Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".

Autor
Vanessa Grazziotin (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2011 - Página 31334
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER, IMPORTANCIA, INCENTIVO, DENUNCIA, VIOLENCIA.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Srª Presidenta Senadora Marta Suplicy, Senadoras Ana Rita, Ana Amélia, Lídice da Mata, Senadora Angela.

            Quero, antes de tudo, cumprimentar nossa querida companheira Senadora, no momento, Ministra da Casa Civil, que teve, juntamente com a Senadora Ana Amélia, a iniciativa de propor a realização desta sessão solene, extremamente significativa para as mulheres brasileiras e para as mulheres do mundo inteiro.

            Cinco anos de uma lei que foi muito debatida, que levou muito tempo para ser aprovada porque não foi fácil convencer os legisladores brasileiros da necessidade de se tirar a violência doméstica da lista, da enorme lista da violência que era prevista nas leis brasileiras. Foram muitos os debates para mostrar que a violência doméstica é uma violência singular, uma violência gravíssima e que teria de ter um tratamento diferenciado, um tratamento especial.

            Então, cumprimento a Senadora Ana Amélia. E aqui não estando a Senadora Gleisi, cumprimento o Senador Sérgio Souza, que certamente fez um pronunciamento que seria aplaudido pela Senadora Gleisi, caso aqui estivesse.

            Mas estamos, enfim, comemorando esses cinco anos de promulgação da Lei nº 11.340, diploma mais conhecido pela imprensa e pelo grande público sob a designação de Lei Maria da Penha. É uma lei em que o nome pegou. Ninguém sabe o número da Lei Maria da Penha, mas todos sabem, mulheres e homens, principalmente, do Brasil inteiro, que hoje existe uma lei que pune de forma vigorosa os crimes cometidos no âmbito doméstico contra a mulher.

            Em que pese o pouco tempo decorrido de sua vigência, é justo que o Plenário tome um pouco do tempo dedicado à discussão das matérias legislativas para permitir que se faça um balanço, ainda que incompleto e sucinto, desta extraordinária peça legislativa.

            Entre as formas de violência que envenenam o convívio humano, poucas haverá mais covardes e insidiosas que aquela praticada no recesso do lar contra a mulher pelo seu próprio marido ou companheiro. Covarde em função da imensa assimetria de força e de poder existente entre o homem e a mulher na relação doméstica. Insidiosa porque enganadora, porque capaz de se fazer mais silenciosa e mais invisível quanto mais profundamente violenta a dignidade feminina, a isonomia que legalmente preside o relacionamento entre os membros do casal e o voto de confiança e de entrega mútua em que se deve fundamentar sempre e sempre a vida a dois.

            Mas não existe entre nós, contudo, procedimentos capazes de promover efetiva mudança do quadro de violência, preponderando uma virtual garantia de impunidade ao agressor, que raramente era julgado e conservava intactas suas históricas prerrogativas de sujeição absoluta de todos os participantes do círculo doméstico.

            Foi precisamente para mudar esse vergonhoso panorama que veio à luz a Lei Maria da Penha. Embora passível de ser aperfeiçoada - e aqui tramitam várias propostas para aperfeiçoar, para dar mais clareza em alguns aspectos à Lei Maria da Penha, de tal forma que possa ser aplicada na sua integridade e que seja cada vez mais avançada e protetora das mulheres vítimas de violência doméstica -, são fortes os sinais de que ela vem cumprindo, apesar disso, seus objetivos nesses cinco anos de vigência.

            Segundo levantamento recentemente concluído pelo Conselho Nacional de Justiça - e aqui o Senador Sérgio já fez a exposição de alguns números que não considero demais repetir porque são extremamente importantes indicativos -, hoje, com a vigência da Lei Maria da Penha, mais de 70 mil mulheres conseguiram na Justiça medidas de proteção que lhes permitissem escapar das situações claras de risco.

            Nós não tínhamos isso antes da Lei Maria da Penha. Pelo contrário, Senadora Marta, que, ao abrir esta sessão, deu exemplos tão vivos da sociedade, exemplos que permanecem na memória de cada uma de nós, da grande maioria do povo brasileiro. Antes da Lei Maria da Penha, quando a mulher sofria agressão dentro das quatro paredes do seu lar, no lugar que deveria protegê-la, no lugar que é o seu porto seguro, e, depois de inúmeras agressões, ela criava coragem e ia até a delegacia para fazer a denúncia - e antes, muito antes da Constituição de 1988, não existiam delegacias especializadas -, então, a mulher que era agredida dentro de casa chegava à delegacia e sofria uma segunda agressão: “O que você fez para o seu marido para merecer essa agressão?” Ela sofria uma segunda agressão. Com a criação das delegacias das mulheres - esse foi um passo importante, que precisa avançar ainda mais no Brasil - e ainda sem a existência da Lei Maria da Penha, o problema passou a ser outro. A mulher ia à delegacia da mulher dar a queixa do seu companheiro, do seu marido e o delegado ou a pessoa responsável pela delegacia entregava a intimação na mão da mulher e dizia o seguinte: “Chegue à sua casa e entregue essa intimação ao agressor, ao homem que a agrediu”. Vejam as senhoras e os senhores se era possível esse tipo de procedimento? A mulher havia sido agredida. Como ela própria ia entregar ao seu agressor a intimação expedida pela autoridade policial? Mas era assim que acontecia no Brasil inteiro. A Lei Maria da Penha veio para modificar essas situações. É uma lei de extrema importância para o Brasil inteiro.

            Foram contabilizadas nesse período também, como aqui já foi dito, quase 77 mil sentenças definitivas em processos por agressão contra as mulheres, a maioria delas pela condenação do agressor, que não pode mais pagar com penas alternativas. E, como não foi possível coletar informações completas em todos Estados, esses números que aqui foram citados certamente são números bem maiores.

