Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos 187 anos da Confederação do Equador, comemorados em 2 de julho. (como Líder)

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Registro dos 187 anos da Confederação do Equador, comemorados em 2 de julho. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2011 - Página 28989
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENCIA, SENADO, VOTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECENIO, LEI FEDERAL, ASSUNTO, PROTEÇÃO, DIREITOS, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, COMEMORAÇÃO, REVOLUÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), IMPORTANCIA, HISTORIA, DOUTRINA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, antes de iniciar meu pronunciamento, queria pedir a V. Exª que, no momento adequado, pudesse colocar em votação um requerimento de minha autoria e de outros Srs. Senadores para comemorarmos, no dia 11 de agosto, o aniversário de 10 anos da Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

            Bem, mas, Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, eu hoje venho à tribuna para me pronunciar sobre a comemoração ocorrida no último dia 2 de julho, dos 187 da Confederação do Equador, uma data memorável para todos os brasileiros e, em especial, para os pernambucanos. A Confederação foi um movimento revolucionário que eclodiu no Recife em 2 de julho de 1824 e que reagiu com bravura e dignidade às ameaças à independência política do nosso País e aos acenos de recolonização do Brasil feitos pelos partidos conservadores portugueses.

            Os anseios da população por uma Constituição autônoma e liberal que consolidasse, definitivamente, a soberania nacional foram frustrados pelo Imperador Dom Pedro I, que dissolveu a Assembleia Constituinte, nomeou uma comissão para redigir uma constituição autoritária e antiliberal e outorgou uma frustrante Carta Magna em 25 de março de 1824.

            Entre as muitas medidas antidemocráticas daquela Constituição estavam: o governo monárquico, unitário e hereditário, o voto censitário (exclusivamente masculino e baseado na renda) e descoberto (não secreto), além das eleições indiretas para o Legislativo segundo faixas de renda que iam de cem mil até oitocentos mil réis, recusa ao secularismo adotando o catolicismo como religião oficial e o estabelecimento dos quatro poderes, sendo o Poder Moderador privativo do Imperador.

            Imediatamente, as Câmaras de Olinda e de Recife recusaram-se a aceitar tal Carta. Elas viam o perigo à autonomia das províncias e rejeitavam a diminuição do poder dos Conselhos provinciais. Ademais, a Província de Pernambuco não aceitou a substituição do Presidente eleito Paes de Andrade por Francisco Paes Barreto, nomeado pelo Imperador.

            Uma embaixada pernambucana teve audiência com o Imperador em 14 de maio de 1894 e, na ocasião, comunicou a Dom Pedro I que a província rejeitava a nomeação de Paes Barreto. Dom Pedro viu no ato uma traição pernambucana, aludindo à permanente inconfidência da gente daquela terra e, imediatamente, exigiu que os embaixadores se calassem.

            Esse foi um crasso erro. O Imperador não conseguia ver ali um processo histórico no qual a luta política pela descolonização era muito clara. Os Estados confederados queriam a consolidação da independência a ser implementada mediante a celebração do pacto constitucional, uma ação política infelizmente abortada pela dissolução da Constituinte.

            Com o apoio de intelectuais como Cipriano Barata e Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, um movimento popular rebelde eclode no Recife e se estende até o Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte - daí o nome Equador, devido à proximidade dessas províncias com a linha equatorial. Paes de Andrade lança um Manifesto aos Brasileiros, no qual defende, dentre outras, a tese de que todo homem deseja ser feliz e habitar um país livre e próspero.

            O movimento rebelde pretendia convocar uma Assembleia para elaborar um projeto constitucional com base na Carta Magna colombiana, tida como uma das mais liberais do continente. Pretendia-se, ainda, extinguir o tráfico negreiro e organizar uma oposição popular ao autoritarismo imperial. Desejava-se um governo independente, com base representativa e democrática que garantisse a autonomia provincial.

