Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do transcurso do Dia do Maçom.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do transcurso do Dia do Maçom.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/2011 - Página 33550
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA, MAÇONARIA, COMENTARIO, HISTORIA, NECESSIDADE, APOIO, ORGANIZAÇÃO, COMBATE, CORRUPÇÃO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo, quero começar agradecendo muito, e com muita satisfação, essa sua afirmação. Independentemente de qualquer filiação, como tiveram meu pai e meu tio, independentemente disso, eu me considero um irmão de vocês.

            E é nessa linha que quero falar, cumprimentando, inicialmente, não só o Senador Mozarildo e o Deputado do Distrito Federal, o Professor Izalci, mas o Secretário-Geral da Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, Vanderlei Freitas Valente; o Secretário-Geral da Confederação Maçônica do Brasil, Sr. Rubens Ricardo Franz; o Grão-Mestre do Grande Oriente do Distrito Federal Adjunto, Sr. Lucas Francisco Galdeano; o Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja Maçônica do Distrito Federal, Sr. Mário José Ribeiro Chaves; demais autoridades, entre as quais, e representando todas as outras, cito o meu amigo e conterrâneo Jafé Tôrres.

            Sr. Presidente, senhores e senhoras, faz 189 anos que um discurso de Gonçalves Lêdo deu origem a essa comemoração no dia 20 de agosto. Para um país com a idade do Brasil, 189 anos é um longo tempo. Poucas instituições no Brasil podem se dar o privilégio de comemorar uma data 189 vezes seguidas. Das nossas universidades, nenhuma tem 100 anos, por exemplo. Nossas instituições têm vida curta. A Maçonaria comemora não os 189 anos dela - é muito mais antiga -, mas 189 anos de um gesto que permitiu que, quinze dias depois, a Independência fosse proclamada; e permitiu que, 122 anos atrás, a Abolição fosse feita; e conseguiu que, 122 anos atrás, a República fosse proclamada. Três datas marcantes e, por trás delas, a Maçonaria esteve: Independência, Abolição e República.

            Creio que, num momento como esse, a gente tem que refletir sobre o passado, com orgulho do que foi feito, e refletir sobre o futuro, sobre o que falta fazer na linha do que falou o Senador Mozarildo.

            Creio que nós precisamos completar a independência, completar a abolição e completar a República. Por exemplo, não é possível se considerar um País plenamente republicano, na linha do que falou, mais uma vez, digo, o Senador Mozarildo, com o grau de corrupção que a gente sabe este País tem tido - não é que tem, mas que tem tido.

            Por isso, é uma tarefa da Maçonaria ajudar o Brasil a se livrar dessa praga da perda de sentimento da importância do público, usado em favor do privado, porque essa é a definição de corrupção. A definição de corrupção não é aquela simplista: o cara que pega dinheiro e põe no bolso. É mais ampla: é o cara, as instituições, as pessoas em geral que usam os recursos públicos e do Estado para serviços de interesses menores, nem digo de si próprios.

            Nós precisamos usar o esforço que vocês têm, a rede que vocês têm, a força de vocês para limparmos este País de todas as formas de corrupção. Primeiro, dessa forma mais visível, que a imprensa, felizmente, denuncia, embora esconda as outras formas. Primeiro, essa forma visível da corrupção, que é a corrupção no comportamento de alguns políticos. Essa é a mais visível; essa pode ser até ser a mais dramática, a que mais envergonha, mas não é a mais comum. Além dessa corrupção visível, de se tirar dinheiro do Estado, do público e colocar no bolso de algumas pessoas que exercem funções do Estado, que é a corrupção do comportamento, tem uma outra, que é a corrupção nas prioridades. É aquela corrupção que as pessoas nem veem, para a qual a mídia fecha os olhos. É a corrupção de um País que não tem água, não tem esgoto, as escolas estão caindo, e a gente constrói prédios de luxo com o dinheiro do Estado. Ninguém rouba, mas é uma corrupção; é a corrupção nas prioridades, é a corrupção do uso equivocado do dinheiro público.

            A outra corrupção, a corrupção visível, não é o uso equivocado apenas. É a apropriação privada do recurso. Essa é a corrupção no comportamento. Mas, além da corrupção da apropriação privada do dinheiro público, existe a corrupção do uso equivocado, eticamente, do dinheiro público. Essa a gente não tem visto. Um País sem água e esgoto gasta dinheiro em obras públicas; um País sem transporte público gasta dinheiro, e muito, para viabilizar o transporte privado. Fazem-se monumentos, arquitetura, e não se fazem obras para a educação, a saúde, o esgoto, dos quais a gente precisa tratar.

