Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise política e necessidade de profissionalização da gestão pública.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Reflexão sobre a crise política e necessidade de profissionalização da gestão pública.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2011 - Página 32641
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • DEFESA, INDICAÇÃO, PARTIDO POLITICO, COMPOSIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, OBEDIENCIA, CRITERIOS, ETICA, TECNICAS PROFISSIONAIS.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente desta sessão, Senadora Marta Suplicy, Sras Senadoras, Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros que nos acompanham aqui pela nossa TV Senado, tenho procurado refletir, nos últimos dias, sobre essas sucessivas crises institucionais que vive a República brasileira. E procurei, com base nesses raciocínios, colocar no papel uma reflexão, uma análise acerca da conjuntura política vivida pelo nosso País e a necessidade, a meu juízo, de incorporamos à vida política brasileira, à rotina política brasileira novos métodos que possam inaugurar uma nova forma no tratamento do interesse da coisa pública.

            A minha reflexão tem a ver com as lições que essa crise institucional sucessiva devem trazer - reflexão não apenas do Senado Federal, mas julgo que do Congresso brasileiro e da sociedade, Senadora Ana Amélia. Essa crise deve sinalizar lições. Nada acontece por acaso, por sorte ou por azar. Se, em nossa vida pessoal, colhemos frutos de nossas próprias escolhas, o mesmo vale para a vida pública de um país ou para os rumos de uma administração pública, seja ela municipal, seja ela estadual, seja ela federal.

            A opção feita a partir de 1985, que, no tempo, vem-se deteriorando em razão daquilo que se chama de presidencialismo de coalizão ou mesmo de governabilidade a todo e qualquer custo, trouxe para a democracia brasileira benefícios, mas também problemas e desafios que precisam ser superados. A relação puramente pragmática entre o Executivo e os partidos políticos tem garantido, com efeito e resultado, a ampliação da base de sustentação parlamentar e aquilo que se chama no Brasil de governabilidade. Isso não é pouco, até porque a história registra inúmeros momentos de paralisia política exatamente em decorrência de conflitos entre Executivo e Legislativo, com enormes prejuízos para a sociedade brasileira.

            A governabilidade, como se banalizou, se faz ainda mais importante numa época em que a informação circula em tempo real e em que é preciso dar respostas rápidas às várias demandas, aos vários projetos de interesse do País. E é inegável que o processo legislativo é complexo, é lento, é prolixo. Aliás, já pude aqui me manifestar, em outras ocasiões, sobre a necessidade de tornarmos mais ágil, mais simples e mais eficaz o processo legislativo e as decisões do Senado Federal. Não é por menos que o próprio Judiciário tem tomado por vezes a frente de decisões legislativas que caberiam, em princípio, ao Congresso Nacional.

            Mas o mesmo presidencialismo de coalizão que vem garantindo a governabilidade do País tem, seguramente, esvaziado o protagonismo do Congresso Nacional e do Senado da República. Mais que isso, em nome da governabilidade, optamos por um pragmatismo que tem chegado ao limite da irresponsabilidade e da inconseqüência em função do patrimonialismo e de um aparelhamento partidário dos cargos de confiança em detrimento da necessária meritocracia na ocupação dos cargos públicos.

            Sabemos todos, Sr. Presidente, que as negociações que garantem o apoio parlamentar nem sempre são exatamente as republicanas e podem acabar comprometendo a gestão e os resultados da máquina pública.

            É o que podemos comprovar à luz dos últimos acontecimentos, das últimas denúncias que têm ocupado as manchetes da mídia brasileira.

            Se podemos tirar uma lição da atual crise política, essa lição é que o modelo do presidencialismo de coalizão ou da governabilidade a todo e a qualquer custo, que fundamenta, e tem fundamentado, e tem fundado nossa democracia, está esgotado e abre brechas para o descaminho e para a falta de resultados na administração pública. A governabilidade do País precisa ser estabelecida com base em outros moldes, em outros métodos, não mais no poder apenas partidarizado.

