Discurso durante a 133ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a corrupção no Brasil, defendendo que a crise política causada pelo combate à corrupção é uma oportunidade para se propor uma reorientação do Governo Federal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENCIA DA REPUBLICA.:
  • Reflexão sobre a corrupção no Brasil, defendendo que a crise política causada pelo combate à corrupção é uma oportunidade para se propor uma reorientação do Governo Federal.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/2011 - Página 32775
Assunto
Outros > PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CORRUPÇÃO, PAIS, FATO, CRISE, POLITICA, RESULTADO, INTERVENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, PROPOSTA, TRANSFORMAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Pedro Simon, fico feliz que o senhor esteja presidindo esta sessão, porque o que vou falar está muito dentro da linha do que o senhor vem falando ultimamente, pelo menos um dos lados do problema que toma conta hoje do Brasil e que é o mais urgente dos problemas, mas que se insere dentro de um conjunto: o problema da corrupção.

            O senhor tem sido um baluarte da luta pela ética nesta Casa e tem conseguido despertar muita gente. Ao mesmo tempo, como vimos hoje no discurso do Senador Mozarildo, o senhor tem servido como exemplo daquilo que mostra que o Senado e a política ainda têm pessoas que fazem política por bandeiras, por compromissos, por espírito público e não por interesse pessoal. Nós achamos até que esse número deve ser maior que o número dos que fazem política por interesse pessoal.

            Falamos aqui até que o problema é que, hoje, a imprensa, os jornais todos e o povo querem ouvir falar da corrupção e não da não corrupção. Quando alguém passa, como nós, todos os dias, pelas ruas, vemos e conversamos com pessoas, isso não aparece no jornal. Só aparece no jornal quando batem a carteira de alguém. Se, no caminho, alguém bate uma carteira, esse alguém sai nos jornais. Se alguém cumprimenta, fala e vai tomar um café na rua, não sai. Assim é quando a gente faz política.

            O problema é que essa corrupção que a gente vê nos jornais, na mídia, na cabeça das pessoas é uma das corrupções. É a corrupção no comportamento dos políticos. Mas ninguém está vendo a corrupção nas prioridades da política, das políticas públicas, a corrupção no Orçamento. E essa desvia mais dinheiro do que a corrupção no comportamento. É claro que a corrupção no comportamento desvia dinheiro para o bolso de alguém. A corrupção nas prioridades desvia o dinheiro de uma obra útil para uma obra inútil; de uma obra com compromisso social para uma obra com compromisso de servir aos interesses privados, mesmo que não vá para o bolso específico de alguém, especialmente de algum político. Nós esquecemos a corrupção nas prioridades. Nós não a vemos, ela ficou invisível, e nós toleramos, com a maior tranquilidade, a inauguração de grandes prédios suntuosos, feitos por governos em um país onde não se tem água e esgoto.

            Mas essa corrupção nas prioridades, Senador Pedro Simon, ainda não é o único tipo além da corrupção no comportamento. Mais grave ainda é que hoje nós estamos vivendo uma corrupção na mentalidade de todos nós, brasileiros: é a mentalidade que não vê a corrupção nas prioridades; é a mentalidade de gostar da corrupção nas prioridades porque não as vê.

            O Senador Mozarildo há pouco falou aqui de como existem muitos dirigentes que não fazem água, não fazem esgotos para suas cidades, porque sabem que não dá para inaugurar um cano subterrâneo, não dá para inaugurar condutos por onde passa sujeira. Aí eles fazem coisas em cima, onde se pode ver uma placa - o que em si é uma sujeira -, porque se deixou de fazer aquilo para servir à comunidade, à população.

            Mas nós nos acostumamos, nós estamos vivendo como se só houvesse mesmo a corrupção do comportamento, como se merecesse crítica apenas a corrupção de quem põe dinheiro no bolso e não a corrupção de quem não põe dinheiro no bolso, mas aprova o uso do dinheiro para finalidades que não são importantes para o País, para as futuras gerações.

            Esta é uma crise que nós vivemos: a corrupção e a corrupção escondida - a corrupção no comportamento, nas prioridades e na mentalidade.

