Discurso durante a 121ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Considerações sobre o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro.
Aparteantes
Armando Monteiro, Randolfe Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2011 - Página 29379
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, REDUÇÃO, CUSTO DE PRODUÇÃO, INCENTIVO, CRESCIMENTO, INDUSTRIA NACIONAL.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da TV Senado e da Rádio Senado. Todos nós pudemos acompanhar de perto o desenrolar da pior crise financeira mundial das últimas décadas. A superação da crise foi um grande teste para o nosso País e mostrou como o nosso modelo de desenvolvimento está certo. Colhemos os frutos de nossa opção por um crescimento inclusivo, segundo qual o ganho econômico só se justifica acompanhado do ganho social.

            O fortalecimento do mercado consumidor doméstico de forma perene e sustentável foi o nosso principal trunfo para enfrentar os desafios da crise. Países dependentes do mercado externo ou alavancados por um crédito fácil e volátil foram os grandes perdedores. Fizemos o nosso dever de casa no momento certo e agora não é justo que paguemos pela irresponsabilidade dos outros.

            O fato é que, queiramos ou não, a crise persiste. Vemos a economia norte-americana patinar entre uma política monetária que não tem mais eficácia e um gasto público que atingiu seu limite. Vemos as economias europeias presas nas amarras da moeda única, o Euro, e com países à beira da insolvência, num efeito cascata iniciado pela Irlanda, Grécia e Portugal, e que agora está ameaçando Itália e Espanha. Vemos um Japão vitimado por catástrofes naturais e vemos o dragão chinês, que começa a preocupar-se verdadeiramente com o outro dragão, o da inflação.

            E o Brasil, Sr. Presidente, onde se localiza nesse cenário de desequilíbrio mundial?

            Encontramo-nos numa situação inédita. Nossa pujança nos tornou um País para o qual todos se viram e veem grandes oportunidades de negócios. Por isso, todos querem vender para o Brasil, investir no nosso País.

            Desde o início da crise, US$111 bilhões ingressaram no País para investimento direto, contribuindo para os US$330 bilhões que hoje acumulamos em reservas cambiais. O Real passou a ser visto como uma moeda estruturalmente forte, fazendo com que se valorizasse quase 34% nesse período. A percepção de solidez de nossa economia nunca foi tão boa, fazendo com que atinjamos os melhores níveis de avaliação de risco conferidos por agências internacionais.

            No entanto, novos desafios se avizinham e atendem pelo nome de perda de competitividade e risco de desindustrialização.

            Na última semana, por iniciativa dos Senadores Luiz Henrique e Armando Monteiro, tivemos uma importante audiência pública sobre esse assunto nesta Casa. Dela participaram importantes entidades representativas da indústria nacional, como, a Abimaq, a Abit e a CNI.

            Somos, historicamente, grandes produtores e exportadores de bens primários, como soja, minério de ferro, petróleo, entre outros. É normal que o sejamos devido à nossa riqueza em recursos naturais. A terra do “em se plantando, tudo dá” e, agora, das imensas reservas do pré-sal.

            No entanto, nosso enorme e diversificado parque industrial também é uma importante riqueza nacional. O processo de sua lenta e árdua construção ao longo da nossa história não deve ser esquecido. Nosso parque industrial inclusive é o que hoje nos diferencia de outras economias sul-americanas, como Argentina, como Chile, Colômbia e Venezuela. Não podemos abdicar dessa conquista.

            Li, nesse fim de semana, matéria com o professor Werner Baer, que é um dos maiores especialistas em Brasil na Academia Norte-Americana. Nela, ele nos lembra como o brasileiro sempre teve orgulho de sua indústria. Vê os aviões da Embraer, utilizados por muitas empresas aéreas no exterior, como se fossem resultado do próprio esforço e engenhosidade pessoal.

            Orgulhamo-nos dos automóveis, das máquinas, das roupas, dos calçados Made in Brazil como símbolos do progresso nacional.

            Hoje, já podemos constatar que, infelizmente, algo está mudando. Dados da Abimaq, entidade representativa da indústria de transformação, mostram que a nossa indústria não só perdeu participação em nossas exportações como também sofrem com a concorrência, muitas vezes desleal, do produto importado.

            A balança comercial da indústria de transformação reverteu o superávit de pouco mais de US$7 bilhões para um gigantesco déficit de US$10 bilhões, em 2011. Da mesma forma, enquanto no passado 40% do que consumíamos de produtos industriais vinha de fora, hoje esse percentual é de 60%.

            A abertura comercial e a globalização são processos importantes, são processos benéficos, mas não em um mundo em que o desequilíbrio prepondera e a disputa comercial e cambial tornou-se a regra. Precisamos avançar mais nas soluções para esses desafios.

