que contemplamos, admirados, não existem mais. Cuidado!, alertariam os astrônomos. As instituições não são parte da natureza. São obras do engenho humano. São construções históricas. Nascem e perecem, dando lugar a novas formas, adequadas a novos tempos. Ou se renovam, se reinventam e se adaptam às novas exigências.

           Não há democracia sem Parlamento. Sabemos disso. O Brasil aprendeu a dura lição quando mergulhou nas trevas da ditadura. Portanto, a tarefa histórica não pode ser desprezar o Parlamento e imaginar sua substituição. Não há alternativas superiores no mundo contemporâneo, apesar dos pesares. Por isso, a tarefa é renovar métodos e processos, reinventando o instituto da representação parlamentar para conectá-la à nova sociedade que está se gestando diante de nós.

           Na Grécia clássica, a democracia veio da Ágora, o espaço público, a praça. Foi na praça que brotou a política como prática coletiva orientada para a realização do interesse público no território da cidade, a Polis. As deliberações coletivas (das quais estavam excluídas, entretanto, as mulheres e os escravos) eram possíveis porque o número de cidadãos era reduzido e havia tempo ocioso. Na sociedade de massas, a deliberação, mesmo democrática, tornou-se inviável pelos métodos diretos experimentados na praça grega, quatro séculos antes de Cristo. Passou a ser necessário contar com mediadores que representem a coletividade e, em seu nome, deliberem.

           Hoje, em várias partes do mundo, a sociedade está voltando à praça. E não apenas para manifestar sua indignação com governos tirânicos, uma vez que são outras as praças e outras as formas de presença. Graças à tecnologia, voltou a ser possível encontrarmo-nos na grande Ágora virtual. Na era da informação, a sociedade está se estruturando em redes, os grupos são mais flexíveis, as identidades são plásticas, as pessoas ora se dispersam, ora se unem em torno de determinados valores, de certas pautas, durante certo período.

           Qual a forma pela qual seria viável garantir estabilidade política, lealdade a um ideário, compromisso com políticas públicas e com valores, responsabilidade na condução do interesse público e, ao mesmo tempo, abrir o Parlamento e a vida política às redes sociais, à participacão ampliada, sem cair na demagogia assembleísta ou plebiscitária?

           Como se percebe, senhor presidente, há mais perguntas do que respostas e o gesto político de Marina teve, mais uma vez, o mérito de as formular. De meu ponto de vista, acho que estaremos cumprindo nosso dever se nos esforçarmos por pensar o novo, antecipando-nos às mudanças sociais que estão em curso.

           Acredito, senhor presidente, que seja nosso dever incorporar essas perguntas à nossa agenda. Talvez elas sejam mais importantes do que as respostas, porque provocam em nós um desconforto saudável e construtivo, nos impedindo de confundir a desejável solidez institucional com a resignação a seus limites.

           Mais do que nos desafiar a incorporar o desenvolvimento sustentável como vetor de nossas lutas, na esteira de Celso Furtado, Marina Silva nos impulsiona a reinventar a política.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2011 - Página 28957