            A corrupção na mentalidade, Senador Pedro Simon, está nos provocando uma crise de proporções que a gente ainda não percebe, que é a crise política. É fruto de uma corrupção na mentalidade, que vem desde o processo eleitoral, onde nos acostumamos a que candidato é para, ao ser eleito, servir ao interesse de pessoas, e não do País. A corrupção na mentalidade faz com que as alianças políticas sejam chamadas de base de apoio, mas não passem de aglutinações de apoio. A diferença entre uma aglutinação e uma base é que a base tem uma bandeira, tem uma proposta, e a aglutinação tem interesses. Você se aglutina pelo interesse. Você forma uma base pelo projeto. Nós não estamos com projeto, nós estamos apenas aglutinados por interesses, e isso é muito ruim. Isso agrava a crise, como vou mostrar.

            E a culpa aí não é só nossa. A culpa aí é dos que não estão trazendo bandeiras para seduzir a uns e a outros. Ninguém aqui está na oposição por causa da bandeira da Presidente. Ninguém aqui a está apoiando por causa da bandeira da Presidente. Nós a estamos apoiando ou não por causa de projetos específicos que aqui chegam, ou, às vezes, nem tanto pelos projetos. Mais grave ainda: pelos interesses que foram negados ou foram concedidos.

            O Governo não trouxe uma proposta, por exemplo, para nós, que queremos transformar este País, para nós, que podemos nos chamar de revolucionários. Não trouxe uma proposta para revolucionar a educação, ou para revolucionar a saúde, ou para revolucionar as cidades como elas são, ou para revolucionar o modelo de desenvolvimento que nós usamos, que é concentrador da renda e é depredador da natureza.

            Não há bandeiras, e a falta dessas bandeiras impede que nós componhamos uma base política capaz de dar uma sustentação sólida. Aí as sustentações ficam fluidas, e surge o problema maior. É que quando o governo comete algum erro, essas aglutinações se desfazem ou entram em crise. Mas há uma coisa pior: é quando as aglutinações se desfazem ou entram em crise não porque o governo errou, mas porque o governo acerta.

            E hoje o que a gente está vendo é isso. Estamos vendo ameaças de ruptura dessa aglutinação, porque a Presidenta está tendo alguns gestos corretos, certos, como esse de fazer as faxinas que o povo inteiro, o Brasil inteiro, deseja.

            E, quando se comete um erro, fica fácil corrigir. Basta não fazer mais o erro. Mas, quando a aglutinação se desfaz por causa de um acerto, aí fica muito difícil. Muito difícil! Porque, se as pessoas deixam de apoiar a Presidenta por causa de um acerto dela, ao retomar essa aglutinação desfazendo o acerto, ela vai perder o apoio de muitos aqui e vai perder o apoio da própria população. Então, ela vai ter que conviver com seus acertos, tentando recompor a aglutinação ou até transformá-la em uma base sólida em torno de algumas propostas. E aí podemos tirar proveito da crise.

            A crise é uma oportunidade para propormos uma reorientação do Governo. E, ao propormos essa reorientação, poderemos transformar essa aglutinação frágil em uma base que seja sólida; transformar uma aglutinação por interesses em uma base que seja por ideias, por propostas, por projeto, no singular. Essa crise pode nos oferecer isso se nós superarmos uma dificuldade: a dificuldade de não vermos o entendimento claro da crise. Nós estamos analisando a crise como se ela fosse apenas o resultado da irresponsabilidade de alguns banqueiros. Não é só isso, até porque desapareceu o conceito de banqueiros no plural. O mundo hoje tem um banco só, com diversos nomes de bancos, mas é um banco só. E cada um de todos os grandes bancos entrou em crise, cada um deles contamina os outros, fazendo com que a crise de uma instituição seja uma crise do sistema. A gente vai ter que entender que existe hoje um banco no mundo inteiro e que, se ele quebrar, quebra o sistema. Mas é preciso entender que a quebra desse banco imenso, que é a soma de todos os bancos, não ficará restrita ao sistema bancário; ela se espalha pelo sistema industrial e econômico, porque, hoje, é difícil comprar alguma coisa sem crédito. Não estamos mais na economia em que a gente ia à venda e comprava até com uma caderneta de anotações registrando quanto devia. Nós hoje estamos numa economia cujas compras são de automóveis caros, de eletrodomésticos caros, de aparelhos novos que surgem a cada dia, como televisão, computador. Isso obriga a tomar dinheiro emprestado para que a economia venda, para que a economia produza e venda.

