Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos cinco anos da sanção da Lei 11.340, de 2006, "Lei Maria da Penha".
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2011 - Página 31338
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, queridas companheiras Senadoras, Sras e Srs. Senadores, senhoras e senhores amigos e companheiros que vêm assistindo e participando desta sessão, nós estamos aqui hoje para reverenciar, para comemorar a Lei Maria da Penha.

            Eu falei, na sessão de ontem, cara companheira Senadora Angela Portela, juntamente com a Senadora Marta Suplicy, sobre esse tema na sessão normal do Senado porque queria, faço questão disso, que a nossa luta não ficasse restrita aos guetos femininos, aos momentos em que nos reunimos, nós, as mulheres, para marcar e rememorar as nossas datas históricas.

            Queria poder fazer esse registro da comemoração dos cinco anos da Lei Maria da Penha justamente numa sessão normal do Senado Federal, com a participação dos homens, dos Senadores, maioria nesta Casa.

            Eu creio que fizemos bem quando conseguimos fazer esse registro, Senadora Marinor, porque, de alguma forma, nós vamos impondo à Casa a nossa presença, a nossa agenda e a discussão dos nossos problemas, considerados e ditos problemas da mulher, mas que nada mais são que os problemas da sociedade brasileira, aos Srs. Senadores, homens que conduzem o poder ou que conduziram, historicamente, o poder na sociedade brasileira e na sociedade em geral.

            Eu falei, ontem, por essa razão e vejo, com alegria, que hoje temos, aqui, um numero razoável de Senadores, homens, para saudar as Senadoras, mulheres, e saudar, mais que as Senadoras, mulheres, à sociedade brasileira, pela conquista da Lei Maria da Penha.

            Eu falo hoje, nesta sessão de comemoração, definida por nós com esse teor, justamente porque considero indispensável a realização desta mesma sessão, que marca, na minha opinião, a mais importante lei conquistada pela mulher brasileira após a Constituição de 88 - a Constituição de 88, que foi um marco, sem dúvida alguma, da nossa conquista de cidadania igualitária; a Constituição de 88, que definiu que nós, mulheres, somos cidadãs com direitos iguais aos cidadãos homens e que devemos ter esses direitos respeitados pela lei de forma igual.

            No entanto, exatamente porque somos fruto de uma sociedade que nos trata e nos discrimina de maneira diferente, precisamos de leis que nos tratem de maneira desigual, para que possamos assegurar as condições de igualdade necessárias para que sejamos incluídas no contexto de cidadania igualitária.

            São indispensáveis, nesta discussão, e eu queria destacar isso, os dois aspectos dessa lei. Primeiro, o conteúdo da lei em si, que muitas companheiras e companheiros já destacaram, ou essa conquista de um direito moderno, que transforma aquilo que antes era considerado um espaço onde ninguém podia se meter, muito menos o Estado. A gente dizia sempre, todas nós já ouvimos as nossas mães e os nossos pais dizerem, quando havia uma briga na vizinhança, que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. E a Lei Maria da Penha diz que se mete mais que a colher, mete-se o Estado brasileiro, quando a vítima dessa violência doméstica é uma mulher. Então, o conteúdo da lei, em si, tem o seu mérito, indispensável de ser registrado, comemorado e homenageado pelo Senado brasileiro.

            Outro aspecto que considero digno dessa comemoração, minhas companheiras, é o fato de essa lei resultar da luta das mulheres, da conquista das mulheres Parlamentares. Essa lei foi feita pelas mulheres, pensada e elaborada pelo conjunto do movimento de mulheres no Brasil, e transformada em lei pelas mulheres Parlamentares, que usaram o método de discuti-la no País inteiro.

            Eu, pessoalmente, pude participar de algumas audiências públicas, quando a Câmara dos Deputados foi até os nossos Estados, com a relatoria da Deputada Jandira Feghali, ouvindo das mulheres brasileiras, na base, o que pensavam da Lei Maria da Penha. Milhares de mulheres, no Brasil, participaram desse processo de elaboração, finalmente fazendo uma lei para servir à proteção da mulher.

