Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2011 - Página 31330
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER, DETALHAMENTO, INICIATIVA, COMBATE, VIOLENCIA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidenta Marta Suplicy, que comanda esta sessão especial comemorativa dos cinco anos da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, proposta com senso de oportunidade pela Senadora Gleisi Hoffmann, nossa colega do PT do Paraná que atualmente ocupa a Casa Civil da Presidência da República; Srªs Senadoras que integram a Mesa; Senador Sérgio; demais Senadores e Senadoras; convidados para esta sessão especial, sempre que o assunto é a violência contra a mulher, todas nós, mulheres, nos sentimos fragilizadas, porque, invariavelmente, nos colocamos no papel da vítima.

            Poucas de nós nunca ouviram falar de uma amiga, de uma parenta ou uma vizinha que não tenham sido vítimas de violência. Como jornalista, durante muitos anos, ouvi vários relatos de mulheres agredidas por seus companheiros.

            São relatos de agressões que não são somente físicas, mas também psicológicas e morais. Às vezes, Senadora Marta Suplicy, são tão ou mais violentas que a própria violência física.

            Mulheres que são humilhadas pelos companheiros diante de outras pessoas, que são impedidas de ver seus parentes e amigos, impedidas de ver os filhos, de trabalhar, de manifestar suas opiniões, também estão em situação de aguda violência. Mas o que mais choca a sociedade é mesmo a violência física sofrida por milhares de mulheres brasileiras.

            Infelizmente, não são raros os casos de crimes passionais, como o de Sandra Gomide, jornalista de São Paulo, que foi brutalmente assassinada há 11 anos pelo ex-namorado, também jornalista, Pimenta Neves, crime este que chocou a opinião pública nacional pela forma como foi praticado e pela impunidade.

            Nesta semana, a menina Flávia Lima, de apenas 16 anos, namorada do atacante da Portuguesa de Desportos, Rafael Silva, morreu ao se jogar do 15º andar de um apartamento onde o casal vivia na zona leste de São Paulo.

            Infelizmente, ainda há muitas mulheres que relutam em delatar o companheiro que a agrediu, que a violentou, que a estu..., que a estuprou. A palavra é tão feia que é até difícil de ser pronunciada. É realmente isso que representa o ato de violência: o estupro.

            Em muitos casos, ainda, Presidenta Marta Suplicy, as mulheres em situação de violência doméstica não denunciam o agressor por amor ao companheiro, o amor bandido. Às vezes até por dependerem, financeira e economicamente, desse companheiro violento.

            Porém, na maioria das vezes em que as mulheres evitam a denúncia, fazem-no levadas pela desigualdade social existente entre os gêneros. Muitas dessas mulheres não têm condições financeiras de prover o próprio sustento e de seus filhos e, como se isso não fosse suficiente, ainda sofrem pressão da família e da sociedade para não desfazer a relação, vivendo em uma situação de plena sujeição e subordinação.

            Muitas outras vivem uma situação ainda mais grave que é o medo de denunciar o agressor. Com a certeza da impunidade, temem pagar com a própria vida pela denúncia. O caso Maria da Penha é exemplar nesse episódio. Ela continua andando de cadeira de rodas, como um sinal da violência da qual foi vítima.

            Mas a situação já foi muito pior, Presidenta Marta Suplicy. Até a edição da Lei Maria da Penha, poucas eram as mulheres que sequer ousavam contar que haviam sido vítimas de uma agressão doméstica; registrar uma queixa-crime, então, era algo impensável para a grande maioria das mulheres brasileiras.

            Não resta a menor dúvida de que essa lei representa um divisor de águas em matéria de proteção aos direitos da mulher em nosso País, encorajando a denúncia e oferecendo proteção legal às vítimas.

            Ela nasceu a partir de um amplo e democrático debate com a sociedade civil e representa o reconhecimento de que as mulheres são, quase sempre, a parte mais vulnerável numa sociedade que incorpora valores machistas.

            Ela parte da premissa básica de que as mulheres devem ser protegidas com uma lei específica que combata as agressões e ameaças sofridas em âmbito doméstico e familiar.

            De fato, Senhoras e Senhores, o problema da violência doméstica alcança dimensões assustadoras em nosso País, não apenas pelo alto número de mulheres atingidas, mas também pelas nefastas consequências psíquicas, sociais e econômicas que apresenta.

