Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a respeito das causas da corrupção no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Comentários a respeito das causas da corrupção no Brasil.
Aparteantes
Ataídes Oliveira.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2011 - Página 33998
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, CORRUPÇÃO, BRASIL, EFEITO, FINANCIAMENTO, INICIATIVA PRIVADA, CAMPANHA ELEITORAL, IMPUNIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, Srª Vice-Presidente Marta Suplicy, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é difícil chegar aqui e falar, neste momento que a gente vive, sobre os dois temas aos quais tenho dedicado tanto tempo, que são a educação e a economia. Há uma cobrança geral, uma necessidade de a gente falar do assunto que domina hoje a sociedade brasileira, que é a corrupção. E eu não vou fugir de falar sobre isso. Mas eu quero falar de uma maneira mais ampla. Eu quero discutir aqui o porquê dessa situação de tanta corrupção que a gente vê na mídia, vê no noticiário, vê na ação da polícia. Eu quero falar da fábrica que o Brasil é hoje, e provavelmente outros países também, de corrupção. Somos uma fábrica, por diversas razões.

            Na política, por exemplo, a impunidade que nós atravessamos neste País, uma impunidade que se faz diante daqueles que cometem os grandes crimes de corrupção e uma impunidade também no dia a dia dos pequenos crimes que a gente nem percebe. A impunidade daquele que leva material da repartição para casa. A impunidade daquele menino que olha para a prova do vizinho e faz o que a gente sempre chamou por aí de “cola”. Há uma impunidade geral, sobretudo nos de lá de cima, os que pagam os bons advogados. Mas também há uma tolerância, que é uma forma de impunidade, no dia a dia da vida.

            Nós não nos acostumamos ainda ao rigor, chamado por aí afora de “tolerância zero”, com as formas de comportamento que se podem chamar de corrupção.

            Há também a impunidade que se vê mais, que é a impunidade que a polícia e a Justiça provocam por não serem capazes de apurar denúncias e comprová-las, ou até porque às vezes comprovam e não há julgamento. Essa impunidade é uma das causas da corrupção na nossa fábrica. Mas há outras.

            O fundo privado de financiamento de campanha, Senador Ataídes, é claro que é um instrumento que induz, facilita, provoca, quase que obriga à corrupção. Ao pegar o dinheiro, o candidato termina se comprometendo com aquele que dá o dinheiro. Não é possível a gente ter um sistema limpo com financiamento privado de campanha. É até possível ter o financiamento público e continuar a corrupção, mas o contrário, a gente pode ter certeza, enquanto for o financiamento conforme interesses de alguns, existe o risco de corrupção. A fábrica de corrupção vem do fundo privado.

            Outro item é a promiscuidade. Mesmo quem não financia cria uma relação com o setor privado que leva a uma promiscuidade que induz à corrupção. Por exemplo, o que está nos jornais de hoje, pegar avião de empresário uma pessoa que está no cargo público é fazer parte de uma promiscuidade que induz à corrupção. Não obriga, não dá para dizer que todo mundo que faz isso é corrupto, mas dá para dizer sim que todo mundo que faz isso pode ser levado a facilitar a vida de quem emprestou o avião, ou quem emprestou a casa, ou quem emprestou o carro, ou quem emprestou qualquer coisa. A promiscuidade entre o setor público e o setor privado é um indutor de corrupção.

            A falta de causas nos partidos. Isso provoca a corrupção, facilita pelo menos. Quando você tem uma causa, a corrupção fica uma coisa difícil. Já citei aqui um dia e repito: eu duvido que Joaquim Nabuco, enquanto lutava pela abolição da escravatura, fazia desvio de recursos, pegava dinheiro de atividades públicas.

            O excesso de cargos comissionados, claro que isso também facilita o funcionamento dessa fábrica da corrupção. As alianças espúrias que nós temos, as alianças espúrias com pessoas de partidos que não têm causa, que não têm bandeira, que não têm ideologia, isso facilita a corrupção. Eu não vou dizer que as pessoas que têm ideologia são puras e que elas também não são corruptas. Podem ser também. Mas o que eu digo é que quem não tem causa, quem não tem ideologia, que pertence a um clube eleitoral e não a um partido, tem mais tendência a cair na corrupção.

            Na cultura, este País, o nosso Brasil tem sim uma tendência a fabricar corrupção. Nós nos orgulhamos, no mundo inteiro, de uma coisa que a gente chama de jeitinho. O jeitinho, em geral, é uma pequena malandragem que a gente faz e que, de certa maneira, foge das regras. O jeitinho, por exemplo, quando pessoas usam GPS para saber onde é que tem o medidor de velocidade do carro para não cumprir o limite de velocidade. Esse jeitinho as pessoas não consideram corrupção.

            O jeitinho de viajar num carro, bebendo, esconder-se e, depois, com orgulho, dizer: “Eu consegui viajar, eu consegui dirigir sem isso”, é uma forma de corrupção, pequenininha. Não a comparemos com as grandes, mas é um instrumento que compõe uma fábrica, o desprezo ao que é do Estado.

