Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao poeta Mauro Mota, por ocasião do transcurso, ontem, do centenário de seu nascimento.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao poeta Mauro Mota, por ocasião do transcurso, ontem, do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2011 - Página 34000
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, REGIÃO NORDESTE.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Para uma comunicação inadiável. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores e Senadoras, a minha comunicação é realmente uma comunicação inadiável, porque é justamente para lembrar o centenário do nascimento do grande poeta brasileiro que foi Mauro Mota.

            Esta comunicação inadiável já está com 24 horas de atraso, porque ontem não tive a oportunidade de falar neste plenário, pela importância dos trabalhos que se estavam desenvolvendo e pela impossibilidade de um espaço para que eu o fizesse.

            Quero lembrar que eu era quase menino, em 1947, quando pensei em estudar em Pernambuco e ingressar na Faculdade de Olinda, que era a tradicional faculdade brasileira, com a de São Paulo.

            Despertava naquele tempo a minha vocação literária e, então, fui para Pernambuco, onde havia um grupo, chefiado por Mauro Mota, com quem eu já me correspondia -- Edson Regis, Guerra de Holanda e outros intelectuais. Infelizmente, meu pai não teve condições de que eu permanecesse no Recife e frequentasse a Faculdade de Olinda. Foi um período pequeno, mas extremamente importante na minha vida, porque tive oportunidade de, naquele tempo, em Recife, ficar ligado a nomes que se tornaram importantes e fundamentais na literatura brasileira.

            Dentre eles, eu quero ressaltar justamente a figura do grande poeta que foi Mauro Mota. No Recife daquele tempo tive oportunidade de conhecer Gilberto Freyre, esse monumento da literatura nacional; o poeta Ascenso Ferreira; Edson Régis e tantos outros nomes que foram muito importantes na literatura nordestina.

            Naquele tempo, nós lançamos, a nível nacional, um movimento que se chamava Neomodernista. Nós achávamos que a Semana de Arte Moderna tinha se esgotado e que, então, havia uma nova geração que devia continuar uma renovação nas letras brasileiras. E havia esse movimento no Brasil inteiro, movimento que foi quase que marcado pela revistas que essa geração fundou.

            Por exemplo, nós tivemos, no Ceará, a revista Clã, com Eduardo Campos, Artur Eduardo Benevides, Girão Barroso e tantos outros nomes da literatura cearense. No Rio Grande do Sul, existia a revista Quixote, com Raimundo Faoro, que também pertencia, naquele tempo, a essa geração uma pouquinho mais velha do que nós, que tinha um pouquinho mais de idade do que nós. Eu recordo também a revista Branca, do Rio de Janeiro, que tinha Lêdo Ivo e Afonso Félix de Sousa, um poeta também hoje esquecido, mas que também é um grande nome da literatura brasileira. Havia também a Joaquim, que era uma revista chefiada por Dalton Trevisan no Paraná. E tinha a revista Região, da Paraíba e também de Recife, que era chefiada por Edson Régis, grande nome também naquela época, um grande crítico literário. E eu, em companhia de Bandeira Tribuzzi, Bello Parga -- que foi Senador aqui durante algum tempo --, Carlos Madeira, e de um irmão meu, Evandro Sarney, também poeta, fundamos a revista A Ilha, que se juntava a essa constelação de revistas na qual se reuniram esses nomes da literatura nacional.

            E Mauro Mota era diretor do suplemento literário do Diário de Pernambuco. Naquele tempo, os jornais tinham grandes suplementos literários, que realmente sustentavam a divulgação dos talentos que surgiam, e, ao mesmo tempo, eles eram um incentivador das novas gerações, para que elas pudessem seguir o caminho das letras.

            Conheci então pessoalmente, nessa viagem, Mauro Mota. Ele era mais velho do que eu -- nasceu em 16 de agosto de 1911 -- e tinha grandes amizades literárias. Mauro formava quase que um grupo. Ele, sendo diretor do suplemento literário, era quase que um dono do jornal -- onde estreara em 1941 --, da feitura do jornal, que era dirigido formalmente por Aníbal Fernandes, também outro grande nome de Pernambuco.

            Ele era muito amigo também -- e, por meio de suas amizades, nós fomos nos relacionando também com eles -- de João e José Condé e iniciou a primeira de suas colaborações em A Pilhéria e em Revista das Cidades. Havia um certo ar às vezes irreverente nas nossas participações daquele tempo, como na Semana de Arte Moderna.

            Em 41 também Mauro Mota começou a trabalhar como professor. Foi professor de História no Ginásio do Recife. Ele também teve a oportunidade de defender a tese O Cajueiro Nordestino no concurso para catedrático de Geografia do Brasil do Instituto de Educação de Pernambuco.

            E foi ele também durante muitos anos o diretor da Fundação Joaquim Nabuco, tendo instituído os fundamentos dessa casa de estudos até hoje muito respeitada no Brasil inteiro que é a Fundação Joaquim Nabuco.

            Eu, com grande emoção, me recordo do dia em que conheci Gilberto Freyre, de quem me tornei amigo algum tempo depois. Tive a oportunidade de levá-lo ao Maranhão, antes de ele escrever Ordem e Progresso. Ele estava trabalhando num outro livro e queria visitar a cidade de Alcântara, que é uma cidade morta, uma cidade histórica do Maranhão.

            Eu até hoje dia digo que não se deve visitar Alcântara. Deve-se ir ao século XVIII, porque, na cidade, a gente tem a impressão de que estar entrando grandemente no passado.

            Esta cidade também, para recordar, teve um romance, que é um romance que teve grande importância, uma grande divulgação no Brasil, que é a Noite Sobre Alcântara, de Josué Montello.

