Discurso durante a 121ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização em Brasília, em 29 de junho último, de seminário patrocinado pelo IPEA, a ONU Mulher e a CFEMEA, para discutir perspectivas para o trabalho doméstico no Século XXI, com visitas à Convenção 189 e à Recomendação 201 da OIT.

Autor
Maria do Carmo Alves (DEM - Democratas/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • Registro da realização em Brasília, em 29 de junho último, de seminário patrocinado pelo IPEA, a ONU Mulher e a CFEMEA, para discutir perspectivas para o trabalho doméstico no Século XXI, com visitas à Convenção 189 e à Recomendação 201 da OIT.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2011 - Página 29570
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, CAPITAL FEDERAL, DEBATE, EXPECTATIVA, EMPREGADO DOMESTICO, RELAÇÃO, APROVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), EQUIPARAÇÃO, DIREITOS, CATEGORIA, TRABALHADOR URBANO.

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (Bloco/DEM - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 29 de junho, o IPEA- Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, a ONU Mulher e a CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria realizaram em Brasília um Seminário para discutir perspectivas para o trabalho doméstico no Século XXI, com vistas à Convenção nº 189 e à Recomendação nº 201 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, aprovadas no mês passado, sob aplausos, na 100ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, na Suíça.

            Essa aprovação é um marco histórico, porque a Convenção nº 189 é o primeiro instrumento internacional a contemplar os trabalhadores domésticos. De acordo com estimativas recentes da OIT, com base em estudos ou pesquisas nacionais de 117 países, o número de trabalhadores domésticos no mundo é de pelo menos 52,6 milhões de pessoas, embora especialistas acreditem que o total possa chegar a 100 milhões, uma vez que esse trabalho é feito de forma isolada e sem registros. Nos países em desenvolvimento, os serviços domésticos representam percentual entre 4% e 12% do trabalho assalariado.

            Com a Convenção, estabelecem-se direitos mínimos para trabalhadores domésticos, mensal e diarista, nas funções de governanta, cozinheira, arrumadeira, babá, lavadeira, passadeira, motorista, jardineiro e vigia, dentre outros.

            Em 24 artigos, a Convenção procura assegurar que os países adotem medidas para garantir que trabalhadores domésticos realizem suas tarefas de forma decente, com proteção social e trabalhista, respeitando a idade mínima para o trabalho, conforme a Convenção nº 138 e as legislações nacionais, e se comprometam igualmente com a abolição do trabalho infantil e de todas as formas de violência.

            O Brasil, em 1943, promulgou uma legislação protetora do trabalhador, a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, porém essa legislação excluiu os trabalhadores rurais e as empregadas domésticas, tendo como pressuposto que as tarefas eram pagas com rendas pessoais e eram feitas dentro dos domicílios.

            A partir de 1972, uma legislação especial passou a reger o trabalho doméstico e, em 1988, a Carta Magna equiparou os trabalhadores rurais aos urbanos e garantiu às domésticas conquistas importantes, como o salário mínimo e 13º salário. Entretanto, o conjunto dos direitos trabalhistas ainda não estava acessível a esses trabalhadores.

            Esse é um assunto de extrema importância, Senhoras e Senhores, não só porque corrige injustiças com uma categoria de trabalho, mas porque é parcela importante das ações para empoderamento da mulher, uma vez que cerca de 93% dos trabalhos domésticos são realizações femininas. E é grande o número de mulheres brasileiras cuja ocupação é o trabalho doméstico remunerado. Em 2001, a função absorvia 18% das mulheres ocupadas; eram 5,5 milhões. Em 2009, essa ocupação detinha 17% das ocupadas: 6,7 milhões de mulheres, de acordo com dados do IBGE, hoje atualizados por dados do IPEA para 7,2 milhões.

            A construção do perfil dessa trabalhadora revela que ela é negra, possui baixo poder aquisitivo e baixo índice de instrução formal. Essas características de gênero e raça fortemente contribuem para a falta de reconhecimento e de visibilidade atribuída ao trabalho doméstico, como confirmou pesquisa qualitativa realizada por pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidade Federal do Recôncavo Baiano sobre gênero, trabalho e raça. Ou seja, a profissão traz em si o estigma e o preconceito já sofrido por mulheres e negros em nossa sociedade e representa um tipo de escravidão feminina que assumiu novas formas.

            Parte do entendimento dessa questão está ligada à divisão sexual do trabalho, que distingue os papéis femininos e masculinos na família e confere valores distintos ao trabalho de mulheres e homens. Também encontra eco na gratuidade dos trabalhos femininos executados para a família, que são interpretados como forma de expressão de amor aos familiares. Essa gratuidade acaba fundamentando a relutância social quanto à importância dessas tarefas e a invisibilidade de sua execução acaba por estender-se da mãe de família para as empregadas doméstica, mesmo que elas realizem essas tarefas sob alguma remuneração.

            Segundo estudo sobre o mesmo universo, “As Mulheres no Mercado de Trabalho Brasileiro: Informações Qualitativas e Quantitativas”, resultado de convênio de cooperação técnica entre o DIEESE e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, aplicado nas regiões metropolitanas de Salvador e de São Paulo, mais da metade das trabalhadoras domésticas são analfabetas.

            Essa negação à educação, ao conhecimento dos direitos, afora a própria desigualdade que há no acesso ao direito trabalhista em si, assegura a incapacidade de superação dessas diferenças e sua repetição pelas gerações seguintes.

            Essa educação é negada, Senhor Presidente, porque a maioria das trabalhadoras domésticas inicia essas atividades ainda criança, ironicamente como babá, cuidando das crianças de outras pessoas. Muitas delas são provenientes de cidades menores e são entregues pelos pais na esperança de que, na cidade grande, obtenham estudos e novas perspectivas de vida, conforme registrado em vários depoimentos que ilustraram ambas as pesquisas aqui citadas. Sem a educação convencional, só lhes resta permanecer nas atividades domésticas, cujo aprendizado se dá na prática e nos ensinamentos de mãe pra filha.

            Isso se dá predominantemente com as mulheres, Senhoras e Senhores, porque mesmo os homens que possuem baixa escolaridade, dispõem de maiores opções de trabalho. Por outro lado, são muitas as ofertas de empregos domésticos em classificados que assinalam a preferência por empregadas que ‘não estudem’ e que possam dispor integralmente de seus horários. Daí a importância dessa Convenção no andamento das ações para a igualdade de gênero, um dos objetivos do milênio desejados por todos os povos.

            Outras situações de degradação constatadas nas relações de trabalho doméstico, além do bloqueio à educação, são os maus tratos, os assédios morais e sexuais por que passam essas profissionais, o excesso de trabalho que muitas vezes lhe é infligido, as condições inadequadas de execução, além da jornada superior aos demais trabalhadores e sem direito à remuneração extra.

            É a correção dessas distorções que a Convenção 189 vem normatizar, trazendo em seu bojo o cuidado quanto ao cumprimento de suas determinações, quando destaca, em seu artigo 17, o papel da Inspeção do Trabalho, assim como a adoção de medidas para que regras e sanções sejam aplicadas segundo a legislação de cada país membro, com garantias de respeito à privacidade, dentre outros.

            Gostaria de fazer esse registro, porque estaremos em breve apreciando nesta Casa a Convenção nº 189 e a Recomendação nº 201, como parte do processo de ratificação, sinalizado pelo Brasil ainda na Conferência da OIT e é para mim motivo de felicidade participar da aprovação dessas normas internacionais em benefício das trabalhadoras brasileiras que executam os serviços domésticos.

            Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente,

            Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2011 - Página 29570