Discurso durante a 131ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos dez anos da Lei 10.261, de abril de 2001, que teve como objetivo adequar e humanizar o tratamento aos cidadãos que sofrem de transtornos mentais; e outros assuntos.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. HOMENAGEM.:
  • Registro dos dez anos da Lei 10.261, de abril de 2001, que teve como objetivo adequar e humanizar o tratamento aos cidadãos que sofrem de transtornos mentais; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2011 - Página 32395
Assunto
Outros > FEMINISMO. HOMENAGEM.
Indexação
  • NECESSIDADE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MULHER, MERCADO DE TRABALHO.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, SOLENIDADE, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEGISLAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ASSISTENCIA PSIQUIATRICA.
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • HOMENAGEM, REALIZAÇÃO, FESTA, RELIGIÃO, MUNICIPIO, CACHOEIRA, ESTADO DA BAHIA (BA).

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero lembrar à Senadora Vanessa Grazziotin, a quem tive a oportunidade de ouvir há pouco, que mais do que isso, Senadora Angela, o Ministro do Trabalho hoje nos disse na audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais, Senadora Marta, a desvantagem da mulher no trabalho, comprovada em pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho. Está lá demonstrado que uma mulher de nível superior, exercendo as mesmas funções de um homem, tem o seu salário 30% menor que o de um homem.

            Acho importante esse registro. Ele ficou de nos enviar toda a documentação dessa pesquisa, pois acho que serve à bancada feminina neste momento, para pensarmos algumas medidas. É o entendimento da economia que, podendo ter um profissional com a mesma capacidade que outro, pagando menos, na hora da demissão, demite o que é mais caro, o que termina penalizando o homem, digamos assim.

            Mas isso, na verdade, não passa de um jogo dos patrões que nos divide, porque os trabalhadores e as trabalhadoras devem, unidos, lutar por seus direitos. Nesse jogo econômico, o que está sendo provado é que, quanto mais valorizado for o trabalho da mulher, ou seja, quanto mais lutarmos pelo reconhecimento do nosso valor laborial, pela equiparação salarial com os homens, mais vamos contribuir para a economia do nosso País.

            Mas, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de fazer três registros rápidos aqui hoje.

            O primeiro é que está fazendo dez anos a Lei nº 10.261, de abril de 2001, que teve como objetivo adequar e humanizar o tratamento aos cidadãos que sofrem de transtornos mentais. Está fazendo dez anos a reforma psiquiátrica no nosso País. Amanhã, a CAS, através da Subcomissão de Saúde, que, se não me engano, estimulada ou liderada pelo Senador Humberto Costa, Líder do PT, vai tratar exatamente disso, fazendo uma homenagem aos dez anos da reforma psiquiátrica fazendo um balanço dos dez anos de desenvolvimento dessa política pública.

            Uma das debatedoras, que virá depor, falar, partilhar desse momento, será a Drª Ana Pitta, uma das principais vozes na defesa da reforma psiquiátrica e que participou ativamente na concepção dos Caps, base dessa reforma no atendimento aos pacientes com transtornos mentais. Ana Pitta participará, nesta quinta-feira, portanto amanhã, dessa Subcomissão. Infelizmente, não vou poder estar presente para acompanhar o depoimento dessa grande intelectual e psiquiatra que trabalha no nosso Estado porque estarei abrindo um seminário da União de Prefeitos da Bahia para mulheres e de políticas públicas para a mulher.

            Não posso deixar de registrar aqui que a Drª Ana Pitta, graduada em Medicina pela Universidade Federal da Bahia, autora de dezenas de livros e artigos sobre doença mental, além de ter doutorado e pós-doutorado nessa área, defende fervorosamente a reforma psiquiátrica e a desospitalização do tratamento de transtornos mentais em nosso País.

            A experiência acadêmica e profissional de Ana lhe confere autoridade para defender a reforma psiquiátrica e as mudanças que trouxe no tratamento de transtornos mentais para milhares de pessoas. Por mais de vinte e cinco anos, foi docente da Universidade de São Paulo na área de saúde mental, é consultora do Ministério da Saúde e professora pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, desenvolve também estudos multicêntricos na área de saúde mental na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Unicamp, além de ter sido presidente da Associação Mundial para a Reabilitação Psicossocial e Conselheira da Comissão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde.

            Ela é também precursora de uma experiência voltada para o atendimento de pessoas com dependência química. Já aprovamos uma visita da Subcomissão da CAS voltada para o estudo do crack e de outras drogas à Bahia, onde ela terá a oportunidade de conhecer esse trabalho, iniciado e desenvolvido pela Prof. Ana Pitta, de criação dos consultórios de rua, consultórios que dão atendimento nas ruas à população das ruas que tem dependência química.

            Além disso, Srª Presidente, registro que hoje é o dia em que o escritor baiano Jorge Amado completaria 99 anos. A Fundação Casa de Jorge Amado, no Centro Histórico de Salvador, abre as suas portas em clima festivo e fará uma celebração também dos 25 anos da instituição nessa oportunidade.