            Então, a quebra de um banco é a quebra dos bancos, e a quebra dos bancos é a quebra da economia como um todo, porque o excesso de endividamento vem do excesso de crédito para financiar o excesso de consumo para poder viabilizar o excesso da produção. Se nós não entendermos isso, nós estaremos amarrados na procura de saídas para cada aspecto da crise, sem perceber que precisamos sair de uma coisa maior do que as crises, uma crise tão grande que, na verdade, é uma exaustão da economia. A economia ficou exausta de transformar tanta natureza, em tão pouco tempo, em tantos bens e tão caros que alguns poucos compram com financiamento.

            Mais grave ainda é que, para que essa economia funcione, o Governo precisa gastar muito, gastar muito pagando salários para que haja demanda; gastar muito fazendo infraestrutura de viadutos, de estradas para que as pessoas comprem carros; gastar muito em hidrelétricas que são necessárias, intrinsecamente, porque a gente precisa de energia, mas são necessárias, hoje, porque estamos querendo consumir mais do que deveríamos. Nós só entendemos o problema da energia no sentido de produzir mais. A gente nunca para pensar no problema da energia no sentido de precisar de menos. Quando foi preciso, pelo apagão de alguns anos, reduzir o consumo, nós conseguimos reduzir. Por que a gente não volta a pensar nisso?

            Nós só pensamos o aumento da energia pela corrupção da mentalidade nossa e do mundo inteiro hoje de que o projeto da humanidade é crescer a economia. Por que o projeto da humanidade não é mudar o conceito de riqueza? Houve uma exaustão no conceito de riqueza. A riqueza de mais carro, mais carro, mais carro, mais eletrodoméstico, mais eletrodoméstico, mais energia, mais energia. Esse conceito de riqueza está em crise, e a gente vai ter que inventar outro conceito que diga “nós estamos bem” e não necessariamente “nós estamos mais ricos”.

            Essa mudança de linha é que seria interessante ver em alguma liderança nacional, no Poder Executivo, com o carisma que a Presidência oferece, para transformar uma aglutinação instável por interesses em uma base de apoios sólidos por compromissos, Senador Simon.

            Esta é uma diferença fundamental: uma aglutinação frágil por interesses e uma base de apoio sólida por compromissos. Nós continuamos pensando com base nos interesses e criamos uma aglutinação frágil. Mas isso pode ser muito bonito, Senador Mozarildo, olhando lá longe; temos que olhar o hoje também. E aí temos uma chance de começar a pensar no que vai acontecer nas próximas semanas e que permitirá que estejamos de um lado ou de outro no sentido de fazer arranjos para resolver a falta de crescimento ou de dar propostas sólidas que permitam o Brasil, daqui a um ano ou dois, reorientar a sua economia.

            Isso passa por um tratamento sério, mas muito sério, do Orçamento público do Brasil. Nós sabemos que é uma tradição brasileira não dar seriedade à elaboração do Orçamento. Ele é feito de forma duplamente leviana: a leviandade dos sérios que não olham as repercussões que o Orçamento terá e a leviandade dos que não são sérios e aproveitam o Orçamento para colocar as suas emendas, para colocar as suas propostas, para colocar os seus investimentos de interesse pessoal ou de um grupo.

            Nós temos que analisar o Orçamento hoje com duas mudanças de perspectiva. Uma é quebrar esse apego a colocar os contrabandos de investimentos que interessam a cada um de nós, seja pessoalmente, seja até mesmo como representante de um Estado. Outra é deixar de ver a peça orçamentária como produto da burocracia fiscal, da burocracia financeira, e analisá-la como um instrumento apenas de contabilidade.

            O Orçamento tem de ser visto nos seus aspectos de finanças, mas também nos seus aspectos de consequências econômicas, de consequências nacionais. Uma coisa é fazer aquele arranjozinho entre as contas e os números; a outra é pegar aqueles números e analisar: isso vai ajudar no crescimento ou não vai ajudar? Isso vai ajudar na proteção do meio ambiente ou não vai ajudar? Isso vai beneficiar a população em geral ou vai beneficiar poucos?

            Estas três dimensões estão faltando no Orçamento: a dimensão do seu impacto na economia, do seu impacto no meio ambiente e do seu impacto social.

            A Comissão de Assuntos Econômicos, dirigida pelo Senador Delcídio do Amaral, está considerando a possibilidade de termos uma subcomissão ou um grupo que seja para analisar o impacto econômico do Orçamento.