            Temos que lutar contra essa corrupção nas prioridades. É mais difícil, porque ela não é visível e porque até o produto dela termina nos orgulhando, ao passarmos em frente e vermos o prédio; ao passarmos por cima do viaduto, sabendo que tem gente morando embaixo, porque, em relação à prioridade, em vez de ser fazer casa para quem mora embaixo, faz-se viaduto para os carros que passam por cima. É uma corrupção nas prioridades. Temos que lutar contra isso.

            Além da corrupção no comportamento dos políticos, que é a mais visível forma de corrupção, até porque a mídia se encarrega de denunciá-la, felizmente, nós temos a corrupção cultural neste País. O Senador Mozarildo falou disso. As pessoas se sentem muito corretas, mas se acostumaram a perguntar: tem um jeitinho diferente para se conseguir isso? Nós, brasileiros, orgulhamo-nos de uma qualidade chamada “o povo do jeitinho”. Mas o jeitinho, muitas vezes, esconde uma forma escusa de se conseguir as coisas fora da lei. A gente se acostumou com isso. A gente se orgulha do jeitinho. Nós nos orgulhamos da esperteza de conseguir uma coisa fora do que é o certo.

            Nós temos uma maneira também cultural de nos comportarmos e que incentiva, no futuro, a corrupção: as crianças, lá nas suas escolas, tratam com naturalidade tirar uma boa nota ao copiar o trabalho do colega; ao fazer o trabalho em grupo, deixando que uns façam e que todos tenham nota.

            São pequenos gestos, que a gente não pode nem de longe comparar com a corrupção dos políticos. Mas esses pequenos gestos terminam criando uma consciência tolerante; esses pequenos gestos, impunemente, terminam criando uma impunidade geral. É aquele costume, por exemplo - quem não passou por isso -, de ir a um profissional e, quando se vai pagar a conta, ele pergunta: “com recibo ou sem recibo?” Ao dizer “com recibo ou sem recibo”, ele não vai pegar dinheiro público e botar no bolso. Ele vai deixar de pagar o imposto que deveria ir para o público; ou aquele que pergunta: “quanto quer que coloque na escritura do imóvel que você está comprando?” É um “jeitinho” que termina permeando todos nós e que termina fazendo com que nós sejamos coniventes.

            É preciso lutar contra essa corrupção cultural também. Não com a virulência que devemos usar contra a corrupção no comportamento dos políticos que roubam dinheiro. Essa tem que ser a primeira, tem que ser a principal; essa tem que ser considerada crime hediondo. As outras não são crimes hediondos, mas são tolerâncias que nos levam a fechar os olhos aos crimes hediondos.

            A independência que Gonçalves Lêdo, 189 anos atrás, levantou e que terminou sendo o catalisador de “O Grito do Ipiranga” precisa ser completada. Esta República, que, a partir daquele grito, anos depois, foi conseguida, quase 70 anos, tem que ser completada para que o Brasil seja uma República. Mas não basta isso. Não somos uma República enquanto tivermos uma sociedade desigual em duas coisas: no acesso à saúde e no acesso à educação. Uma República não precisa de igualdade plena: todo o mundo igual. Não. Uma República pode perfeitamente viver com desigualdades, mas não com imoralidades. Roupa diferente, casa maior ou pequena, carro ou não carro, comida em restaurante fino ou não, isso é desigualdade. Agora, morrer ou viver conforme o dinheiro que se tem, isso é imoralidade; ter acesso a uma escola e desenvolver seu cérebro, ou não ter acesso por causa de dinheiro, isso é imoralidade. Imoralidade não é compatível com a República.

            A gente tem que separar a desigualdade do consumo, que deve ser tolerada, da desigualdade do acesso a essas duas coisas essenciais, e que a gente pode até dizer que são divinas, que é a saúde do corpo e o desenvolvimento do espírito, do intelecto, do cérebro. Essas duas coisas não podem ser desiguais.

