Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a passagem do 25º aniversário de falecimento do educador potiguar Luís da Câmara Cascudo.

Autor
Paulo Davim (PV - Partido Verde/RN)
Nome completo: Paulo Roberto Davim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a passagem do 25º aniversário de falecimento do educador potiguar Luís da Câmara Cascudo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2011 - Página 31207
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, INTELECTUAL, HISTORIADOR, JORNALISTA, PROFESSOR, DIREITO, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), CONTRIBUIÇÃO, CULTURA, BRASIL.

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Agripino; Ex.mo. Ministro da Previdência Garibaldi; Ex.ma. Governadora do Rio Grande do Norte Rosalba Ciarlini; Micarla de Sousa, Prefeita de Natal; imortal escritor Murilo Melo Filho; o ex-Senador João Faustino; escritor e poeta Diógenes da Cunha Lima; autoridades presentes, demais Senadores, Deputados e Deputadas Federais e Estaduais, minhas senhoras e meus senhores.

            Quando requeri esta sessão solene, tive a convicção de estar propondo uma homenagem extremamente justa e extremamente oportuna.

            A estatura do grande potiguar e brasileiro, sua brilhante trajetória de vida e sua enorme contribuição à cultura de nosso País justificam plenamente a homenagem.

            Falar sobre Luís da Câmara Cascudo é para mim um misto de honra, orgulho e até de ousadia. Honra porque não restam dúvidas de que Câmara Cascudo não só fez parte daqueles que se notabilizaram pelos seus grandes feitos, mas, sobretudo, porque ele foi responsável por notabilizar a pesquisa brasileira, os estudos etnográficos, nossos costumes, nossa cultura, dando equânime valor aos grandes homens que com ele conviveram, aprendendo e ensinando, assim como também valorizando e mostrando ao mundo os gestos mais simples e cotidianos dos homens do chão de terra seca do nosso Nordeste.

            Orgulho - pela unanimidade do reconhecimento do valor deste homem e da sua vasta obra.

            Ousadia - porque, diante de tão grandiosa obra e legado deixados por ele, qualquer tentativa de resumir em poucos minutos o que ele representou na história cultural brasileira, pode soar rasteiro, cérceo de todo merecimento que lhe é de direito.

            Luís da Câmara Cascudo nasceu em 30 de dezembro de 1898 na nossa Natal, a cidade que encantou o sol, sem com ele desposar, daí carinhosamente ser chamada de “Noiva do Sol” ou “Cidade do Sol”.

            Cascudo desde cedo demonstrou uma invulgar curiosidade intelectual. Estudou no Atheneu Norte-Riograndense, a mais antiga e tradicional instituição escolar do país, fundada em fevereiro de 1834 e anterior, portanto, ao aclamado Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. O mesmo Atheneu do qual, anos mais tarde, viria a ser professor e diretor.

            Concluída a formação básica, sua alma buliçosa aventurou-se pelos mais variados campos do conhecimento humano. Pensou em ser médico e chegou a cursar alguns anos de Medicina em Salvador e no Rio de Janeiro. Em 1928, concluiu o curso de Direito na velha Faculdade do Recife e o curso de Etnografia na Faculdade de Filosofia da terra natal. A nossa veneranda Universidade do Rio Grande do Norte, por sinal, também voltaria depois como professor de Direito Internacional Público e de Etnografia Geral.

            Jornalista, dos mais inspirados e atuantes, colaborou em vários periódicos de Natal e de outras cidades do Brasil. Manteve, ao longo de décadas, uma coluna diária, por meio da qual lançava um olhar arguto e sensível à paisagem humana de sua cidade.

            Historiador atento e perspicaz, escreveu, por exemplo, as biografias de Solano López, do Conde D’Eu e do Marquês de Olinda. E o amor incondicional por sua terra levou-o a escrever a História da Cidade do Natal e a História do Rio Grande do Norte. Mas foi com o livro Alma Patrícia, em 1921, portanto há 90 anos, que estreou como escritor.

            Nesse mesmo período, fundou a Sociedade Brasileira de Folclore, propondo uma nova teoria para a cultura popular. Mantinha contatos frequentes com grandes nomes, como o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Gilberto Freire, entre outros.