            Eu até vou defender que a Comissão de Assuntos Sociais tenha a sua subcomissão para analisar o impacto social do Orçamento.

            Anos atrás, longe ainda de pensar em ser político, eu ajudei a criar em organizações não governamentais o conceito de orçamento-criança, pelo qual a gente analisava o impacto do Orçamento sobre os interesses, as necessidades, os desejos das crianças. A gente precisa - para não criar mais um para as crianças - colocar no social, analisar o impacto do Orçamento em todos os seus aspectos e, talvez, ir além desse. É preciso estabelecer qual é o impacto do Orçamento na ciência e na tecnologia, na educação, e sair da visão burocrática de como o Orçamento é feito.

            Eu quero entrar num detalhe mais imediato, em que a política casa com a economia, com as finanças: a análise do Orçamento pela sua repercussão na inflação, dependendo do que a gente aí coloque.

            Quem ouve minhas falas sabe que eu tenho uma mania, chamo até de uma nota só, que é a educação e, dentro da educação, eu tenho uma proposta, que pode até ser chamada de uma nota só: a saída para nós é a federalização da educação de base.

            Digo aqui até - não creio que seja uma indiscrição além do possível - que já entreguei à Presidenta da República, quatro semanas atrás, exatamente numa sexta-feira, por meio da Ministra Gleisi, uma proposta, Senador Mozarildo, de como fazer a federalização no Brasil em vinte anos, como espalhar escolas federais neste País em vinte anos, chegando a todas as escolas do Brasil, e como fazer isso por cidade. Eu disse ali como fazer, eu disse ali quanto custa, o papel do professor, o papel do edifício, o papel do prefeito.

            Pois bem, com toda essa mania, eu quero dizer aqui que, diante dessa crise geral que nós vivemos politicamente aqui dentro e, economicamente, no mundo, eu hoje tenho responsabilidade para dizer que isso não pode ser feito de maneira apressada. Se amanhã alguém quiser me agradar colocando muito dinheiro no Orçamento para fazer a federalização, eu ficarei contra, a não ser que me mostre de onde é que a gente vai tirar esse dinheiro. Não é hora de aumentar os gastos públicos, porque esse é um dos vetores principais, é uma das causas principais da crise por que nós estamos passando.

            Eu falo começando por aquele setor que eu defendo, que é a razão de ser da minha vida pública: a federalização da educação de base, que eu gostaria de que, daqui a 20, 30, 50 anos, dissessem que começou com meus discursos. E eu acho que está na hora de a gente cuidar para não fazer isso de uma maneira apressada, que repercuta para perturbar outros setores. Da mesma maneira, eu me sinto, depois de dizer isso, com o direito de dizer que outras coisas que eu defendo nós temos de tomar alguns cuidados na hora de aprovar.

            Eu sou a favor da PEC nº 300, que não deixa de ser uma certa federalização da segurança, assim como eu defendo a federalização da educação. Mas aprová-la de repente hoje, sem uma análise cuidadosa do impacto que ela terá na economia do País, é perigoso. Pode até aparecer como um impacto positivo no social - é claro que tem um impacto muito bom para cada uma das pessoas que vão se beneficiar -, mas vamos analisar com cuidado. Não vamos transformar um instrumento que quer trazer segurança em um instrumento de insegurança no resto das variáveis brasileiras.

            Falo também da Emenda nº 29, que é fundamental, que é positiva, que é necessária, porque muda o quadro trágico da saúde. Nós só podemos aprovar tirando dinheiro de outros lugares, e tirando dinheiro de outros lugares sem prejudicar a economia, sem prejudicar o meio ambiente, sem prejudicar o social.

            Falo também da prorrogação da DRU, aquela velha emenda que permite ao Governo retirar dinheiro daqueles gastos que são previstos pela Constituição. Eu e a Senadora Ideli fomos as principais vozes nesta Casa que conseguimos acabar com a DRU na educação. Eu fui. E tinha de ser feito, porque isso estava roubando bilhões de reais da educação.