            Essa é uma tarefa de quem quer construir a República, que foi proclamada, mas ainda não foi construída, até porque não basta um discurso de Gonçalves Lêdo para provocar isso, porque é um processo. Não vai ter um grito para isto: a escola é igual para todos. Não vai ter um grito: a saúde é igual para todos. É um processo, mas exige essa luta.

            Todos que, hoje, são continuadores daqueles que, em 1822, fizeram a Independência, em 1888, a abolição, em 1889, a República, todos os senhores, todos nós, na verdade, temos a obrigação de completar a República, acabando com a corrupção e acabando com a imoralidade da escola desigual e da saúde desigual. Saúde, não, porque é uma coisa pessoal, o acesso à saúde. O intelecto, não, porque tem uns que têm vocação, tem uns que têm persistência; outros, não. Mas o acesso tem que ser igual. E aí há uma diferença; uma diferença porque não cuidou bem da saúde, fez exageros; uma diferença porque a natureza lhes deu, geneticamente até, condições diferentes, mas não por falta de acesso ao máximo de qualidade da saúde.

            O acesso tem que ser igual. Essa é uma condição para se dizer que este País é republicano. Essa é uma condição para se dizer que Gonçalves Lêdo teve seu sonho completado.

            Mas, ao lado disso, é preciso completar a abolição da escravidão. E a abolição da escravidão passa também pela igualdade no acesso à educação. Não é republicano o país onde haja desigualdade no acesso à educação. E, no mundo moderno, não é, obviamente, independente, nem republicano o país cuja qualidade não seja a maior possível comparada com o mundo inteiro. Precisamos completar a abolição.

            Joaquim Nabuco já dizia naquela época: a abolição só será completada com a reforma agrária e com escola para os filhos dos ex-escravos. Só será completada quando a terra for de todos e quando a escola dos filhos da casa grande for a mesma dos filhos da favela.

            Hoje, a luta pela terra já é outra situação. Já não dá para trazer para hoje o discurso de Nabuco. Nabuco falava de um país rural, onde a riqueza era a terra. Hoje, a gente sabe que a grande riqueza não está na terra. A grande riqueza está no cérebro. A reforma agrária, daqui para frente, é a reforma da educação. Essa é a grande reforma agrária do futuro. Não vou dizer que não se precisa de reforma agrária em algumas áreas do Brasil. Claro que precisa. É absurdo a pessoa querer trabalhar, e a terra, cercada, não permitir. Mas a grande luta, a grande reforma agrária é a reforma do desenvolvimento da inteligência de cada brasileiro. É aí que está o caminho para se completar a República, quando o filho do trabalhador estudar em uma escola com a mesma qualidade da do filho do patrão. Para mim, isso é até mais do que República; para mim, essa é a definição do socialismo do séc. XXI em diante.

            Antigamente, os socialistas diziam: é preciso tomar o capital do capitalista e dar para o trabalhador. Começa que ninguém dava ao trabalhador; dava ao Estado, e o Estado nem sempre o usou a serviço do trabalhador, como a gente vê em muitos exemplos do Socialismo na Europa. Mas, hoje, para mim, socialismo, no sentido de utopia, não é mais pegar o capital do capitalista e dar para o trabalhador; é pegar o filho do trabalhador e botar na escola do filho do capitalista. E, como defendo escola igual, não tem que ser a mesma escola, o prédio; para qualquer escola que ele for, ela vai ter a mesma qualidade. A partir daí, haverá desigualdade, mas desigualdade conseguida pela vocação, pela persistência, por uma característica natural qualquer que permite a uns se desenvolverem mais do que os outros. Esta é a luta que eu creio que Gonçalves Lêdo gostaria de ver: nós, aqui, hoje, 189 anos depois do seu discurso, comprometendo-nos.

            Mas não basta completar a abolição, nem completar a República. É preciso completar a independência. E, daqui para frente, Senador Mozarildo, para mim, a independência de um país está na sua capacidade de construir uma economia baseada no conhecimento. E estamos muito longe dessa independência. A independência de ser a sétima potência do mundo, exportando soja, exportando ferro, não é independência. Pode ser até riqueza, mas não é independência. Independência é quando formos capazes de produzir toas as armas mais sofisticadas de que nossas Forças Armadas precisam; quando formos capazes de fabricar todos os instrumentos e equipamentos de que nossa sociedade precisa. Hoje, a gente não faz isso, com exceção dos aviões da Embraer, que são produtos de uma escola. A gente pensa que aqueles aviões, que tanto nos orgulham - e, quando a gente está no exterior, hoje em dia, é muito comum viajar num desses aviões -, são fabricados por uma fábrica chamada Embraer. Ilusão! Esses aviões são fabricados por uma escola chamada Instituto Tecnológico de Aeronáutica, fundada há 50 anos por um cearense, em São José dos Campos, o Brigadeiro Montenegro. A Embraer é um apêndice do ITA.