            A Confederação do Equador jamais foi um movimento separatista, senão um movimento de resistência à linha monarquista-absolutista adotada por Pedro I. A ideologia da Confederação era uma inovadora proposta quanto ao caráter do Estado e à construção de nossa Nação. O que havia era a resistência democrática contra o despotismo da corte imperial instalada no Rio de Janeiro e mais ligada a Lisboa do que ao resto do País.

            Segundo os historiadores, corria no Recife da época a seguinte quadrinha: “Sem grande corte na Corte, não se goza um bem geral. Que o corte é que nos faz bem, a Corte é que nos faz mal”.

            Os acontecimentos de 1824 em Pernambuco levaram a monarquia portuguesa a reforçar, junto às monarquias europeias, os argumentos referentes tanto à inviabilidade do Brasil como nação independente quanto à incapacidade de a monarquia sobreviver sem ligação com Portugal. Portugal pediu ajuda militar à França em troca da margem esquerda do rio Amazonas e à Inglaterra foi oferecida a renovação do Tratado de Comércio de 1810. Na verdade, Portugal sempre tentou impedir o reconhecimento do Brasil independente pelas nações europeias, utilizando a ameaça do republicanismo democrático.

            A Inglaterra, por sua vez, tinha fortes interesses comerciais com o Brasil, recebendo pau-brasil, diamantes, refinando açúcar e emprestando dinheiro. Relutou, assim, em aceder ao convite e preferiu contemporizar enquanto não houvesse prejuízos aos interesses britânicos.

            A França mantinha intenso comércio com o Brasil e não pretendia mudar as diretrizes nas relações com o nosso País. 

            Em suma, a Confederação do Equador foi utilizada por Portugal para tentar mostrar às nações europeias a fragilidade de um Brasil independente e ameaçadoramente republicano e democrático. Este foi outro grande erro: a Confederação já havia semeado o sentimento de pertinência e de orgulho de todo brasileiro. Era o germe da nossa Pátria.

            Algumas teses de Hannah Arendt, no seu grande livro Da Revolução, embora dedicadas à Revolução Americana e à Revolução Francesa, servem para interpretar o significado político da Confederação. Para a filósofa alemã, quatro traços esclarecem os esforços de independência e de consolidação da Revolução Americana, traços esses análogos aos traços aqui ocorridos.

            O primeiro deles, tanto aqui quanto lá, ressaltava o objetivo inédito de se fundar uma nova ordem política e social. Numa terra abundante e fértil, tanto aqui quanto lá, sonhava-se com a igualdade de todos, sendo toda riqueza acessível aos homens de inteligência e de talento.

            O segundo traço apontado por Arendt fala da liberdade, algo maior do que a simples libertação, o direito de lutar contra a opressão, a discriminação e a violência da dominação. A liberdade implicava participar da coisa pública e a pessoa livre seria aquela que se engaja de modo sério e responsável nos negócios públicos, sob os auspícios das instituições públicas. A liberdade seria o respeito pelas estruturas e procedimentos que caracterizam o empreendimento político e que torna possível a deliberação e a ação.

            O terceiro traço apontava diretamente para um aspecto político: os confederados pretendiam escolher o regime de governo, lutando contra a tirania e a opressão. Pretendia-se, assim, um novo impacto político.

            Por último, o quarto traço ressaltava que a revolução sonhada efetivar-se-ia num texto constitucional, fruto da Constituinte livre - lugar do pleno exercício da política.

            Frei Caneca sonhava com uma pátria independente e soberana, livre do jugo português e igual às demais nações livres do mundo. Daí surgiria um povo feliz, conservando o espírito insubmisso e livre dos seus progenitores.

            O pensador político inglês Quentin Skinner escreve no seu livro As Fundações do Pensamento Político Clássico que, ao contrário do luteranismo, que fomentou, no século XVI, os primeiros passos da ideologia absolutista, as teorias políticas produzidas na Europa católica no mesmo século como as do tomista Suárez, adotavam um caráter fundamentalmente constitucionalista: segundo essa corrente de filosofia política, o poder supremo pertence à comunidade, nenhum governante pode ser maior do que a comunidade que governa e qualquer governante estará sempre comprometido com a lei e limitado pelo dever de velar pelo bem comum.