            Eu creio que a DRU é uma excrescência, tem de ser eliminada para todos os setores, porque trai a Constituição. A DRU, mesmo sendo aprovada como emenda, como foi, é uma traição ao que estava no espírito dos constitucionalistas. Mas há momento em que, se fizermos isso, podemos trazer verdadeiras tragédias financeiras a este País, tragédias econômicas, porque, ao penalizarmos as finanças hoje, estamos penalizando as finanças do Governo, os gastos do Governo; ao prejudicá-los, estamos dando impacto nas finanças em geral, até porque vamos ter de aumentar os juros para conseguir o dinheiro para fazer isso. E aí, estaremos levando a uma queda do sistema econômico tal qual ele é.

            Quando se somam todos os vetores que vêm de fora, todas essas fontes de crise que vêm de fora, entramos numa situação dramática. Não esqueçam que, no mundo interligado de hoje, quando um banco quebra em qualquer lugar, ele perturba a economia de qualquer lugar. Quando surge um vírus - e V. Exª Senador Mozarildo que é médico - em qualquer lugar, no mundo de hoje, termina chegando aqui.

            A mesma coisa acontece com as crises financeiras. Não dá para restringi-las dentro de nenhum país, porque as finanças funcionam na base do computador, e os computadores estão todos interligados. Os computadores não pedem licença aos guardas de fronteira para levar suas mensagens de um lugar para o outro, não pedem licença aos bancos centrais para transferir dinheiro de um lugar para outro.

            Precisamos despertar, cada um de nós, para não apenas a grande crise que já se faz com a exaustão na economia. Acabou o modelo. É claro que, ao acabar um modelo, levam décadas até surgir um novo; mas estamos vivendo os estertores de um modelo chamado de civilização industrial, em que a sociedade, o mundo e cada pessoa vive em função do consumo que está acabando. Está acabando pela exaustão da natureza, que está derretendo os polos, por conta do que consumimos aqui. Está exausta a economia pela exaustão das contas dos governos, que não conseguem mais pegar empréstimos sem juros altos e não conseguem mais aumentar os impostos. Está havendo uma exaustão pelo endividamento das pessoas que, para comprar os produtos que vêm comprando, já não têm mais como pagar e, então, vão deixar de comprar.

            Essa exaustão de cada lugar leva à grande exaustão. Só que isso está casando, no Brasil, com a exaustão política, a exaustão de Governos que não têm propostas transformadoras, porque não temos tido.

            Temos tido grandes propostas ajustadoras: ajustadoras da crise social, com a Bolsa Família, mas sem transformar; ajustadora, com alguns incentivos às indústrias, para que vendam mais carros por meio de subsídios, mas não mudam o produto.

            Estamos fazendo políticas de ajuste e não políticas de transformação. Junte-se a isso a falta de uma base de apoio, a existência de uma pura e simples aglutinação de interesses e uma Presidenta que quer acertar, pelo menos no lado da demissão de suspeitos de corrupção, e que hoje tem a aglutinação que a sustenta ameaçada de romper por causa dos acertos.

            Isso dá um momento crítico, dramático nesta Casa, entre nós que somos líderes. E, se nós não soubermos perceber isso, despertando, e enfrentar isso, definindo caminhos, nós vamos dar prova de uma coisa mais grave ainda: a exaustão do processo democrático como forma de enfrentar os grandes problemas que vivemos hoje. Vamos dar provas de que cada um de nós está exausto e não está à altura do momento histórico que nós vivemos. Nós não temos direito de abrir mão do nosso papel histórico. Nós não temos direito de abrir mão dos nossos compromissos históricos. Primeiro, são os compromissos biográficos; os outros, compromissos históricos. Não temos direito de abrir mão da nossa biografia nem do nosso papel histórico.

            Por isso, vamos mudar nossa pauta aqui dentro e vamos deixar de lado, por um pouco que seja, os interesses puramente pessoais e até mesmo da aglutinação do clube eleitoral, que hoje é o partido de cada um, e encontrar tempo, força e vontade política de começar a traçar o nosso comportamento aqui com base no interesse maior do País.