            Eu falo rapidamente o exemplo do meu querido Estado do Amazonas. Os dados da Secretaria de Segurança apontam um crescimento de 127% no número de ocorrência dos casos nos últimos quatro anos. Tenho certeza de que não é o aumento da ocorrência, mas o aumento das denúncias, a visibilidade maior que se dá a esse tipo de crime. Em 2010, foram registrados 4.879 casos de agressão contra 2.146 registrados no ano de 2007. Lamentavelmente, no período de 2007 a 2010, morreram em decorrência dessa violência 297 mulheres, sendo 232 na capital do Estado do Amazonas e 65 no interior.

            É bom destacar que, depois do advento da lei, como eu aqui acabei de dizer, as mulheres passaram a denunciar mais. Os números têm que ser trabalhados e estudados, porque não apontam o crescimento da violência, mas, de cara, sabemos que eles apontam o crescimento do encorajamento das mulheres para denunciar o crime. Como aqui foi dito - e eu achei muito interessante, Senador Sérgio -, a Lei Maria da Penha não é a lei da mulher, é a lei para levar a consciência à sociedade toda e aos homens também. Ela não é uma lei punitiva somente - eu vou falar disso logo aqui mais adiante -, mas é uma lei que trabalha todos os aspectos da violência que envolve o lar, o leito de uma família.

            Por isso, entendo ser de fundamental importância a ampliação das delegacias de mulheres, das varas especializadas, das casas de abrigos, dos conselhos de mulheres no âmbito dos Estados e Municípios.

            Também é de fundamental importância que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres promova campanhas nacionais para divulgar a importância da Lei Maria da Penha.

            Senadora Ana Amélia, se V. Exª me permite aqui, nós temos uma edição publicada pelo seu gabinete. Desde que a Lei Maria da Penha foi aprovada, sancionada e publicada em Diário Oficial em 7 de agosto de 2006, tenho certeza absoluta de que todas nós, parlamentares brasileiras, Deputadas e Senadoras, temos feito isto: temos publicado e temos distribuído. Os pedidos são muitos, porque é uma lei conhecida, mas lei conhecida em relação ao seu nome. Sabe-se que existe a Lei Maria da Penha, mas as mulheres e os homens brasileiros têm de conhecer o conteúdo da Lei Maria da Penha.

            É uma lei fenomenal, inovadora não apenas para as mulheres, mas inovadora dentro do próprio arcabouço legal brasileiro, porque, repito, ela não trata só da punição de uma violência cometida; ela trata de todos os aspectos, como recuperar e prevenir, prevenir que a violência ocorra, recuperar o agressor que agride, porque tem razões, razões que não são e jamais serão explicadas, mas razões que precisam ser tratadas devidamente. São razões que precisam ser tratadas: ou a falta do emprego ou o vício em drogas, uma série de razões que levam um homem a agredir a mulher. E a lei prevê o tratamento e o acompanhamento psicológico da mulher que sofreu agressão e do homem que foi efetivamente o agressor.

            Quero fazer um reparo aqui, Srª Presidente, porque é por todos sabido que, a partir da bem-sucedida experiência brasileira com as delegacias da mulher - hoje, são 450 em todo o território nacional -, a especialização do atendimento é uma das chaves para o bom desempenho da estrutura pública de proteção contra a violência doméstica, uma vez que permite interferir diretamente nos fatores culturais que a acobertam e perpetuam. Portanto, além das delegacias, precisamos de um bom e especializado atendimento no que diz respeito ao combate à violência contra a mulher.

            Também vem crescendo a consciência da necessidade de uma ação cada vez mais integrada por parte de todos os setores sociais envolvidos nesse triste cenário, que é complexo e de difícil superação, dado que suas fronteiras ultrapassam as da agressão propriamente dita. A recorrência dos episódios agressivos, a dependência afetiva e material da mulher e a força dos vínculos familiares são uma realidade palpável e recomendam que a matéria passe a ser tratada não somente pelo mecanismo tradicional da sentença, como eu acabei de dizer, mas também em concurso com diversas ferramentas psicológicas e assistenciais no âmbito da rede que atua em prol da mulher vítima de agressão. Embora lentamente, estamos aprendendo!

            Por isso, Srª Presidenta, temos, de fato, o que comemorar no quinquênio da promulgação da Lei Maria da Penha. Ela demonstrou, no decurso desse período, constituir passo decisivo no aperfeiçoamento da proteção à mulher no ambiente doméstico. Não foi por outro motivo que a própria Organização das Nações Unidas vem considerando - isto foi dito, mas é muito bom ouvirmos muito isto - o Brasil como uma das nações líderes na luta mundial contra a violência doméstica.

            E eu finalizo, Senadora Ana Rita, este meu pronunciamento relembrando, contudo, que comemorar cinco anos é muito importante, mas que precisamos comemorar os dez anos, daqui a cinco anos, com avanços ainda mais profundos. Sei que falta muito ainda para que tenhamos extirpado do seio da sociedade brasileira todos esses estigmas de agressão e de indignidade.

            Como declarou a própria Diretora-Executiva da Organização das Nações Unidas para a Mulher, a ex-Presidente do Chile, Michelle Bachelet, “milhões de mulheres ainda vivem uma realidade de distância em relação à Justiça, apesar das garantias de igualdade atualmente disseminadas pelo mundo”.

            Rogo, assim, que façamos desta ocasião festiva uma renovada oportunidade de debater, de avaliar e de acordar os novos aperfeiçoamentos que trarão à mulher brasileira uma situação de maior bem-estar no ambiente doméstico e uma condição mais plena de vida cidadã no íntimo de seu próprio lar.

            Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidenta.

            Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2011 - Página 31334