Discurso durante a 121ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cumprimentos ao Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e à Presidente Dilma Rousseff pela decisão de o Banco não mais participar da fusão de duas empresas varejistas do mercado, destacando setores em que deveriam ser investidos recursos públicos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Cumprimentos ao Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e à Presidente Dilma Rousseff pela decisão de o Banco não mais participar da fusão de duas empresas varejistas do mercado, destacando setores em que deveriam ser investidos recursos públicos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2011 - Página 29416
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, GOVERNO FEDERAL, DESISTENCIA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), EMPRESTIMO, PROMOÇÃO, FUSÃO, EMPRESA DE COMERCIO VAREJISTA, SUGESTÃO, INVESTIMENTO, RECURSOS, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Paim, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero começar cumprimentando um conterrâneo pernambucano da minha geração com quem sempre tive uma boa relação, meu colega professor universitário da área de Economia, o Prof. Luciano Coutinho. Quero cumprimentá-lo pela decisão tomada por ele e pela Presidenta Dilma de não participarem desse negócio de fusão de duas grandes empresas na área do varejo.

            Esse investimento, em primeiro lugar, trazia alguns riscos, alguns problemas que precisamos esclarecer. E, em função disso, eu falei diversas vezes aqui, recomendando que não fosse feito.

            Primeiro, não deve ser papel de um banco estatal, que tem por finalidade desenvolvimento econômico e social, financiar fusão de empresas do varejo. Isso não tem impacto no processo de desenvolvimento.

            Segundo, essa fusão poderia, inclusive, trazer um impacto negativo nos preços, fazendo com que os preços crescessem, um impacto negativo naquele monstro que está sempre olhando para nós, chamado inflação. Não havia por que juntar; nós temos é que dividir as grandes empresas comerciais, para que elas, através da disputa de mercado, sejam forçadas a baixar o preço. Além disso, tínhamos o problema sério de que haveria efeitos nocivos se a inflação voltasse, graças ou em função do papel do BNDES.

            Tudo isso fez com que, em diversos momentos, eu aqui me pronunciasse, com todos aqueles que se correspondem comigo pela Internet, pelo Twitter, que essa não era uma operação positiva para se fazer.

            Hoje eu venho aqui parabenizar a Presidenta Dilma e o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Mas eu venho também, Senador Paim, fazer uma pergunta: o que vamos fazer agora com esses R$4,5 bilhões que o BNDES demonstrou que tinha? Embora nós que conhecemos um pouco mais das finanças saibamos que o BNDES não tinha esse dinheiro, não tem esse dinheiro. Tem muito mais, mas não esse especificamente.

           Esse dinheiro seria captado no mercado financeiro com títulos do Governo brasileiro. Como é que se dá isso? O Governo brasileiro emite um título; assume, portanto, uma dívida. Esse dinheiro vai para o BNDES; o BNDES agencia a transferência desse dinheiro para as empresas, mas, de qualquer maneira, o potencial desse dinheiro está aí, ou seja, existe um potencial de R$4,5 bilhões. Um potencial vindo de títulos públicos para serem trabalhados pelo BNDES. Esse dinheiro, hipoteticamente, está aí.

            É isso o que eu queria discutir não apenas pelos R$4,5 bilhões que o BNDES tem, mas eu queria discutir também tudo aquilo no qual o BNDES vem investindo, que tem um estoque de empréstimos de R$315 bilhões, ou seja, quase 100 vezes os R$4,5 bilhões.

            Aí, quero analisar, Senador Paim, na linguagem econômica, o que é o custo de oportunidade de um investimento. Quando a gente coloca R$1 em qualquer lugar, a gente deixa de colocar em outro lugar. É como um tijolo: se você coloca um tijolo em uma construção, ele some. Ele não vai mais servir para outra construção. Então, você tem que escolher bem onde colocar o tijolo, porque ele tem o chamado custo de oportunidade. Você perde a oportunidade de usar esse dinheiro em outro canto.

            Creio que o uso desses R$4,5 bilhões para financiar a fusão de duas empresas do varejo, além dos problemas que traria por causa da fusão, aumentando preço, por causa de a gente ter uma empresa forte lá fora, mas nem tão benéfica aqui dentro, geraria custo de oportunidade. Quero dar alguns dados de algumas contas que fizemos para ver o custo de oportunidade desse dinheiro. Não vou falar apenas dos R$4,5 bilhões. Vou falar dos R$315 bilhões; depois a gente fala dos R$4,5 bilhões.