            Então, essa metodologia de construção de uma lei, buscando que ela surja da participação popular das mulheres, traduzindo o desejo, o sentimento da mulher brasileira para dentro do Parlamento, numa legislação, é uma forma de consagrar uma maneira especial de a mulher fazer política e participar da política.

            É para isso que queremos eleger mais mulheres para o Parlamento brasileiro, para que essa representação parlamentar possa expressar, cada vez mais, a dor, o sofrimento e as necessidades dessa maioria da população brasileira, que é do sexo feminino, que precisa ver a sua dor, ou a sua necessidade, traduzida no Parlamento brasileiro, sem que ela seja considerada uma coisa para ser tratada pelas mulheres, mas, sim, considerada uma coisa para ser tratada pelos homens e pelas mulheres com a mesma importância com que discutimos um plano econômico, com a mesma importância com que discutimos o plano da reforma agrária, ou com a mesma importância com que discutimos uma medida provisória que trate de qualquer outra questão.

            A violência contra a mulher, no Brasil e no mundo, é resultado da discriminação secular de gênero, resultante de um modelo de sociedade patriarcal e machista que a nossa civilização ocidental nos deu como herança.

            Esse modelo de sociedade se baseia num princípio essencial, que é a ausência do pertencimento da mulher a si mesma. Nós não nos pertencemos; não temos direito a determinar o destino do nosso próprio corpo ou o nosso próprio destino.

            Essa ideia, transmitida de geração a geração, de que a mulher não se pertence, faz com que, pertencendo a alguém, esse alguém tenha direito de dispor dela, de sua vida, do seu corpo, da forma que melhor lhe conviver. Esse princípio torna a violência doméstica uma decorrência desse raciocínio.

            Por isso é que a Lei Maria da Penha se reveste de tantos significados. Ela introduz, de forma clara e objetiva, uma contraposição a esse princípio de que a mulher não se pertence, não tem o direito de decidir sobre si mesma e sobre seu corpo, e, por isso, pode ser violada, pode ser violentada, pode ser agredida. Ela coloca o Estado numa posição de defesa desse direito individual e coletivo da mulher; ela coloca o Estado para definir, para defender e para se colocar diante de um novo raciocínio, de uma nova filosofia e de um novo conceito.

            O desrespeito à mulher existe, bem como a violência, a violência psicológica, a violência verbal.

            Em diversos momentos, inclusive, Presidenta Marta Suplicy - V. Exª, que já foi prefeita, sabe a que me refiro -, como é violenta a política quando se trata de enfrentar as mulheres no poder; quanto nós, mulheres políticas, no dia-a-dia, no desenvolvimento dos nossos mandatos, principalmente quando estamos no Executivo, somos destratadas e desqualificadas no exercício dos nossos mandatos!

            Mas é justamente, como as companheiras falaram, no espaço doméstico que a violência física contra a mulher acontece e se apresenta da forma mais cruel, porque ela não é praticada por um eleitor adversário, não o é pela discriminação de um conceito, simplesmente. Quem pratica a violência é aquele por quem a mulher tem afeto, com quem tem cuidado, por quem tem amor, aquele que ela respeita, cuida e em quem tem, em tese, confiança. Portanto, ela agride todos os aspectos da vida da mulher.

            Todas já citamos, mas é fundamental e importante ressaltar, para que fique cravado na história do Parlamento brasileiro, o resultado dessa importante pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Ela aponta para o fato de que 43% das mulheres já foram vítimas de alguma forma de violência doméstica. Um terço afirma, ainda, já ter sofrido algum tipo de violência física, seja ameaça com armas de fogo, agressões ou estupro conjugal.

            Outras pesquisas indicam, também, a maior vulnerabilidade de mulheres e meninas ao tráfico e à exploração sexual, Senadora Marinor, que vem conduzindo a CPI do Tráfico de Pessoas neste Parlamento. Segundo a Unesco, uma em cada três ou quatro meninas é abusada sexualmente antes de completar 18 anos.

            Por sua vez, a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 registrou, de janeiro a junho de 2010, mais de 300 mil atendimentos, o que representa um aumento de 85% em relação ao mesmo período de 2009.