            Não admira, pois, que o frade carmelita e recifense sonhasse com um Brasil democrático e igual, onde todos gozassem de igual respeito e igual consideração. Não admira, pois, que a repressão da Coroa absolutista fosse impiedosa e violenta: os líderes da Confederação foram presos e condenados à forca.

            Alguns dos cabeças do movimento condenados à morte foram: João Metrovich, marinheiro maltês, Joaquim da Silva Loureiro, Padre Gonçalo Inácio de Loyola Albuquerque, Agostinho Bezerra e o frade carmelita Caneca. No Ceará, Tristão de Alencar Araripe rejeitou a anistia e foi executado.

            As consequências geográficas e econômicas foram igualmente desastrosas para Pernambuco: num rompante, D. Pedro I promulga um decreto, com a data de 7 de julho de 1824, desmembrando a Comarca do São Francisco, o que reduziu a área da província de Pernambuco em 65%.

            Essa geografia artificial criada pela arbitrariedade do Imperador resultou de um ato inconstitucional, como bem demonstrou Barbosa Lima Sobrinho nas suas obras clássicas, hoje já esgotadas. Hoje se sabe que Pernambuco perdeu 173 mil quilômetros quadrados, uma imensa região que começa ao norte, após Petrolina, passa por Barreiras, a oeste, vai até Carinhanha, ao sul, na divisa com Minas Gerais.

            Uma mutilação inaceitável, mas que, na ótica do Imperador, fazia muito sentido: tratava-se de enfraquecer Pernambuco, uma província com vocação autonomista e que poderia arrastar com ela todos os seus vizinhos. Pernambuco era uma ameaça à Coroa!

            Mas como seria Pernambuco caso não tivesse sido mutilado? A resposta seria talvez pura especulação, mas a pujança econômica da região da antiga Comarca de São Francisco nos dá uma ideia: se fosse um Estado, ele teria a terceira renda per capita no Nordeste, perdendo apenas para Bahia e Pernambuco. Teria uma área superior à do Líbano e à da Coréia do Norte. Teria a quarta maior área entre os Estados nordestinos, além de ser o maior produtor de grãos do Nordeste. Hoje, são 35 Municípios, entre eles, Casa Nova, Cotegipe, Pilão Arcado e Barreira. Pernambuco ocuparia a margem esquerda do São Francisco, estaria próximo ao Centro-Oeste e, em vez dos atuais 78 mil quilômetros quadrados, o Estado que tenho a honra de representar somaria ainda a área da antiga Comarca, totalizando 251 mil quilômetros quadrados.

            Segundo a historiadora carioca Isabel Lustosa, o desmembramento de Pernambuco é um assunto de repercussão nacional, embora tanto tempo já tenha se passado. Para ela, o nosso Estado teria dimensão política ainda maior do que a que já exibe, reafirmando a sua incansável vocação autonomista.

            Quanto ao grande líder da Confederação, Frei Caneca passou meses preso e, quando chegou a sua vez de enfrentar a forca, foi levado numa procissão sob o glorioso sol do Recife até o Forte das Cinco Pontas, onde estaria o carrasco. Aconteceu, naquele momento, algo estranho: o carrasco negou-se a enforcar o frade, e nenhum detento, apesar de ter a liberdade prometida, quis substituí-lo e cumprir tão nefanda tarefa. As autoridades foram forçadas a arcabuzar o Frei Caneca.

            Ora, não devemos jamais esquecer esses homens que propuseram uma Pátria nova, um Brasil governado pelo próprio povo, sem desigualdades e sem escravidão.

            E para louvar a figura do grande Frei Caneca, escutemos o grande poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, que, no seu poema dramático Auto do Frade, escreveu belíssimos versos para louvar a figura heróica de Frei Caneca.

Ei-lo que vem descendo a escada, degrau a degrau. Como vem calmo.

Crê no mundo e quis consertá-lo.

E ainda crê, já condenado?

Sabe que não o consertará.

Mas que virão para imitá-lo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2011 - Página 28989