            Com esse dinheiro, poderíamos financiar, por 10 anos, 25 instituições como o ITA, e, é claro, não seriam outros institutos tecnológicos da Aeronáutica. Poderia ser um estudo tecnológico da nanotecnologia, um estudo tecnológico da biotecnologia ou instituto da biotecnologia; poderíamos financiar uma rede de instituições de alta eficiência para o desenvolvimento da economia do conhecimento que o Brasil não está conseguindo fazer. Nós estamos, Senador Paim, num processo que alguns chamam de desindustrialização, que é uma palavra polêmica, as nós estamos caminhando, nos últimos anos, para uma espécie de economia que, há 30 anos, chamava-se de “maquiadora”, com fábricas que montam e não fábricas que criam.

            Nós vamos montar, agora, um tablet e estamos comemorando, mas vamos ser montadores. Nós estamos sendo montadores de produtos de alta tecnologia, como fomos montadores de automóveis, e continuamos sendo, sem criar praticamente um automóvel que venda em grande quantidade. Os automóveis brasileiros por criação foram experiências, ou o são ainda, tem, mas quase artesanais.

            Nós poderíamos, sim, com o dinheiro do BNDES, montar redes de centros de alta tecnologia.

            Vejam que o ITA, criado há 50 anos, deu margem à mais importante indústria brasileira, que é a Embraer. A Embraer é uma fábrica que nasceu no quintal de uma escola de Engenharia.

            Nós poderíamos fazer grandes indústrias na área de eletrônica, na área de medicamentos, na área de equipamentos hospitalares e de saúde, mas não imediatamente. É um investimento de longo prazo, mas nós poderíamos fazer muitos desses.

            Com os 4,5, a gente poderia fazer, também, um bom número de centros tecnológicos. Com o dinheiro do BID, na sua totalidade, para vocês terem uma ideia, nós poderíamos fazer, a um custo anual de 50 milhões, 300 hospitais Sarah Kubitschek, da Rede Sarah, que é um marco do serviço médico no Brasil e até no mundo.

            Eu não estou falando do investimento, estou falando do custo ao longo de dez anos.

            Eu quero chamar a atenção para comparar os 4,5 bilhões, mesmo sabendo que eles exigem uma engenharia financeira para se transformarem de uma hipótese em uma realidade, mas poucos de vocês sabem que, com o equivalente do dinheiro que nós íamos colocar, por meio do BNDES, na fusão de uma empresa brasileira com uma francesa, de comércio, nós poderíamos erradicar o analfabetismo no Brasil inteiro. A erradicação do analfabetismo custa entre quatro e cinco bi, e aí eu pergunto: o custo de oportunidade estava sendo considerado quando se pensava em investir esses 4,5 bi na fusão de duas empresas vendedoras de produtos no varejo? Que impacto seria melhor para o Brasil: ter uma imensa empresa que juntasse Carrefour e Pão de Açúcar, ou ter a erradicação do analfabetismo no Brasil?

            Alguns dizem: “Mas se juntarem o Carrefour com o Pão de Açúcar, eles vão ter um lucro” - à custa do preço que a gente paga -, “e esse lucro volta para o BNDES”.

            E alfabetizar todos os brasileiros não gera um retorno muito maior do que esse? Os estudos que existem mostram que uma pessoa alfabetizada ganha 40% a mais do que uma não alfabetizada. Ou seja, é um aumento da renda nacional. Essa renda nacional não vira dinheiro público automaticamente, mas 40% de toda a renda, simplificando as coisas, vão para o Tesouro.