            Ainda enfrentamos uma série de entraves de diferentes naturezas que fazem com que o custo de produção no Brasil, o tão famoso custo Brasil, seja mais elevado, se comparado com outros países.

            O custo de produção no Brasil é 36,3 % maior que na Alemanha. Entre as principais causas estão o custo com intermediação financeira, transporte e insumos básicos, que são 18,6% maior no Brasil; o custo dos juros sobre o capital de giro, 8% maior; o custo relativo aos sistemas tributário e trabalhista, 5,8% maior; e o custo com logística, energia e burocracia em geral, 2,8% maior.

            Isso faz com que o grau de competitividade da indústria brasileira fique comprometido. Hoje, o Brasil ocupa a 41ª posição no ranking de logística; a 82º em burocracia alfandegária; a 87º em ferrovias e a 123º em aeroportos, apenas para citar alguns.

            O Governo tem se mostrado atento a esses novos desafios. Já vem atuando, seja no âmbito da Organização Mundial do Comércio contra práticas antidumping, seja, principalmente, na coordenação com os demais parceiros do Mercosul em relação à Tarifa Externa Comum, listas de exceções e procedimentos alfandegários.

            Medidas vêm sendo adotadas visando à redução do Custo Brasil. Aliás, esse tem sido um dos pontos focais da ação do Governo nos últimos anos. Merecem destaque o PAC, a atuação do BNDES garantindo o crédito a o investimento industrial, e avanços legais como a Nova Lei de Falências e a Lei de Inovações e a criação do Simples Nacional, dentre outros regimes tributários especiais, que avançou na desburocratização e simplificação tributárias.

            Senador Randolfe, V. Exª quer utilizar a palavra? Por favor..

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Querida Senadora Marta, permita-me apartear V. Exª, cumprimentá-la, porque V. Exª dá sequência, continua tocando em um debate importante, que ainda ontem foi suscitado dessa tribuna pela Senadora Ana Amélia, também citando a importante iniciativa do Senador Armando, para travarmos esse debate no Senado. Ontem, fiz uma citação do conhecido economista Antonio Delfim Netto, de um artigo publicado por ele na revista Carta Capital do último fim de semana. Permita-me uma breve citação de um trecho do artigo do ex-Ministro Delfim Netto, que diz o seguinte:

“É claro que o Brasil não pode aceitar passivamente o modelo de desenvolvimento agromineral-exportador induzido que lhe está sendo imposto pela nova divisão internacional do trabalho [ou seja]: para a China, o fornecimento universal dos bens industrializados; para a Índia, o fornecimento global dos serviços, e, para o Brasil, o de fornecedor residual de produtos agrícolas e minerais”.

            Dialoga com o que foi debatido ontem; dialoga com a preocupação do Senador Armando; dialoga com o ponto que V. Exª está apresentando aqui. É fato. Temos de reconhecer que a política econômica baseada em metas de inflação, no superávit primário e nas taxas de juros cumpri o papel de estabilização econômica em segurar a inflação. Nós temos é que dar o salto. Foi muito feliz o Dr. Delfim em citar isso. E veja que nós, pelas nossas particularidades, à esquerda, temos de assim reconhecer que o ex-Ministro foi muito feliz em citar isso, porque esse é o desafio da política econômica dos próximos anos. Essa é a ordem internacional do trabalho e do capital que pretende ser imposta, e que nós, no Brasil, não podemos aceitar. Nós não podemos ser meros exportadores de matérias-primas, enquanto o produtor de bens industrializados e exportador também é a China. É essa virada, é esse salto que temos de dar na política econômica no Brasil para os próximos anos. E é nesse sentido que V. Exª vem à tribuna, e é nesse sentido que quero cumprimentá-la.

            A SRª. MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Quero agradecer o aparte, Senador Randolfe, por que esta Casa discutiu o assunto nesta semana de forma muito própria, com vários debates aqui.

            Também concordo com a coluna do ex-Ministro Delfim Netto sobre o tema.

            O Sr. Armando Monteiro (PTB - PE) - Senadora...