            É isso, Sr. Presidente, que tinha a dizer, mas quero contar com o aparte do Senador Mozarildo, que, de certa maneira, terminou me inspirando um pouco a este discurso, ao falar tão correta e enfaticamente da corrupção no comportamento dos políticos.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam é uma honra poder aparteá-lo. V. Exª, como sempre, faz um pronunciamento abrangente, mas objetivo. Embora V. Exª diga que termina se cingindo em um discurso de uma nota só, eu diria que bastaria essa nota...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - ... para nós termos, realmente, o resto - se podemos usar essa palavra -, porque, mesmo com a minha cabeça de médico, eu sempre digo que não adianta pensar em fazer saúde se não tiver educação mínima da população. Eu quero também concordar com V. Exª que é importante estudarmos um caminho. V. Exª propõe, por exemplo, a federalização do ensino fundamental. Não tenho convicção plena, mas V. Exª é um estudioso da questão. E, de fato, inverter um processo, como hoje é invertido, em que a prioridade dos recursos federais é para as universidades, e não para a base, está demonstrando, pelos dados que temos, que não é um modelo eficiente e que, talvez, não seja o ideal. Mas tenho muita confiança, neste momento - falei isso em meu pronunciamento -, em que temos uma Presidente que, embora diante de uma crise econômica mundial seriíssima, tem sabido se pautar pela administração correta, pela seriedade. Aliás, fazendo jus ao que ela disse quando veio ao Congresso Nacional, na sua primeira fala, que ela zelaria pela aplicação de cada tostão dos brasileiros. Isso que está acontecendo em diversos Ministérios, em diversos órgãos públicos, é uma demonstração de que ela realmente não vai dizer que não viu nada e nem vai achar que isso é fruto de alguns aloprados. O importante mesmo é que, agora, os partidos políticos, todos eles, pensem, como disse V. Exª, no interesse da Nação e não nos interesses individuais ou de grupos partidários. É muito importante que todos possam, em vez de os jornais noticiarem o que noticiam, em vez de fazerem complôs e obstruírem o trabalho que a Presidente quer fazer, dizer: sim, é justificável, não é imoral um partido político indicar alguém para um cargo, mas desde que essa pessoa tenha qualificação e haja com honestidade. Não agiu? Não tem como um partido se sentir ofendido por ter um indicado seu agido de maneira desonesta. Então, acho que essa é uma oportunidade de ouro que o Brasil está tendo e espero que possamos dar à Presidente Dilma tranquilidade para que ela faça o seu trabalho - o que, aliás, é o que todo mundo quer -, um trabalho sério, honesto e competente.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador, pela sua manifestação.

            Concordo com V.Exª quanto a ela ter procurado, mas talvez tenha estado muito amarrada a certos compromissos eleitorais que nem seriam necessários para elegê-la. Eu digo, desde o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que eles se sentem amarrados a algo que, talvez, não fosse necessário, se eles fizessem outras opções.

O fato de o partido indicar, não vejo nenhum problema. Correto. Política é isso. Vejo problemas quando indicam familiares, pois aí é nepotismo; mesmo quando digam: “mas é competente”. Eu disse uma vez a um que me falou isso: “Mas o senhor não quer dizer apenas que é competente. Quer dizer que esse seu parente é o único competente do seu Estado. Porque, se tiver outro competente, pegue outro, porque fica uma imagem melhor. Se for o único competente, se for o único médico competente da cidade a fazer uma cirurgia, muito bem, pegue o seu irmão. Mas se tiver outro igualmente competente, não pegue, porque a imagem também é importante”. É uma forma de desprezo às cabeças do seu Estado escolher pessoas ligadas a si.

            Mas eu agradeço o seu pronunciamento pelo fato de que eu vejo a sua independência quando fala aqui, eu vejo a sua postura e sei que, ao dizer essas coisas em relação à Presidente, tem um valor até maior do que aqueles que estão amarrados umbilicalmente, e que às vezes dizem até sem ser sinceros. O senhor falou com toda sinceridade, como outros muitos aqui têm vindo a esta tribuna falar da importância do que está fazendo a Presidenta.

            Mas era preciso complementar isso, dialogando aqui na tentativa de compor uma base na hora que a aglutinação se afastar dela por coisas certas que ela estiver fazendo. E, ao mesmo tempo, nós temos que dar um recado de volta, como responsáveis, para não criarmos problemas para o País.

            A oposição tem direito de criar problemas para o governante, mas não para o País inteiro. E há momentos em que o país é que está em jogo, e não o governo do momento. Eu acho que hoje nós temos algumas coisas que estão em jogo em relação ao País inteiro, e não apenas ao governo, que é um fenômeno passageiro de poucos anos.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela generosidade do tempo. Eu espero ter usado bem esta manhã de sexta-feira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/2011 - Página 32775