            Pode-se até explicar que isso vem de 21 anos de regime militar, mas a gente tem mais tempo de democracia do que teve de regime militar. E como a gente chama isso de natural? Achar que tudo que é do Estado não merece respeito, de tudo que é do Estado a gente pode se apropriar e levar para casa ou destruir no vandalismo. Isso ajuda nessa fábrica de corrupção.

            O fim dos valores morais provoca, sim, facilita, sim, a tendência nessa fábrica de corrupção. E aí, na falta de valores morais, eu coloco o erro de prioridades. Nós falamos muito na corrupção no comportamento. Há uma corrupção nas prioridades, na maneira como dirigimos os recursos públicos, às vezes até sem desviar dinheiro para o bolso, mas desviando de uma coisa útil para uma coisa inútil, de uma coisa do povo para uma coisa privada.

            Eu, por exemplo, sei que está aqui reunido um grupo grande, Senador Ataídes, de motoristas e de funcionários desta Casa que foram demitidos ou estão sendo demitidos em nome de uma redução de gastos. De fato, a gente gasta muito nesta Casa, mas, em nome de uma redução de gastos, em vez de a gente começar por onde se gasta muito, a gente começa por quem ganha pouco não é uma posição correta. Essas pessoas que saírem daqui, desempregadas, vendo tudo que a gente tem - não só os salários, mas o serviço de saúde e todas as outras coisas -, são incentivadas a se comportarem de uma maneira que não é a correta para a sua sobrevivência.

            Nós temos, e está relacionado com a corrupção nas prioridades e com a falta de valores morais que a sociedade brasileira vive hoje, o problema da desigualdade social. A desigualdade social incentiva as pessoas a dizerem: “Mas se alguns têm tantos, eu não tenho nada, por que vou ter que me comportar tão corretamente, sobretudo se os que têm muito não se comportam?” O Brasil, hoje, é uma fábrica de corrupção. Não vou dizer que é o único país do mundo. Há outros também, mas nós somos um dos mais fortes fabricantes de um quadro social que leva, tolera e até incentiva o Brasil a ser conivente com a corrupção, como se alguns fossem desses que a gente vê pelo tamanho; e outros de nós ali, baixinhos, através do jeitinho que a gente usa, driblando as leis, terminamos também colaborando para esse clima de tolerância com o crime que toma conta do Brasil.

            Tenho apenas 33 segundos, mas passo a palavra ao Senador Ataídes para um aparte.

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Obrigado, Senador Cristovam. É sempre uma satisfação imensa poder fazer algum comentário sobre o discurso de V. Exª, sempre tão sábio, sempre muito bem colocado. Eu sempre digo que o senhor faz as críticas e mostra os resultados. Senador, a respeito da nossa reforma política, que para mim é a mãe de todas as reformas, o senhor falou do problema do financiamento de campanha. Isto é uma porta aberta para a corrupção. Não há dúvida nenhuma. Empresário nenhum neste País ou em canto nenhum do mundo vai botar o seu dinheiro se ele não está com a intenção de ter um retorno no curto prazo e com uma rentabilidade muito superior a um negócio qualquer. Isso é notório, isso é evidente, e eu lamento porque já passou pela CCJ e virá para este Plenário. Outra coisa muito interessante que eu quero colocar é o problema da reeleição. Há um estudo, uma pesquisa que verificou que os nossos gestores reeleitos, quase na sua maioria absoluta, respondem por improbidade administrativa. Interessante, Senador, há poucos minutos o nosso Senador Cyro foi a esta tribuna e disse que a corrupção no Brasil representa, hoje, R$660 bilhões/ano - eu me assustei porque não sabia desse número - para um PIB nosso de algo em torno de R$3,758 trilhões. Ou seja, 20% do nosso PIB somente para a corrupção, e a impunidade que nós temos discutido sempre, eu e V. Exª, está muito clara e é a grande culpada pela corrupção neste País. Acabamos de ver isso agora por essa Operação Voucher que um juiz deu uma liminar, um magistrado deu uma liminar, teve que pedir afastamento, então, o abono do nosso Ministro da Defesa e até mesmo da nossa Presidente. Fiquei estarrecido diante daquele quadro. Até pergunto: cadê o nosso Conselho Nacional de Justiça? Cadê a nossa Suprema Corte? E a corrupção, Senador, para mim, hoje, não é caso de faxina, não, porque faxina se faz rotineiramente. É um câncer em estado de metástase. E o câncer só pode ser curado se você extirpá-lo. Portanto, a nossa corrupção tem que ser extirpada; não tem outra forma. Obrigado, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu que agradeço, Senador, e dou por encerrado meu discurso, Srª Presidente.

            Fica aqui o meu registro de que não basta apenas resolver o problema desse, desse ou desse corrupto. É preciso fechar a fábrica de corrupção em que o Brasil se transformou, e não só do ponto de vista do Governo, mas do ponto de vista do exercício da vida de cada um de nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2011 - Página 33998