            A SRª. MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

            O Sr. Armando Monteiro (PTB - PE) -... eu queria me associar às manifestações e, sobretudo, cumprimentar V. Exª, Senadora Marta Suplicy, que se engaja também nesse debate, que é tão oportuno, no sentido de poder discutir esse quadro que se apresenta hoje, nos oferecendo um grande risco de desmonte desse patrimônio do Brasil que é a indústria brasileira. Crescer pela indústria é crescer melhor. A indústria tem uma força transformadora. A indústria impacta a produtividade global da economia. A indústria dissemina o conhecimento tecnológico. Então, não há via melhor para o crescimento senão através da indústria. E o Brasil não pode se dá ao luxo de permitir um processo regressivo, que é esse de o Brasil abdicar da sua justa pretensão de preservar essa plataforma industrial que o Brasil construiu, e que foi um trabalho de gerações de brasileiros. A reprimarização da pauta de exportação do Brasil é algo inaceitável. Portanto, esta Casa precisa discutir a chamada agenda pró-competitividade. Que é, minha querida Senadora Marta Suplicy, uma agenda que nos coloca um duplo desafio. O primeiro, ainda de romper com o passado e com um conjunto de ineficiências que ainda estão presentes e que estão aí representadas por um sistema tributário anacrônico, pelas deficiências de infraestrutura, mas temos também o desafio de pensar numa agenda que vai nos ligar ao futuro, e que nos exige desenvolver novas competências. E, aí, o pilar fundamental é a inovação. A indústria brasileira precisa ter a capacidade de inovar. De inovar processos; inovar produtos. Os ganhos de produtividade dependerão crucialmente dessa capacidade de inovação da indústria. Então, associo-me e congratulo-me com V. Exª, e tenho certeza de que esta Casa vai se engajar nesse debate de uma agenda pró-competitividade, para preservar esse patrimônio da Nação que é a nossa indústria.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço muito esse aporte, porque compartilho inteiramente da análise de V. Exª. Eu sinto que aí temos um líder nesta questão e temos um time de Senadores e Senadoras que compartilham dessa visão e que estão aqui para ajudar que o Brasil prospere na área industrial. A indústria é fundamental para um país como o nosso. Para qualquer país. Para o nosso, que já conseguimos um distanciamento até dos nossos vizinhos, não só manter, mas crescer. E compartilho também do que V. Exª colocou a respeito do investimento em tecnologia. Sem isso nós não conseguiremos dar esse salto. Aí nós vamos ter muitos debates, porque eu aqui vou me posicionar que parte desse recurso do pré-sal, além do que já está estabelecido para a educação, temos que investir muito em tecnologia, porque os países que deram o salto industrial investiram na educação, na tecnologia e na formação dos seus quadros nessa área mais avançada. Sem isso nós não vamos conseguir dar o salto que merecemos.

            Para encerrar, medidas vêm sendo adotadas também visando a redução do Custo-Brasil. Aliás um dos pontos focais da ação do Governo nos últimos anos. Merecem destaque o PAC, a atuação do BNDES garantindo o crédito ao investimento industrial, e avanços legais como a Nova Lei de Falências, a Lei de Inovação e o Simples.

            Como resultado, nós vemos o aumento da taxa de investimento nacional, que saltou de 16% do PIB para quase 19% nos últimos oito anos e que deverá alcançar 21% nos próximos anos. Nunca se investiu tanto em infraestrutrua e no ambiente de negócios do País.

            E o Governo pretende avançar ainda mais. Esta semana o Governo anunciou que está elaborando novas medidas que comporão a Política do Desenvolvimento da Competitividade a ser lançada brevemente. Será ampliada ainda mais a desoneração do investimento produtivo, serão fortalecidas as ações de defesa comercial, assim como a política de inovação.

            Os desafios são grandes. O Governo está alerta e atuante em busca de soluções. E aqui nesta Casa nós devemos propor e ajudar, porque nós todos compartilhamos dessa vocação - não é nem uma ideia - que todos sabemos que o Brasil tem. Nós somos produtores de muita coisa, temos reservas naturais, recursos minerais, e agora petróleo, muito petróleo, teremos essa riqueza fantástica. Mas nós não podemos nos esquecer da indústria.

            Não sei se é porque tenho toda uma família, uma tradição muito ligada a isso, mas percebo o quanto o Brasil pode e deve investir para que não fiquemos para trás. Nós estamos no limite, mas podemos dar um salto com os investimentos e com as soluções propostas. E o Governo tem clareza desse alerta de que precisa ter concentração de interesse nessa questão.

            Ontem, a ex-Senadora nossa colega e hoje Ministra Gleisi Hoffmann se posicionou muito claramente sobre isso, no encontro com Senadores e Senadoras, dizendo da preocupação do Governo neste tema e dos estudos que estão sendo feitos. E, se as nossas comissões - creio eu - tiverem colaboração interessante, devemos, sim, procurar o Governo, para que possamos juntos pensar em como não deixar também a desindustrialização chegar a um ponto mais crítico ainda em relação às nossas empresas brasileiras.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2011 - Página 29379