            Nós poderíamos fazer a erradicação do analfabetismo. Nós poderíamos investir isso nas universidades criando nelas, exigindo delas uma revinculação melhor delas com o setor produtivo. Podíamos concentrar em escolas de engenharia, escolas de ciências, escolas de matemática, escolas de química, escolas de nível superior, vinculando-as ao setor produtivo para que o Brasil deixe de ser uma economia montadora de bens mecânicos e se transforme em uma economia criadora de bens de alta tecnologia. Nós poderíamos, sem dúvida, com esse dinheiro, reformar todo o sistema de transporte e ampliar todos os aeroportos do Brasil. Nós, hoje, prevemos 21 bilhões para esse serviço, o BNDES tem 315 implantado, aplicado. Ou seja, nós poderíamos, para ter uma ideia, Senador Paim...Um dos grandes exemplos do Brasil é a Embrapa. A Embrapa é um exemplo do que é possível fazer com ciência e tecnologia. Não fosse a Embrapa, o Brasil não produziria soja como produz hoje nos lugares onde produz. Pois bem, a Embrapa custa 243 milhões por ano. Fazendo a comparação dos 4 bilhões e meio - sem dizer que esse dinheiro existe, sem dizer que seria com esse dinheiro mesmo, sem ver um carimbo em uma cédula -, se custa 243, nós poderíamos fazer 60 Embrapas durante alguns anos.

            Isso é possível. Isso exige apenas que a gente trabalhe bem o custo da oportunidade do dinheiro que está à disposição, seja, já, na prática, seja teoricamente através de uma engenharia financeira de captar esse dinheiro no mercado financeiro. Isso é possível! Basta o quê? Basta que a gente comece a trabalhar o uso do dinheiro público, tanto no BNDES como em outros setores, analisando o custo de oportunidade - colocar um real aqui significa deixar de colocar aqui; colocar aqui gera uma fusão de duas empresas comerciais; colocar aqui gera ciência e tecnologia. Gera futuro! A mesma coisa que há pouco discutiamos aqui com o Senador Wellington acerca desses recursos que se supõe virão do pré-sal. Qual é o custo de oportunidade desse dinheiro? Pagar os empréstimos dos bancos? Que a gente tem que pagar, mas não com o petróleo.

, não com essa renda que surgiu agora. Quando a gente contraiu os empréstimos devia ter previsto de onde vem o dinheiro. Existia um fluxo de dinheiro, um fluxo de caixa, como é chamado. Agora, nós vamos pegar esse dinheiro, que é provisório, temporário, enquanto dura o petróleo, e jogar para pagar dívida ou outros gastos até piores e supérfluos como existem por aí, e a gente vê em tantas cidades que já recebem royalties.

            Nós precisamos analisar com cuidado o custo de oportunidade do dinheiro público.

            Por isso eu fui tão contra esses 4,5 bilhões para a fusão de duas empresas comerciais. Não vou dizer que era jogar dinheiro fora, mas a perda era muito grande colocar aí, em vez de colocar em outros setores, especialmente o setor de inovação científica e tecnológica.

            E aí eu quero concluir, Senador Presidente, dizendo que eu resumiria tudo que eu estou falando aqui fazendo uma única sugestão, na linha do que eu falei aqui no dia 5 de julho, quando eu fiz um discurso sobre inovação. A economia brasileira, eu tenho dito e repetido, está bem, mas vai mal. Ela está bem hoje quando a gente analisa os indicadores, mas ela está mal quando a gente analisa a evolução desses indicadores se não tomarmos algumas decisões fundamentais para limpar a estrada por onde a economia vai caminhar.

            Nós temos uma burocracia muito grande. Nós temos dívida. Nós temos um custo com a Previdência. Nós temos um gasto público alto. Nós temos uma taxa de juros elevada. Nós temos uma taxa de câmbio que nos ilude, porque dá impressão de riqueza, mas que no futuro é uma ameaça por que a balança comercial não está dando a sustentação verdadeira para essa taxa de câmbio. Nós temos diversos entulhos. Mas talvez o entulho mais grave, que é o mais difícil de superar é o entulho, é a barreira, é o entrave, é o gargalho de não sermos um País com capacidade inovativa.

            Ao longo dos anos, não investimos na criação de inovação, nem no setor público, das próprias universidades, e nem no setor privado. Nós não temos um setor de criar novos produtos. E aí é que nós podemos tropeçar.

            Porque até agora competitividade de uma empresa em relação à outra se ganhava baixando custos. E aí como é que as empresas ganharam ultimamente competitividade? Demitindo trabalhadores para baixar o custo e aí vender o produto concorrendo com o outro. Não vai poder continuar assim.