            Concordo com as afirmações da Senadora Marta Suplicy de que esses registros que temos trazido nos nossos discursos, sobre o aumento da denúncia da violência contra a mulher, são fruto justamente do conhecimento que a mulher passa a ter, da coragem que ela passa a ter de denunciar e dos mecanismos que, hoje, a lei garante para que ela possa combater a impunidade.

            Portanto, falar dessa violência contra a mulher no dia de hoje é uma necessidade nossa, para registrar a necessidade que também temos de fazê-la superada.

            A Lei Maria da Penha, desde sua entrada em vigor há cinco anos, tem combatido a violência doméstica, evitado agressões e ajudado a punir os autores desses crimes. Nesse período, sua aplicação produziu mais de 330 mil processos nas varas e juizados especializados da Justiça brasileira. Desse total de ações, 111 mil sentenças foram proferidas e mais de 70 mil medidas de proteção à mulher foram tomadas pela Justiça.

            Esses registros demonstram avanços extremamente importantes que a Lei Maria da Penha pode trazer, significando esse verdadeiro divisor de águas em matéria de direito da mulher no nosso País.

            Cada detalhe da lei foi pensado para que as brasileiras tivessem seus direitos garantidos: a violência é considerada em suas dimensões diversas; foram introduzidas na lei medidas protetivas, até então inéditas no direito brasileiro; eliminou-se a possibilidade de as vítimas “retirarem a queixa” para que as mulheres deixassem de ser chantageadas e punidas pelos agressores; a violência contra as mulheres deixou de ser considerada crime de menor potencial ofensivo e passou a ser uma infração aos direitos humanos; foram previstos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e serviços e políticas públicas para dar efetividade à lei; e, pela primeira vez, o Direito brasileiro reconheceu a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

            Aguarda ser julgada, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19, para dar uma resposta definitiva às discussões da constitucionalidade da Lei Maria da Penha. No entanto, em março, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, por unanimidade, a constitucionalidade da Lei Maria da Penha ao negar um habeas corpus em favor de um réu acusado de agressão.

            A Lei Maria da Penha não pretende que a punição seja o grande valor dessa legislação. A prisão do agressor é pensada como um recurso último para a proteção das vítimas, para que estas tenham tempo de reestruturar suas vidas, de exercitarem seu direito de ir e vir e de viverem livres de ameaças.

            Vejo, portanto, com muita alegria, que a Senadora e Ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann, autora deste requerimento, tenha nos possibilitado esse momento de refletirmos conjuntamente no Senado Federal, nós, mulheres, Senadoras, que temos a responsabilidade, cada vez maior, de garantir à mulher brasileira justamente legislação em políticas públicas de proteção à sua cidadania.

            Para que possamos aqui assumir, mais uma vez, essa nossa responsabilidade, num momento extremamente singular da história política do nosso País, onde, pela primeira vez, uma mulher assume a Presidência da República. Mais do que nunca é preciso fazer com que a Lei Maria da Penha saia do papel, seja reconhecida pelo Supremo Tribunal, seja colocada como uma realidade para as mulheres do nosso País e passe a ser um direito real das mulheres da nossa sociedade brasileira, e que nós, Deputadas Federais, Senadoras deste Parlamento, juntamente com o Governo da Presidente Dilma, a primeira mulher a presidir este País, possamos fazer a diferença nesses nossos mandatos, nessa nossa legislatura, e possamos, ao cabo deste mandato, ter assegurado direitos essenciais à mulher de nosso País e, dentre eles, o direito de ter a Lei Maria da Penha consagrada como direito da mulher brasileira, e efetivada realmente em cada um de nossos Estados.

            Viva, portanto, a Lei Maria da Penha.

            Viva a luta das mulheres brasileiras.

            Viva a luta das mulheres Parlamentares brasileiras, que conseguiram fazer com que a lei chegasse até aqui, cinco anos de comemoração, ainda num período de infância de sua educação, mas com o nosso compromisso de que ela em breve será uma realidade para acabar de vez com a violência contra mulher em nosso País.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2011 - Página 31338