            No último sábado, foram lembrados os dez anos do seu falecimento com uma agenda preparada com muito carinho pela Fundação. Sua neta Cecília Amado estará levando, até o final do ano, para as telas do cinema nacional uma adaptação do livro Capitães de Areia, de 1937, que estreará no dia 14 de outubro deste ano e promete ser um dos destaques das comemorações que a Bahia fará para homenagear Jorge Amado.

            Outro importante palco das celebrações será o Sambódromo, no Rio, onde a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense entrará cantando o escritor com o enredo “Jorge, Amado Jorge.”

            Também vamos ter... O palco principal dessas comemorações será o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e também o Museu de Arte Moderna de Salvador, na Bahia, além das homenagens que os candomblés da Bahia farão à figura de Jorge Amado, pela divulgação, pela memória, pela valorização que deu à cultura afrodescendente e à sua religiosidade em especial. Nesse sentido, o candomblé Ilê Axé Opô Afonjá fará as comemorações referentes aos 99 anos de Jorge Amado.

            Finalmente, Srª Presidente, V. Exª, que esteve na Bahia e participou conosco dessas comemorações, certamente concordará que eu possa aqui homenagear a festa de Nossa Senhora da Boa Morte, que acontecerá esta semana. É uma festa em que 23 mulheres negras, descendentes de escravos, com idade acima de sessenta anos, em traje branco e preto, ostentando adereços, portando velas acesas na noite de uma pequena cidade colonial do Recôncavo Baiano, fazem o seu louvor à Nossa Senhora da Boa Morte.

            É uma festa que é uma das principais razões de atração do turismo étnico em nosso Estado, que acontece na cidade de Cachoeira, minha terra, e é organizada pela Irmandade da Boa Morte, que é composta de negras vindas do candomblé que foram evangelizadas para a Igreja Católica, mas que mantêm, como quase todas as atividades religiosas católicas da nossa terra, uma profunda relação de sincretismo com o Candomblé. É uma festa fenomenal.

            V. Exª teve oportunidade de ir mais de uma vez e pode recomendar a todos os Srs. Senadores e às Srªs Senadoras que desejem conhecer profundamente a cultura afrodescente em nossa terra que visitem Cachoeira agora, nos dias 13, 14, 15 e 16, na festa de Nossa Senhora da Boa Morte.

            Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA LÍDICE DA MATA.

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            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Reforma psiquiátrica, cujas diretrizes foram estabelecida pela Lei 10.261, de abril de 2001, teve como objetivo adequar e humanizar o tratamento aos cidadãos que sofrem de transtornos mentais. O atendimento, que era centrado nos hospitais psiquiátricos, foi transferido para a rede extra-hospitalar, com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) como um dos principais pontos da nova política de saúde mental do país.

            Em 2002, havia mais de 52 mil leitos em hospitais psiquiátricos em todo o Brasil e hoje, segundo o Ministério da Saúde, são menos de 33 mil, além dos 1.650 Caps e 571 residências terapêuticas. A reforma possibilitou ampliar o atendimento que ficava restrito aos hospitais e acabou em grande parte com os maus tratos aos pacientes, muitos propositalmente esquecidos nessas instituições pelos familiares.

            Para consolidar essas mudanças, o governo federal lançou em 2003 o programa “De volta para casa”, que hoje atende mais de 3 mil e 700 brasileiros em 614 municípios e, junto com os Caps, formam os principais suportes de sustentação da nova política psiquiátrica brasileira. Apesar de já existirem antes da promulgação da Lei 10.261, os Centros de Atenção Psicossocial passaram a ter um papel fundamental nesse sistema. Nessas unidades, os pacientes são atendidos por médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais ao invés da simples internação que era comum anteriormente sem a assistência adequada.

            Várias dessas ações contaram com a colaboração do trabalho da Drª Ana Pitta, uma das principais vozes na defesa da Reforma Psiquiátrica e que participou ativamente na concepção dos Caps, base dessa reforma no atendimento aos pacientes com transtornos mentais. Ana Pitta participa, nesta quinta-feira, da audiência pública pela passagem dos 10 anos de implantação da reforma psiquiátrica que será realizada pela Subcomissão Permanente de Promoção, Acompanhamento e Defesa da Saúde, que funciona no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

            Graduada em medicina pela Universidade Federal da Bahia, autora de dezenas de livros e artigos sobre doença mental, além de doutorado e pós-doutorado nessa área, Ana Pitta defende fervorosamente a reforma psiquiátrica e a desospitalização do tratamento de transtornos mentais em nosso país.