            O legítimo e adequado, evidentemente, seria que as coalizações partidárias que sustentam um governo fossem formadas a partir de compromissos claros em torno de um programa comum, de um projeto nacional que priorizasse o interesse público - o que, lamentavelmente, nem sempre acontece.

            Não temos outro caminho senão a profissionalização da gestão pública. E não estamos defendendo, aqui, um governo formado apenas por burocratas, não. A indicação partidária é perfeitamente legítima, desde que atenda a critérios éticos e de competência técnica. É bom frisar que um nome técnico não significa, de per se, necessariamente, garantia de honestidade e garantia de correção.

            E seria um erro grosseiro, tosco, associar automaticamente denúncias de corrupção a indicações políticas.

            Repito: mérito e ética são critérios essenciais para o preenchimento de qualquer cargo de confiança. A transparência nas indicações também precisa, a meu juízo, ser um imperativo.

            A atual crise nos dá ainda a oportunidade de pressionar, mais uma vez, o número excessivo de cargos comissionados no setor público - um número escandaloso, em bom português.

            Na hora de montar o seu governo e negociar apoios, aqui e ali, um presidente da República em nosso País tem mais de 20 mil cargos de confiança à disposição. Repito: mais de 20 mil cargos que dispensam o filtro do concurso público e fazem a festa de muitos apadrinhados aqui e ali.

            Para se ter uma ideia, na França e na Alemanha, o número de cargos de confiança no Executivo quando um presidente ou um primeiro-ministro alcança o principal posto de governança gira em torno de 500 comissionados; lá na Alemanha, 500 cargos comissionados; aqui no Brasil, mais de 20 mil cargos comissionados.

            Reduzir, portanto, o inchaço da máquina pública não é apenas cortar gastos desnecessários, mas colocar um freio no aparelhamento desmedido do Estado. É permitir um controle mais eficiente da gestão pública. É devolver, em síntese, o Estado a seus verdadeiros e legítimos donos, a sociedade brasileira, os contribuintes, que pagam elevados impostos na expectativa de políticas públicas eficazes, que atendam às suas necessidades.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Já caminho para o encerramento, Sr. Presidente.

            É fato que, nos últimos anos, houve um avanço na fiscalização e transparência dos gastos públicos. Mas é óbvio que temos muito, muito a caminhar.

            A debilidade dos mecanismos de acompanhamento e controle internos e externos ainda é um problema grave. O diagnóstico da Transparência Brasil é que esses mecanismos funcionam mal e de forma desordenada.

            Os últimos acontecimentos comprovam a inexistência de mecanismos preventivos de controle capazes de evitar desvios, fraudes, gastança excessiva e desperdícios no setor público.

            Os problemas só costumam ser identificados com atraso, depois de se perderem rios de dinheiro público. Na verdade, desvios e fraudes costumam ser identificados e investigados só depois de virarem notícia e abrirem uma crise política.

            Encerro este meu pronunciamento, esta breve reflexão com uma pergunta, que faço a mim e faço coletivamente:

            Vamos ter que viver quantas crises para chegar à conclusão de que o atual modelo de presidencialismo de coalizão ou de governabilidade a todo e qualquer custo está esgotado?

            Quantas crises serão ainda necessárias para concluirmos que alianças entre partidos que não têm por base um projeto comum de governo abrem espaço para o aparelhamento do Estado e fecham as portas para a necessária e inadiável profissionalização da gestão pública?

            É essa a reflexão, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, que trago ao Plenário desta Casa, para que possamos, a respeito dessa reflexão, caminharmos para a busca de novos caminhos mais robustos e mais sólidos que possam fazer com que a vida pública possa ser uma atividade que nos dê honra e garantia de dignidade e de integridade nas ações e no exercício diário.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2011 - Página 32641