            A partir da edição da Lei Maria da Penha, passamos a contar com um diploma legal que tipifica as espécies de violência praticadas contra a mulher; proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores e determina o encaminhamento das mulheres vítimas de violência, e seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.

            Talvez, por isso, no ano passado, ela tenha sido eleita, pela Organização das Nações Unidas, uma das leis mais avançadas contra crimes de violência doméstica, entre os 90 países que têm legislação sobre essa matéria.

            Por esse motivo, Srª Presidente, gostaria de cumprimentar neste momento a Senadora Gleisi Hoffman, Ministra-Chefe da Casa Civil, pela oportuna e feliz autoria do requerimento para que o Senado Federal realizasse esta sessão solene em homenagem aos cinco anos de vigência da Lei nº 11.340, mais conhecida, com justiça, como Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006.

            É bem verdade que nossa sociedade está cada vez mais violenta. É verdade também que a violência contra a mulher é, talvez, a pior forma de violência, porque agride a família.

            Como poderemos ter um país pacífico se, dentro dos nossos lares, não há paz, não há amor, não há concórdia, não há harmonia!

            Por essa razão, precisamos todos nos unir numa verdadeira cruzada contra a violência, fortalecendo a Lei Maria da Penha que, nestes cinco anos, já mostrou resultados expressivos.

            De acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, a Lei Maria da Penha já produziu mais de 330 mil processos nas varas e juizados especializados da Justiça brasileira, desde sua entrada em vigor, em 2006, até julho do ano passado.

            Desse total de ações, 111 mil sentenças foram proferidas e mais de 70 mil medidas de proteção à mulher foram tomadas pela Justiça brasileira.

            Contudo, esses dados não correspondem à realidade da violência contra a mulher brasileira como um todo. Alguns Estados ainda não apresentam uma estrutura específica de juizados e varas especiais para aplicação da Lei Maria da Penha. E aí cito os casos dessa exceção, como é o caso de Sergipe, Rondônia e Paraíba. Eu gostaria, então, de contar com os Senadores desses três Estados e de apelar a S. Exªs para que se envolvam e se integrem em uma luta para que nesses Estados também essas varas especiais sejam implantadas.

            Além disso, dos mais de 300 mil processos, envolvendo violência contra a mulher, que tramitaram ou que ainda estão em tramitação, quase um terço - mais de 93 mil deles - está na Justiça do Rio de Janeiro. Como não há sinal de que efetivamente o Estado do Rio de Janeiro seja um polo concentrador dessa forma de violência, Srª Presidenta, creio que esteja havendo uma assimetria que ainda aponta para a necessidade de maior divulgação dessa norma pelos diferentes Estados da Federação, com uma estatística bastante confiável a respeito dessa violência.

            Dados do Instituto DataSenado - alguns referidos por V. Exª agora há pouco -, que tem realizado uma série de pesquisas sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, desde que a Lei Maria da Penha foi aprovada, mostram que 19% das mulheres brasileiras afirmaram já terem sido elas próprias vítimas de violência cometida em seus lares, em 2011. Número superior aos 15%, em 2007, indicando crescimento da violência em nosso País. Em 54% dos casos, a violência é motivada por álcool e ciúme dos companheiros; e 23% afirmaram que nada fizeram em relação à agressão sofrida por preocupação com a criação dos filhos e com medo da vingança do agressor. Isso mostra o quanto ainda temos que caminhar!

            Uma das principais questões a serem resolvidas é a da lentidão do Judiciário, à qual se soma a necessidade de implantação de varas especializadas para o tratamento da questão, que possui complexidade intrínseca ao tratamento do problema da violência de gênero, Srª Marta Suplicy.

            Outro problema é quanto à constitucionalidade da Lei. Apesar de enfrentar resistências no âmbito jurídico, felizmente a Lei Maria da Penha tem alcançado algumas vitórias. No último dia 24 de março, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal - estávamos lá, acompanhando essa decisão - julgou constitucional o art. 41. Com isso, afasta-se aplicação do art. 89 da Lei nº 9.099, de 1995, a crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.

            Foi uma grande vitória, mas a luta ainda não acabou - e lá estava uma mulher para nos ajudar também nesse processo.

