Pronunciamento de José Agripino em 03/08/2011
Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem a passagem do 25º aniversário de falecimento do educador potiguar Luís da Câmara Cascudo.
- Autor
- José Agripino (DEM - Democratas/RN)
- Nome completo: José Agripino Maia
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem a passagem do 25º aniversário de falecimento do educador potiguar Luís da Câmara Cascudo.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/08/2011 - Página 31210
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SENADO, SESSÃO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, INTELECTUAL, ESCRITOR, JORNALISTA, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).
O SR. JOSÉ AGRIPINO (Bloco/DEM - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Exmo. Sr. Senador Paulo Davim, que preside esta sessão e que teve a meritória iniciativa de convocar o seu primeiro signatário para que a sessão acontecesse; Ministro Garibaldi Alves Filho, sempre Senador e amigo; Governadora Rosalba Ciarlini Rosado, que deve estar se sentindo em casa, talvez com saudades desta Casa onde esteve por quatro profícuos anos; Senador João Faustino, que aqui representa a família de Câmara Cascudo; meu amigo Murilo Melo Filho, 2º Secretário da ABL, a Academia Brasileira de Letras, que muito nos honra com sua presença; Prefeita Micarla de Souza, minha querida amiga; Diógenes da Cunha Lima, estimadíssimo amigo, Presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras; Srs. Deputados e Deputadas; Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Deputados Estaduais; potiguares aqui presentes; ilustres membros da magistratura federal e estadual; meus amigos.
Esta sessão oportuniza, Diógenes, a que o Rio Grande do Norte se encontre e, pela TV Senado e pela Rádio Senado, o Brasil tem a oportunidade de ouvir, pela palavra dos oradores, porque muitos ainda vão falar, quem foi o maior expoente da cultura potiguar, que se chamou, sem sombra de dúvida, Luís da Câmara Cascudo.
Eu estou me referindo a Diógenes, Deputado Henrique Alves, porque ele é testemunha ocular de uma coisa que eu não esqueci nunca. Uma coisa ele não viu. Eu era menino, em Natal, e meu pai, Tarcísio Maia, era Secretário de Educação. Fui a um evento. E eu não me lembro que evento foi esse, eu era menino, de calças curtas, seguramente. E nesse evento - eu nunca esqueci isso -, antes do início da cerimônia, entrou uma figura acompanhada de um séquito. Uma figura de paletó, era de linho, cabelo meio em desalinho, nariz meio emproado, seguido por muitas pessoas. Eu, menino, na inocência da minha meninice, perguntei a quem estava ao meu lado - não me lembro se era meu pai -: “Quem é aquele?”, e me disseram: “É Cascudinho”. Eu não sabia quem era Cascudinho e nem perguntei da importância de Cascudinho e o porquê daquele séquito.
Mas, Ministro, aquela imagem ficou na minha cabeça durante anos, até que, como Prefeito de Natal, Ministro Delgado - desta o Diógenes se lembra, ou destas ele se lembra, ele é testemunha ocular destas -, eu tive a oportunidade de encontrar aquela figura que ficou na minha lembrança como Cascudinho. Não estava mais de paletó e gravata, não envergava mais o terno de linho, eu não me lembro se ainda carregava, como carregava naquele evento, o charuto entre os dedos, estava em pijama, com o mesmo ar de figura que inspirava respeito e admiração, entre seus familiares, dona Dhalia, Fernando Luís e Aninha (Anna Maria Cascudo), num dia 30 de dezembro, porque a cada 30 de dezembro eu ia, como Prefeito de Natal, à casa dele, você deve se lembrar disso. Ele estava surdo, ele já não ouvia, Henrique. Ele se comunicava com as pessoas por um bloquinho. Eu escrevia o que queria, ele via e fazia o comentário sempre muito bem humorado. Agora, não abria mão do presente. O presente era sagrado. E eu me armava, chegava lá municiado do presente. O presente era uma notinha nova, nova, nova, de Cr$1,00. Não era mais do que Cr$1,00 que eu entregava, ficava, batia aquele papo, e ele guardava. O que fazia com aquele Cr$1,00 eu não sei. Era o presente do Prefeito de Natal, que já era uma tradição, uma homenagem que os prefeitos de Natal prestavam a Luís da Câmara Cascudo. Acho que você se lembra disso, porque você estava sempre lá. Acho que você foi - pelo menos no período em que acompanhei a vida de Luís da Câmara Cascudo - o literato, o homem de letras, o intelectual potiguar mais próximo de Cascudo, era quem mais reverenciava a figura. Talvez você estivesse fazendo parte daquele séquito de anos atrás, talvez nem estivesse, mas você significou, e com todos os méritos, na intelectualidade potiguar, aqueles que reverenciavam a memória ou a presença de um homem que dignificou a cultura do Rio Grande do Norte para o Brasil.
Eu não sei quem foi mais importante para desenhar para o futuro os traços com as tintas reais do homem brasileiro, se foi Gilberto Freyre ou se foi Luís da Câmara Cascudo. Eu não sei o que foi mais importante: se Casa Grande e Senzala ou o Dicionário de Cascudo, não sei qual foi. Sei que ambos foram geniais e que ambos prestaram enorme serviço à História do Brasil na fixação das características básicas do cidadão brasileiro, do brasileiro, com seus hábitos, seus costumes, seu folclore.