            Daqui para frente, sabe de onde vem o poder de concorrer? Inventar produtos novos. Produtos que ninguém fez ainda; vende. Aí alguém começa a copiar. Aí a gente inventa outro; vende. É assim que a Finlândia, que tem uma empresa chamada Nokia, até 30 anos atrás, essa Nokia, Senador Paim, exportava papel higiênico; hoje é o telefone que a gente usa, porque adquiriu capacidade inovativa. E essa capacidade de inovação exige o setor público.

            Deixar que as empresas, sozinhas, invistam, não vai dar certo. Deixar que as universidades continuem com seus poucos recursos para serem o motor da inovação, não vai dar certo. É aí que eu digo o que eu falava há pouco; eu queria que ficasse aqui uma sugestão: que o BNDES mudasse de nome, que fosse BNDESI - “i” de inovação. Alguns dizem que mudar de nome não quer dizer nada essa semântica. Não é semântica. Isso dá a alma das coisas. O BNDES tem a alma de banco, tem a alma de nacional, tem a alma de desenvolvimento econômico e, nos últimos anos, adquiriu o “s” de social. Isso cria uma concepção. A letra “i” não entra. Não existe a letra “i” no nome do BNDES. É preciso que seja “BNDESI” e que, a partir de agora, a gente possa ter um banco que comece a trabalhar na linha de investir para que o Brasil se transforme, primeiro, numa sociedade inovativa; segundo, graças a isso, em uma economia do conhecimento, que é o único caminho que nós temos para enfrentar o futuro.

            Não vamos conseguir manter a economia brasileira na base da exportação de ferro. Não vai dar. Nós vamos ter que começar a exportar chips, criados, inventados, fabricados aqui dentro. Isso é possível.

            Para vocês terem uma ideia, só os 4,5 bilhões, que iriam para a fusão de duas empresas comerciais e que representam - é verdade - muito pouquinho do PIB, 0,11%, só esse dinheiro permitiria um aumento de 21% a mais nos recursos públicos dedicados à pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, para cada R$4,00 teria mais R$1,00. Imagine o impacto que isso poderia dar, falando dos 4,5, que eu volto a insistir, não é um dinheiro que está lá guardado no cofre do BNDES. É um dinheiro que chegaria através da venda de títulos públicos pelo Governo. O Governo pode até fazer esses títulos também para investir em inovação, ou, então, o BNDES pode perfeitamente tirar, dos 315 que ele tem de estoque de empréstimo até hoje, uma parcela para investir em inovação. E eu vou dizer mais: não pode ser 4,5 bi apenas não; mas, sim, 10, 20, 30 bilhões no setor de inovação.

            Hoje o próprio BNDES investe 15 bilhões na área social. Mas vamos analisar com uma lupa. Sabe em qual social eles investem? Estádio da Copa. Está lá: dinheiro do PAC para infraestrutura econômica, não para infraestrutura social. Uma série de pequenos programas que não geram um retorno e um impacto de longo prazo; diluem-se, satisfazem o presente, mas não constroem o futuro.

            Quero deixar aqui - estamos quase terminando nossas sessões desse semestre - a ideia de que a Presidenta Dilma perceba que uma marca do seu governo pode ser fazer do BNDES um BNDESI; fazer de um banco que até ontem pensava em fusão de empresas comerciais - é uma coisa que eu nunca entendi como pôde chegar a isso ali - uma empresa que gere, financie, promova, com a competência que tem o BNDES de hoje, com a competência dos seus funcionários, com o compromisso do seu Presidente, Luciano Coutinho, com o desenvolvimento brasileiro... Que essa competência e esse dinheiro que estão lá e que são do povo do Brasil sejam usados - o dinheiro e a competência - para fazer do País, do nosso Brasil uma sociedade criativa. Que faça da nossa economia uma economia inovativa. Que faça das nossas empresas produtoras de bens de alto conteúdo de ciência e tecnologia. Se fizermos isso, daremos um passo para que a economia, que está bem, continue bem no futuro. Se não o fizermos, a economia, que hoje está bem, poderá, dentro em breve, ir mal, o que seria uma tragédia para todos nós.

            Fica aqui a recomendação: a criação dentro do BNDES de uma área fundamentalmente comprometida com a inovação. E que, quem sabe, eles mudem até o nome para ser Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social e da Inovação do parque produtivo brasileiro.

            Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha para dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2011 - Página 29416