            Resta que o Supremo Tribunal Federal julgue a ação declaratória de constitucionalidade ajuizada pelo Presidente Lula em 2007, ainda no exercício do mandato, com o fim de derrubar decisões judiciais de primeira e segunda instâncias contra a Lei. Somente quando essa ação for definitivamente julgada, poderemos respirar, nós mulheres, mais aliviadas.

            Por esse motivo, faço aqui um veemente apelo aos eminentes Ministros de nossa Suprema Corte para que analisem essa matéria o quanto antes. Só assim as mulheres brasileiras terão a tranquilidade que tanto merecem e que esperam, certas de poderem contar com a Justiça brasileira se forem vítimas de violência doméstica.

            Srª Presidenta, Sras e Srs. Senadores, demais autoridades e convidados aqui presentes, como representante do Rio Grande do Sul nesta Casa, resta ainda dizer algumas palavras a respeito da Lei Maria da Penha no meu Estado.

            Primeiramente, quero dizer que apenas no início de maio deste ano o Governo do Rio Grande do Sul aderiu ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Lamentavelmente, nosso Estado foi o último a aderir ao programa, lançado em 2007 pelo Governo Federal.

            Apesar disso, destaco que, em 2009, 105 das 496 Prefeituras do meu Estado assinaram o documento com o Governo Federal.

            Esse é um grande passo que damos para que a questão da violência contra a mulher seja enfrentada mais fortemente no meu Estado e para que desapareçam das tristes estatísticas das cidades bonitas como Palmeira das Missões, no norte do Estado, que registra altos índices de violência contra as mulheres.

            Já finalizando, Srª Presidente, gostaria de saudar a própria Maria da Penha por sua luta, por seu exemplo de coragem, de destemor, que possibilitou a milhões de mulheres brasileiras terem acesso a um instrumento legal tão importante como é a Lei nº 11.340, de 2006.

            Queria parabenizar também a produtora Naura Schneider, gaúcha, do meu Estado, e sua equipe pelo documentário “O Silêncio das Inocentes”, que mostra como se processa a Lei Maria da Penha através de casos reais em que a própria Maria da Penha foi a principal vítima. Algumas imagens do documentário estão sendo projetadas agora nesta sessão, inclusive o momento em que ela recebe o Prêmio Bertha Lutz nesta Casa. Aliás, aparece também uma grande mulher, Dona Zilda Arns, que faleceu no terremoto do Haiti, quando estava lá em missão humanitária de paz.

            Atualmente, Naura Schneider, essa cineasta gaúcha de tanto valor, segue com o projeto, produzindo, agora, um filme que vai retratar a vida da própria Maria da Penha.

            Saúdo também a Ministra Iriny Lopes, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, pelo importante trabalho que vem realizando à frente desta Pasta, em defesa dos direitos das mulheres.

            Gostaria também de cumprimentá-la pelo Ato Show que será realizado amanhã, no Rio de Janeiro, para comemorar os cinco anos da Lei Maria da Penha e que contará com a presença da Presidente Dilma Rousseff.

            Srªs e Srs. Senadores, a Lei Maria da Penha é uma grande vitória para o Brasil, um País tradicionalmente machista, onde, até bem pouco tempo, era comum ouvir que “lugar de mulher é na cozinha”.

            Embora as mulheres brasileiras tenham conquistado importantes avanços no âmbito profissional, ainda há muito a conquistar.

            Em que pese as mulheres sejam maioria entre a população e representem 41% da força de trabalho brasileira, ocupam apenas 24% dos cargos de gerência.

            No âmbito político, as mulheres permanecem sub-representadas. Aqui no Senado somos apenas 14%, 12 Senadoras eleitas; na Câmara, pouco mais de 8% dos 513 parlamentares são do sexo feminino.

            Isso demonstra que há muitas barreiras a vencer para que possamos continuar avançando, sem relutância, na defesa dos direitos das mulheres em nosso País.

            E o caminho da política, para as jovens que estão aqui presentes, vindas de tantos lugares desse nosso imenso País, é muito bom para nós mulheres conseguirmos as vitórias de que precisamos nos avanços de um respeito cada vez maior para essa que é não só da dona do lar, a mulher que deve ficar na cozinha, mas a mulher que está tomando decisões no País, como a Presidente mulher que temos hoje com grande coragem.

            Muito obrigada a todos. (Palmas).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2011 - Página 31330