            A experiência acadêmica e profissional de Ana Pitta lhe conferem a autoridade para defender a reforma psiquiátrica e as mudanças que trouxe no tratamento de transtornos mentais para milhares de pessoas. Por mais de 25 anos foi docente da Universidade de São Paulo na área de saúde mental, é consultora do Ministério da Saúde e professora pesquisadora da Universidade Federal da Bahia. Desenvolve também estudos multicêntricos na área de saúde mental nas Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Unicamp, além de ter sido presidente da Associação Mundial para Reabilitação Psicossocial e Conselheira da Comissão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde.

 

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. senadores, imaginem uma procissão de cerca de 23 mulheres negras, descendentes de escravos, com idades acima de 50 anos, em traje branco e preto, ostentando belos adereços, portando velas acesas na noite de uma pequena cidade colonial do Recôncavo Baiano, em louvor a Nossa Senhora da Boa Morte.

            Imaginem também que essa tradição, que carrega o peso de uma história de opressão e submissão, teve início há quase dois séculos e que vem sendo ininterruptamente cultuada ao longo desse período. Contudo, se não for possível ainda imaginar o porquê da longevidade dessa impressionante devoção, permitam-me convidá-los para uma breve viagem ao século XIX época em que tudo começou.

            Refiro-me à Irmandade da Boa Morte, cuja data de criação continua imprecisa. Segundo alguns estudiosos a Irmandade surgiu em 1820 na Igreja da Barroquinha, em Salvador, deslocando-se, poucos anos depois, para Cachoeira onde se instalou definitivamente.

            Era comum à época que os diversos segmentos da sociedade baiana constituíssem irmandades as quais representavam seus interesses. Havia irmandades dos ricos, dos pobres, dos músicos, dos pretos dos brancos, entre outras. Entretanto, nenhuma de mulheres. De acordo com o sociólogo Gustavo Falcón, as mulheres nas irmandades dos homens, entram sempre como dependentes para assegurarem benefícios corporativos advindos com a morte do esposo. Portanto, a criação da Irmandade da Boa Morte, constituída exclusivamente por mulheres negras, foi uma inusitada iniciativa para a então sociedade patriarcal marcada por forte contraste racial e étnico.

            Reunidas em nome da fé em Nossa Senhora, as irmãs jamais abriram mão de suas crenças ancestrais, praticando o sincretismo afro-católico e ajudando, até a abolição da escravatura, a compra da alforria de escravos. Sem dúvida, a disciplina e determinação dessas simples mulheres negras é um exemplo de resistência organizada ao regime escravista.

            Trazida de Portugal para o Brasil, a Festa da Assunção de Nossa Senhora, ainda segundo Gustavo Falcón, ganhou interpretação peculiar, características próprias e por causa disso, a devoção sempre criou atritos com as autoridades da Igreja. Sua difusão entre a comunidade baiana, entre outras coisas, deveu-se ao fato de que a mediunidade popular característica dos cultos africanos sempre relativizou o problema da morte, na medida em que os adeptos do candomblé acreditam em reencarnações sucessivas. Emprestou, portanto, ao culto originalmente católico elementos do seu sistema de crenças e componentes sócio-históricos da dura realidade escravista que fez do cativeiro sofrível martírio para os que vieram na diáspora. De sorte que a devoção a Nossa Senhora da Boa Morte passou a ter também um significado social, permitindo a agregação dos escravos, facultando a manutenção de sua religiosidade num ambiente hostil e delimitando um instrumento corporativo de defesa e de valorização do indivíduo, tornando-se, por todas essas razões, um inigualável meio de celebração da vida”.

            O calendário da Festa da Boa Morte, realizada anualmente no mês de agosto, inclui a confissão dos membros na Igreja Matriz, um cortejo representando o falecimento de Nossa Senhora, uma sentinela, seguida de ceia branca, composta de pão, vinhos e frutos do mar obedecendo a costumes religiosos que interditam acesso a dendê e carne no dia dedicado a Oxalá. A Festa é encerrada com a procissão do enterro de Nossa Senhora da Boa Morte, ocasião em que as irmãs usam traje de gala.

            Este ano as homenagens a Nossa Senhora serão prestadas de 13 a 17 de agosto, tendo como auge dos festejos o dia 15, dia consagrado pela Igreja Católica à Assunção de Nossa Senhora.

            Por sua singularidade a Festa da Boa Morte vem atraindo, ano após ano, estudiosos, pesquisadores, historiadores, além de turistas de várias partes do Brasil e do mundo, com destaque para a crescente presença de negros norte-americanos que vêm em busca de suas raízes históricas e culturais.

            Considerada, segundo o pesquisador Moraes Ribeiro, o mais representativo documento vivo da religiosidade brasileira, barroca, ibero-africana, a Festa foi tombada em 25 de junho de 2010 como patrimônio imaterial da Bahia por meio de decreto assinado pelo governador Jaques Wagner. O decreto inclui a Festa da Boa Morte no Livro de Registro Especial de Eventos e Celebrações.

            Obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA LÍDICE DA MATA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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            Matéria referida:

            - Homenagens e festa para os 99 anos de Jorge Amado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2011 - Página 32395