Diógenes, a cultura popular autóctone é fortíssima. João Faustino e Garibaldi já foram aos museus do mundo e viram as obras de Picasso, como eu vi, desde o palhaço aos retratos perfeitos, mas duvido que não venha à memória de qualquer dos dois, quando se fala em Picasso, em primeiro lugar, a obra de Picasso com o traço característico da arte africana, autóctone: os lábios grossos, o olho puxado; a obra autóctone, em que o que tem força é aquilo que vem do povo.
E Luís da Câmara Cascudo foi um homem como Gilberto Freyre. Mas quero falar mesmo é do meu Luís da Câmara Cascudo, do meu orgulho potiguar. Ele viajou à África para aprender as origens, as raízes do brasileiro. Ele fez uma viagem à África quando ninguém ia à África. Passou um tempão recolhendo subsídios para deixar um legado numa obra interessante de ser lida, uma obra muito importante, que significa patrimônio da literatura brasileira. Ele escreveu História, foi um etnólogo, um sociólogo, um folclorista, um ensaísta, um tradutor. Foi tudo, com seu charuto entre os dedos, com seu cabelo em desalinho, com seu terno de linho, com seu séquito de seguidores, foi o orgulho da cultura potiguar.
De modo que, Paulo Davim, foi muito boa sua iniciativa de fazer a convocação para que esta sessão acontecesse, homenageando os 25 anos de morte de Cascudo. Ele nasceu em 30 de dezembro de 1898. Já fez muito mais de 100 anos, mas agora estamos homenageando os 25 anos de morte dele.
Quando ele morreu, eu já não era mais prefeito, não era governador, mas me orgulho de uma coisa. Eu me lembro como se fosse hoje: eu, candidato a Governador, em 1982; ele, na sacada da casa onde viveu até morrer, na subida da Junqueira Aires, ao lado, seguramente, de D. Dhalia, esperando uma vigília minha passar. Da campanha de 82 eu me lembro como se fosse hoje, como me lembro da imagem do Cascudinho naquele evento ao qual compareci com meu pai, Secretário. Nunca esqueci da minha passagem, ao final de uma campanha eleitoral, quando ganhei a eleição para Governador, da subida da Junqueira Aires, numa enorme passeata, já muito tarde da noite, madrugada, quando vi, para meu orgulho, a figura de Câmara Cascudo numa das janelas da sacada de sua casa com seus familiares. Orgulho-me porque eu acho que Cascudinho foi eleitor de José Agripino, como Anna Maria, como talvez D. Dhalia o tenha sido - Anna Maria até hoje o é. É um orgulho para quem faz vida pública conseguir ter o voto de qualidade de figuras que o Brasil está tendo, pela iniciativa de Paulo Davim, a oportunidade de conhecer melhor.
Eu trago - ia ler na íntegra - um primoroso artigo escrito por um membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, um orgulho do jornalismo potiguar - e Cascudo foi jornalista - que se chama Vicente Serejo. Eu fiz questão de recolher este artigo e vou querer que ele seja inserido nos Anais do Congresso Nacional, porque, com fidedignidade, relata-me, Carla, quem foi Luís da Câmara Cascudo, com frases curtas.
Eu vou ler algumas poucas frases. Vou pular porque quero ouvir aqueles que ainda vão falar, a começar pela Governadora Rosalba.
Vicente Serejo, por exemplo, disse:
(...)
Na água do primeiro banho, a mãe despejou um cálice de vinho do Porto para o filho ter saúde e o pai temperou com um patacão do Império, para ganhar fortuna. O padre João Maria, o santo da cidade, batizou-lhe na Igreja do Bom Jesus das Dores, na Ribeira, ali onde nasceu, anunciando seu nome em latim: Ludovicus! E a poetisa Auta de Souza, amiga de sua mãe, embalou nos braços tépidos o choro forte do menino-homem.
Como o sobrevivente de quatro irmãos, teve a infância guardada entre cuidados, com ama de companhia [porque era um homem rico, o que deixou de ser], professora particular e proibido do encanto das ruas [mimado, cuidado dentro de casa]. No verão, vivia os dias de calor na beira do mar, entre barcos e pescadores [talvez a partir daí tenha se voltado para o folclore e tenha se voltado para as coisas do povo], e o inverno passava no sertão, ouvindo o aboio dos vaqueiros e o desafio de cantadores. E assim sedimentou, entre espumas e espinhos, a sua cultura descobridora do homem brasileiro.
Eu não vou ler, porque quero ouvir os que vão falar, mas é um belo artigo, que estou encaminhando à Mesa para que seja inserido nos Anais do Congresso Nacional.
O que eu quero mesmo, nesta tarde de hoje, dia 03 de agosto, nesta sessão solene, onde alguns falaram e alguns ainda vão falar, é que a memória de Câmara Cascudo, orgulho da cultura potiguar, chegue ao Acre, chegue ao Chuí, chegue a Porto Alegre, ao Rio de Janeiro e a São Paulo, chegue ao Brasil inteiro, para recuperar a memória de um orgulho que foi nosso, de um homem que viveu a vida inteira no Rio Grande do Norte, de onde se recusou a sair. E como ele foi convidado para ir para fora, para, honrado, ocupar funções importantes fora do Estado, e nunca o quis.
A hora, portanto, é de homenagear como potiguar o maior dos expoentes da nossa cultura, Luís da Câmara Cascudo, que, de público, aplaudo neste momento. (Palmas.)
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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ AGRIPINO EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)
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Matéria referida:
- Câmara Cascudo, de Vicente Serejo.