            Daqui para frente, toda e qualquer indústria, todo e qualquer serviço e até mesmo toda e qualquer produção agrícola ou será o produto da ciência e tecnologia, ou será atrasado. E ser produto da ciência e tecnologia significa ser produto da educação de base, porque ninguém vira um grande cientista sem ter aprendido a ler e a contar com a professorinha que o ensinou na primeira infância. Não tem como você chegar lá sem ter passado por aqui.

            Por isso, a independência que a economia, baseada no conhecimento, porque o Brasil está muito atrasado... Nada disso que vocês veem aqui a gente usando foi inventado no Brasil. Pode até ter sido construído no Brasil este microfone, mas o desenho, a engenharia, a patente vem de fora. O remédio que a gente toma, pode até ter sido fabricado em um laboratório brasileiro, mas a fórmula, muito provavelmente, salvo exceções, foi inventada lá fora. É para fora que vai parte do dinheiro que a gente paga quando compra um remédio, quando compra um sistema de som.

            A gente tem que fazer do Brasil uma economia do conhecimento para completar a independência sonhada naquele discurso de Gonçalves Lêdo. E essa economia do conhecimento vai exigir a criação, no Brasil, de um sistema nacional do conhecimento. Nós fomos infernizados, 20 anos, por um tal de SNI. E seremos infernizados, nos próximos 20 anos, se não criarmos um SNC, um sistema nacional do conhecimento, em que aí em cima estejam grandes instituições de ciência e tecnologia, que nós não temos, salvo raras exceções, como a Oswaldo Cruz, como a Embrapa, como o ITA. Mas, para que esses grandes centros existam, é preciso haver universidades da maior qualidade.

            O Brasil não tem nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo. Estamos entre as sete maiores economias, Professor Izalci, e não temos uma universidade entre as 200 maiores. E é até possível que, daqui a algum tempo, haja uma, mas a gente precisa ter muitas; e muitas a gente não vai ter, porque, para ter muitas, é preciso haver muitos meninos e meninas estudando desde muito cedo, chegando ao final do ensino médio muito preparados, para que seja elevada a qualidade da universidade.

            O Senador Mozarildo falou que dizem que temos todos os meninos na escola, e ele trouxe a necessidade de completarmos isso. O seu discurso já tinha essa preocupação. Nós temos quase todos matriculados, mas não temos todos frequentando. Matricula-se, e não vai. Nós não temos, dos que frequentam, assistindo às aulas. Vão até a merenda e, depois da merenda, vão para casa. Entre os que assistem, não temos muitos permanecendo. Abandonam a escola na quarta série do primeiro grau, e a estatística não mostra quando informa que temos 98% na escola. Temos 98% matriculados. E os que ficam no ensino fundamental não chegam ao final do ensino médio; 37% terminam o ensino médio, menos de 40%, ou seja, estamos jogando para trás mais de 60% das nossas crianças. Deixando-as para trás. E, dos que chegam, calculo que, no máximo, a metade tenha um ensino médio de qualidade; e ainda entram na universidade sem esse ensino médio de qualidade, e aí puxam a universidade para baixo.

            A USP já entrou entre as 200. Não entra mais. Na última classificação, feita na Inglaterra, ela ainda estava - creio que em 1997. Não está mais. Por quê? Porque outros países melhoraram e porque o ensino de base, no Brasil, puxou a USP para baixo. Mas a USP, como é uma das poucas boas, recebe os melhores, graças ao vestibular. E as que recebem os piores? Por isso que uma base fundamental dessa economia do conhecimento são os engenheiros, e, no Brasil, 60% dos estudantes que entram na escola de engenharia abandonam antes de concluir o curso, porque não sabem matemática para ir adiante.

            A vocês, maçons, que me tomam como irmão, quero dizer que tenho a tarefa de completar o discurso do Gonçalves Lêdo fazendo a verdadeira independência deste País: um país com a economia do conhecimento. E isso passa por uma revolução na educação, uma dupla revolução, ou seja, escolas de máxima qualidade e igual para todos, porque ter máxima qualidade para uns e deixar os outros para trás não vai resolver o problema do Brasil.