            O geógrafo talentoso se fez notar em Geografia do Brasil Holandês; o ensaísta, em Jangada e em Rede de Dormir; e o ficcionista em Histórias que o Tempo Leva. Acima de tudo, porém - e é nesse campo que seu vigor intelectual se mostrará mais intenso, destacado e seguramente imprescindível -, Luís da Câmara Cascudo escreveu sobre etnografia e folclore.

            Instigava-o, Srªs e Srs. Senadores, senhores e senhoras aqui presentes, essa riqueza imensurável que vamos encontrar na cultura popular, nas tradições e nos costumes, nos modos de falar e vestir, nas lendas e nos mitos que resistem ao tempo, nas superstições, nos hábitos alimentares, nos folguedos, nos jogos infantis, nas práticas funerárias, em todo esse arcabouço, enfim, que traduz com muita propriedade os princípios e valores assumidos por um grupamento de seres humanos.

            A esse tema, Sr. Presidente, entregou-se de corpo e alma. Dos mais de cem títulos, entre livros e traduções, opúsculos e alguns milhares de artigos publicados no Brasil e em vários países, grande parte foi dedicada ao folclore nacional ou regional, somando oito mil e quinhentas páginas, que foram escritas para alegria dos leitores, não com o ranço acadêmico dos pesquisadores insensíveis ao gosto popular, mas numa linguagem bastante acessível, ainda que sem prejuízo do rigor técnico.

            Nesse conjunto, destacam-se várias obras-primas, cada uma delas capaz de embasar, por si só a merecidíssima reputação de maior folclorista da história do Brasil.

            Sou obrigado a citar, evidentemente, o seminal Dicionário do Folclore Brasileiro, por certo uma de suas obras mais conhecidas. Mas como não fazer referência, senhoras e senhores, a outros títulos igualmente importantes, igualmente valiosos para o conhecimento e a compreensão de nossa cultura?

            Como não citar, por exemplo, a Antologia do Folclore Brasileiro, as Locuções Tradicionais no Brasil, e a caudalosa História da Alimentação no Brasil, a também caudalosa Civilização e Cultura ou, até mesmo, o livro publicado aos 87 anos, portanto, um ano antes de sua morte, o livro Superstição no Brasil?

            Essas, assim como outras de Câmara Cascudo, são obras essenciais, indispensáveis a todos aqueles que queiram entender o espírito da gente brasileira.

            Para compô-las, Sr. Presidente - e vai aqui outro exemplo precioso para os nossos jovens -, o grande escritor potiguar obedecia a um rígido ritual: coletava e analisava as informações com extremo cuidado, fossem elas decorrentes de visitas ao campo ou de pesquisas em arquivos.

            Cada expressão ou hábito que distinguisse era relacionado às expressões e hábitos de outros povos e de outras terras, para identificar com a maior clareza possível a sua gênese, as suas origens, as suas fontes de inspiração. Ou seja, não havia espaço para a improvisação, para o intuitivo, para o dado não confiável; não havia espaço, enfim, para a enganação.

            Luís da Câmara Cascudo tinha consciência de que a credibilidade do pesquisador é diretamente proporcional aos padrões éticos por ele utilizados em suas pesquisas. Queira Deus que tal consciência - a consciência do fazer bem feito, do dedicar-se com todas as forças à obtenção dos resultados mais precisos, mais verdadeiros - esteja sempre presente nas mentes de todos os brasileiros.

            “Cascudo viveu como um descobridor, vendo e ouvindo, lendo e perguntando, anotando e escrevendo, sem nunca pensar em deixar sua terra Natal, entre o rio e o mar”. Escreveu o Jornalista e escritor Vicente Serejo.

            Por várias vezes declinou o convite para ensinar em universidades da Europa, EUA e da América Latina e até ao honroso convite do então Presidente Juscelino Kubitschek para ser Reitor da Universidade de Brasília. Também recusou o Fardão da Academia Brasileira de Letras, prezado imortal potiguar escritor Murilo Melo filho.

            Luís Câmara Cascudo nasceu e viveu na sua aldeia. Genial e humilde. Pobre e feliz.

            Esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era Câmara Cascudo, o grande brasileiro que hoje homenageamos. Ao exaltá-lo, ao destacar sua valiosíssima contribuição para a cultura do Brasil, aproveito para levar meu reconhecimento também a todos aqueles que se dedicam ao estudo do folclore em nosso País. É por conta de seu trabalho, de sua dedicação, de seu amor à profissão, que conseguimos manter viva uma cultura popular tão rica e tão diversificada.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2011 - Página 31207