            Mauro Mota escreveu muitos livros e eu não quero ocupar, tomar o tempo, eu sei que estou invadindo um pouco o tempo do Expediente, para dizer os grandes livros que ele escreveu e que foram muitos.

            Ele foi também Presidente da Academia Pernambucana de Letras. Recebeu o Prêmio Jabuti, Prêmio da Câmara Brasileira do Livro, do PEN Clube e também de muitos outros prêmios literários.

            Eu presenciei um pouco a vida de Mauro Motta quando ele perdeu sua primeira esposa, Hermantine. Houve, então, uma deflagração no seu sentimento de que ele, depois de ser um homem de letras, tornou-se um novo poeta quando ele entrou por um lirismo clássico, fazendo os 10 sonetos à sua mulher que morria. Sonetos esses que nós gravávamos e recitávamos, porque eram de extrema beleza. Quando ele dizia num deles:

Chegas, transfigurada, dos espaços,

E eu vou contigo pela vida afora,

Conduzindo a tua alma nos meus braços.

            Recordo-me também de um no qual ele falava das mãos da sua mulher, onde ele dizia:

As mãos leves que amei. As mãos, beijei-as

nas alvas conchas e nos dedos finos,

nas unhas e nas transparentes veias

Mãos, pássaros voando nos violinos.

            Então, essas Dez Elegias foram sonetos, quase que, podemos dizer assim, camonianos, em que Mauro Mota conseguiu um lugar mais importante do que ele tinha antes da consagração desses sonetos célebres.

            Depois, eu no Rio de Janeiro, Mauro no Recife, mas nem por isso deixamos de ter sempre uma amizade forte, uma correspondência pessoal sob o ponto de vista de assuntos de literatura.

            Nesse ponto, tenho dele um gesto de gratidão que só um homem como ele poderia ter. Quando eu fui candidato à Academia de Letras, ele tendia a votar em Orígenes Lessa, que concorria comigo.

            Mas, três dias antes da eleição, eu recebo uma carta carinhosa do Mauro Mota, que terminava assim: “Eu não quero que você entre na Academia sem o meu voto’’ -- e me mandava o seu voto para que eu entrasse na Academia de Letras. Eu nunca vou esquecer esse gesto.

            Por exemplo, para eu dizer sobre ele -- escrevi algumas vezes sobre o Mauro Mota --, mas eu acho que é muito mais importante repetir aqui o que dele dizia José Lins do Rêgo: “Já disseram de Rainer Maria Rilke…

            Faço parênteses: outro dia estava relendo Stefan Zweig, em O Mundo que Eu Vi, onde ele relata o seu encontro com Rilke, em Paris daquele tempo, e como Rilke era um homem singular, calado, sóbrio, que quase não se manifestava e quase passava desapercebido naqueles cafés literários de Paris, mas que era o grande poeta.

            Pois José Lins do Rêgo escreveu: “Já disseram de Rainer Maria Rilke que as suas angústias foram-lhe as únicas riquezas. Mota também descobriu-se pela dor e, através desta dor incurável, floriu-lhe a alma em verdadeira e extraordinária riqueza melódica.”

            Também vou repetir, porque, em sua memória, é importante que fique nos Anais desta Casa que ele ainda é lembrado e reverenciado, o que de Mauro Mota disse João Gaspar Simões, o grande crítico português, o homem que descobriu Fernando Pessoa, que foi quem lançou Fernando Pessoa:

A pena do poeta, sobretudo quando o poeta se chama Petrarca, Cristóvão Falcão, Camões ou Mauro Mota, a pena já não escreve com sangue, mas com ritmo que o sangue transmite ao coração, o qual vai calmamente alimentando os vasos sanguíneos do cérebro em que se inscrevem, milenárias, as leis codificadas nos tratados de versificação.

            E Gilberto Freyre também, quando ele diz:

O lírico, em Mauro Mota, não deixa de ter namoros épicos. O Brasil existe, como totalidade épica, para ele, tanto quanto existiu, com suas palmeiras e seus sabiás, para Gonçalves Dias exilado. [Mas] não escreve em poetês. Escreve em português abrasileirado, tropicalizado, cotidianizado.

            Termino, Sr. Presidente, pois não cabe aqui um ensaio literário; apenas um registro.

            Repito: sempre disse que uma nação não se faz sem três coisas -- e o nosso querido Senador Cristovam Buarque está vivendo agora um problema pessoal, com o Projeto que regulamenta a profissão dos historiadores, não nos permitindo, a todos nós, não mais escrevermos sobre história.

            Mas disse que não se pode fazer uma nação sem três coisas: sem os historiadores, para falarem do passado; sem os políticos, para tomarem conta do presente; e sem os poetas -- não se faz uma nação que não tenha um grande poeta -- para sonhar com o futuro.

            A poesia, dizia eu, nas Nações Unidas, quando tive, em 1985, a oportunidade de ali falar, que não podíamos afastar os poetas dos grandes debates. Então, tive a oportunidade de citar o poeta Bandeira Tribuzzi naquele recinto, sobre a Máquina do Mundo, que também era o mesmo tema usado por Drummond em Alguma Poesia.

            Celebremos, então, nesta Casa -- e o faço com extrema emoção, mas também como um dever de consciência, relembrando a minha mocidade no Recife, aqueles tempos -- celebremos Mauro Mota. Celebremos os seus 100 anos e evoquemos aquilo que ele dizia de Carlos Pena Filho:

-- Quem morre no Recife engana a morte.

Se criei, no azul, os meus azuis,

foi para esta cidade que me ressuscita.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2011 - Página 34000