            Cada cérebro que a gente não cuida é como se se descobrisse um poço de petróleo e tapasse. Imagine o que o Brasil faria se soubesse que tem gente tapando poço de petróleo por aí! Mas ninguém fala que nós temos gente tapando o cérebro das pessoas.

            Há um livro famosíssimo neste País chamado As veias abertas da América Latina, que diz que o imperialismo levou todo ouro e prata. Fazia mal nenhum, se eles tivessem educado nós, latino-americanos. Nosso problema não foram as veias abertas, foram os cérebros tapados, foram os neurônios inibidos.

            Temos que liberar essa capacidade imensa do cérebro dos brasileiros. Temos que liberar essa energia maravilhosa. Estamos agora gastando centenas de bilhões para tirar petróleo do fundo do mar, para transportar para quilômetros de distância, para refinar. Qual foi a energia anterior que permitiu extrair o petróleo? A energia cerebral, que fez essa maravilha de um satélite saber onde tem petróleo no fundo do mar; essa maravilha de descobrir máquinas que perfuram cinco mil e mais dois quilômetros e tiram o petróleo; essa energia de transportar, essa energia cerebral de refinar e de transportar uma lama escondida na energia dentro do tanque de gasolina de um carro. Esse processo é produto da energia cerebral, para o qual o Brasil não dá atenção.

            Gonçalves Lêdo gostaria que, aqui, nós descobríssemos e nos comprometêssemos: para completar a República, a Independência e a Abolição é preciso desenvolver essa reserva monumental, essa riqueza cinzenta que é o cérebro de cada criança que nasce neste País e que nós tendemos a abandonar no processo de vida.

            Concluo - falei demais - o discurso do Gonçalves Lêdo. Tentei saber quanto tempo durou. Não descobri. Talvez um de vocês saiba, mas não deve ter sido mais do que cinco ou dez minutos. E, com aquilo, ele conseguiu fazer com que este País se livrasse das amarras da metrópole portuguesa e desse um passo em direção à Independência. Eu repito: desse um passo em direção à Independência.

            Temos muitos passos ainda para dar; por isso, muita responsabilidade a cumprir. E, entre as forças que vejo por aí, poucas têm tanta força quanto à Maçonaria brasileira. E vou explicar por quê: nós, que somos de partidos políticos, pertencemos a instituições, hoje, que não estão com muita credibilidade na sociedade. Primeiro, porque nossos partidos deixaram de ser partidos e se transformaram em verdadeiros clubes eleitorais, em que a gente entra e sai, conforme é melhor para a eleição seguinte. Não dá para continuar com um processo de transformação social, quando, em vez de termos uma força política com uma ideologia, temos aglutinações circunstanciais em clubes eleitorais. Vocês não são clubes eleitorais; vocês têm credibilidade, como as organizações religiosas têm, como as organizações não governamentais têm, como uma porção de associações ainda têm. E têm em vocês a obrigação de preencher o vácuo deixado por nossos partidos: o vácuo de credibilidade, o vácuo de propostas que os nossos partidos estão deixando.

            Por isso, estou aqui fazendo um apelo para que preencham as nossas fragilidades de militantes de partidos que não são partidos; são clubes eleitorais. Que preencham o vazio da falta de propostas - vocês têm propostas, porque herdaram isso ao longo da história.

            Vamos comemorar os 189 anos do discurso de Gonçalves Lêdo, olhando, nesses quase dois séculos - mas vamos olhar para frente -, a dívida que temos para continuar o que ele não teve tempo de fazer, para que, nos próximos 20, 30 anos, quando a gente se reunir aqui, os que estiverem vivos ainda possam dizer: nós conseguimos completar o trabalho de Gonçalves Lêdo e de todos os outros; nós conseguimos completar a Independência, a Abolição e a República.

            Essa é a nossa tarefa. Essa é a mensagem que eu queria passar para vocês como brasileiro - esqueçam o Senador -, para dizer: o Brasil precisa de vocês. Por isso, muito obrigado por estarem juntos lutando e aqui. Muito obrigado por estarem comemorando o passado e olhando para o futuro.

            Um grande abraço para cada uma e para cada um. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/2011 - Página 33550